A PÁSCOA FINAL
Lá do alto elas não pareciam as doces criancinhas que sempre vira... Que sempre tratara como a grande motivação de seu doce ofício. E era com os olhos embotados de horror que sentia-se ensurdecido em meio aos gritos: “COELHINHO DA PÁSCOA, O QUE TRAZES PRA MIM?”
A voz já lhe faltava. Aliás, sempre lhe faltara. Coelhos não falam. Apenas saltitam e entregam ovos de chocolate na páscoa. E a multidão de crianças enfurecidas continuava a sacudir-lhe a cruz, o que fazia com que os pregos enterrados em suas patinhas de dígitos rosados rasgassem-no ainda mais a delicada pele... Tingira seu pelo branquinho e macio de encarnado sangue inocente...
- COELINHO DA PÁSCOA, O QUE TRAZES PRA MIM?
“Mas hoje é domingo, não sexta da paixão”, pensava ele. As coisas estão erradas, não era para ser assim. Queria poder dizer a eles, mas uma lança lhe perfurava as costelas neste instante, para conferir sua imobilidade. As crianças eram enfurecidas. Ou então, piedosas e ineficazes, como são quase todos os humanos piedosos quando estão diante dos impiedosos. Fracos e inoperantes.
A confusão não parou por aí. Ele já não podia mais explicar-lhes nada, nem entregar-lhes ovos de páscoa. Nem mais poderia deseja-lo. Apenas sentia o calor de seu sangue esvaindo-se. Veria suas quatro patas penduradas em chaveiros por aí, quem sabe trazendo sorte a alguém.
Indignadas com a falta de movimentos do Coelho, algumas sacudiam a cruz ferozmente, o que lhe aumentava a dor significativamente.
- COELINHO DA PÁSCOA, O QUE TRAZES PRA MIM?
“Um ovo, dois ovos, foi pouco, enfim... É meu fim. Pai, por que me abandonastes?”
Não importa. A dor estava passando, e um profundo e confortável frio invadia suas entranhas. Seus olhos vermelhos agora iam ficando vítreos, já nem refletiam com perfeição o céu que de azul, revestia-se de um violento e revoltoso acinzentado. O pelo branquinho apenas agitava-se pela brisa quente-fria, que aumentava ferozmente, anunciando uma intensa tempestade.
- HEI! ELE ESTÁ MORRENDO! NÃO O DEIXEM MORRER! SERIA O FIM DA PÁSCOA! ACORDA, SEU CRETINO, NÃO MORRE NÃO!
E invadidos de enorme fúria e desespero coletivo, todos balançavam juntos a cruz, já sem causar dor ao corpo inerte. “E AGORA, O QUE VAMOS FAZER? AH, É O FIM DA PASCOA, É O FIM... QUE DEUS NOS AJUDE, QUE DEUS NOS MANDE UM NOVO MESSIAS, JÁ NÃO TEMOS LADRÕES O SUFICIENTE PARA TRUCIDAR!”
Olhavam, agora já apáticos e nulos, para o corpo imóvel e morto, crucificado... O pequeno coelho. Antes macio e fofinho, parecia agora magrela e esticado. Cena estranha. Coelhos são ridículos quando estão mortos. Principalmente se estiverem crucificados.
- Ouvi dizer que ele ressuscita daqui três dias...
- Não, seu burro, isso seria se ele tivesse morrido na sexta.
- Então, o que faremos?
- Sei lá. Acho que matamos o cara errado de novo.
- Pó, agora estamos ferrados, acabou a páscoa.
- É, - disse um terceiro, aproximando-se – Ainda bem que ainda resta o carnaval, né?
- Putz, é verdade! É mesmo! Não tem chocolate, mas tem samba e mulher nua! Eita, temos que comemorar!
- É mesmo, chama o Barrabás aí, ele coordena bem essas festinhas, conhece uma galera do movimento que pode até financiar a paradinha!
- Pois é! Boa idéia. Mas vamos comemorar antes ou depois da chuva? Ta se armando um temporal do caramba aí, heim?
- Ah, sei lá, tanto faz. O Império Romano não vai durar pra sempre mesmo, temos que aproveitar é a vida. Deixa chover! Salve aí, mestre Barrabás, escapou por pouco, heim? – E foi cumprimentando o mal-encarado homem que se aproximava.
- É, como sempre, né? Mas ‘tamos’ aí, ‘que que’ tá pegando?
- Galera bolada, meteram o Coelho da Páscoa na cruz.
- Pó, meu! Maior furada, que vacilo. O ‘Homi’ não gosta dessas parada não, teve uma vez que encheu tudo d’água por causa desse vacilos aí. Cês não aprendem nunca, né? É só ir levando de boa, que nem eu, faz errado mas faz na moral, tendo um trouxa pra crucificar, a galera fica contente, mas não dá pra meter qualquer um no prego, pô! Não é por isso que eu to sempre aqui?
- É, meu. Malzão aí, desculpa mesmo, Barrabás. Mas vamos ao que interessa. Vamos comemorar que ainda sobrou o carnaval!
- É ISSO AÍ! FEITOOOO!
E assim seguiu a multidão de crianças, felizes e contentes, vagando pela eternidade de suas conquistas. Galgando o pão, o circo, o chocolate e o sangue nosso de cada dia!
