2038 - O Roubo

O Roubo

Os quatro estão sentados. O Sr Ivo, de pé, faz as devidas apresentações:

- Esta é a Srta Carolina. Fale um pouco de si, por favor. – pede o Sr Ivo.

Ela tem entre vinte e vinte e cinco anos, cabelos cacheados em um tom entre o castanho e o chocolate. Parece uma universitária.

A garota levanta e timidamente começa a dizer:

- Eu tenho vinte e dois anos e um dom... Eu sou... Isto é, eu faço... Isto!

Quase todos se espantam quando vê o fogo surgir em suas jovens mãos. Todos menos um rapaz de clara ascendência indígena, sentado na ponta da cadeira com os pés sobre a mesa.

- Muito obrigado! – diz o Sr Ivo sorrindo discretamente.

Ele é um homem de idade avançada, calvo e com um ralo bigode preto. Seu rosto enrugado tem um que de plastificado o que indica claramente que ele já usou botox em algum momento de sua longa vida.

A bela garota branca se senta e um rapaz franzino levanta-se, meio sem graça.

Falta-lhe viço no rosto magro ele balança as mãos secas freneticamente:

- Eu sou o Osvaldo e sou um paranormal! Eu leio mentes! – diz o rapaz derrubando um copo de plasto-carbono.

Os ocupantes da sala não parecem muito convencidos disso e após um sinal do Sr Ivo ele se senta emburrado.

O índio com os pés sobre a mesa cruza os braços sob a nuca. Seus longos cabelos negros espalham-se, soltos.

Um homem de aparência nervosa e barba por fazer se levanta. Seus olhos são duros e frios e o rapaz índio, muito pálido, pensa que talvez ele tenha sido das F.E.B (Forças Especiais Brasileiras).

- Meu nome é Claudio. Eu sou um Demolidor! Querem ver? – pergunta quase em um rosnado.

Ao sinal de curiosidade de quase todos os presentes, Claudio pega