Lá do alto elas não pareciam as doces criancinhas que sempre vira... Que sempre tratara como a grande motivação de seu doce ofício. E era com os olhos embotados de horror que sentia-se ensurdecido em meio aos gritos: “COELHINHO DA PÁSCOA, O QUE TRAZES PRA MIM?”
A voz já lhe faltava. Aliás, sempre lhe faltara. Coelhos não falam. Apenas saltitam e entregam ovos de chocolate na páscoa. E a multidão de crianças enfurecidas continuava a sacudir-lhe a cruz, o que fazia com que os pregos enterrados em suas patinhas de dígitos rosados rasgassem-no ainda mais a delicada pele... Tingira seu pelo branquinho e macio de encarnado sangue inocente...
- COELINHO DA PÁSCOA, O QUE TRAZES PRA MIM?
“Mas hoje é domingo, não sexta da paixão”, pensava ele. As coisas estão erradas, não era para ser assim. Queria poder dizer a eles, mas uma lança lhe perfurava as costelas neste instante, para conferir sua imobilidade. As crianças eram enfurecidas. Ou então, piedosas e ineficazes, como são quase todos os humanos piedosos quando estão diante dos impiedosos. Fracos e inoperantes.
A confusão não parou por aí. Ele já não podia mais explicar-lhes nada, nem entregar-lhes ovos de páscoa. Nem mais poderia deseja-lo. Apenas sentia o calor de seu sangue esvaindo-se. Veria suas quatro patas penduradas em chaveiros por aí, quem sabe trazendo sorte a alguém.
Indignadas com a falta de movimentos do Coelho, algumas sacudiam a cruz ferozmente, o que lhe aumentava a dor significativamente.
- COELINHO DA PÁSCOA, O QUE TRAZES PRA MIM?
“Um ovo, dois ovos, foi pouco, enfim... É meu fim. Pai, por que me abandonastes?”
Não importa. A dor estava passando, e um profundo e confortável frio invadia suas entranhas. Seus olhos vermelhos agora iam ficando vítreos, já nem refletiam com perfeição o céu que de azul, revestia-se de um violento e revoltoso acinzentado. O pelo branquinho apenas agitava-se pela brisa quente-fria, que aumentava ferozmente, anunciando uma intensa tempestade.
- HEI! ELE ESTÁ MORRENDO! NÃO O DEIXEM MORRER! SERIA O FIM DA PÁSCOA! ACORDA, SEU CRETINO, NÃO MORRE NÃO!
E invadidos de enorme fúria e desespero coletivo, todos balançavam juntos a cruz, já sem causar dor ao corpo inerte. “E AGORA, O QUE VAMOS FAZER? AH, É O FIM DA PASCOA, É O FIM... QUE DEUS NOS AJUDE, QUE DEUS NOS MANDE UM NOVO MESSIAS, JÁ NÃO TEMOS LADRÕES O SUFICIENTE PARA TRUCIDAR!”
Olhavam, agora já apáticos e nulos, para o corpo imóvel e morto, crucificado... O pequeno coelho. Antes macio e fofinho, parecia agora magrela e esticado. Cena estranha. Coelhos são ridículos quando estão mortos. Principalmente se estiverem crucificados.
- Ouvi dizer que ele ressuscita daqui três dias...
- Não, seu burro, isso seria se ele tivesse morrido na sexta.
- Então, o que faremos?
- Sei lá. Acho que matamos o cara errado de novo.
- Pó, agora estamos ferrados, acabou a páscoa.
- É, - disse um terceiro, aproximando-se – Ainda bem que ainda resta o carnaval, né?
- Putz, é verdade! É mesmo! Não tem chocolate, mas tem samba e mulher nua! Eita, temos que comemorar!
- É mesmo, chama o Barrabás aí, ele coordena bem essas festinhas, conhece uma galera do movimento que pode até financiar a paradinha!
- Pois é! Boa idéia. Mas vamos comemorar antes ou depois da chuva? Ta se armando um temporal do caramba aí, heim?
- Ah, sei lá, tanto faz. O Império Romano não vai durar pra sempre mesmo, temos que aproveitar é a vida. Deixa chover! Salve aí, mestre Barrabás, escapou por pouco, heim? – E foi cumprimentando o mal-encarado homem que se aproximava.
- É, como sempre, né? Mas ‘tamos’ aí, ‘que que’ tá pegando?
- Galera bolada, meteram o Coelho da Páscoa na cruz.
- Pó, meu! Maior furada, que vacilo. O ‘Homi’ não gosta dessas parada não, teve uma vez que encheu tudo d’água por causa desse vacilos aí. Cês não aprendem nunca, né? É só ir levando de boa, que nem eu, faz errado mas faz na moral, tendo um trouxa pra crucificar, a galera fica contente, mas não dá pra meter qualquer um no prego, pô! Não é por isso que eu to sempre aqui?
- É, meu. Malzão aí, desculpa mesmo, Barrabás. Mas vamos ao que interessa. Vamos comemorar que ainda sobrou o carnaval!
- É ISSO AÍ! FEITOOOO!
E assim seguiu a multidão de crianças, felizes e contentes, vagando pela eternidade de suas conquistas. Galgando o pão, o circo, o chocolate e o sangue nosso de cada dia!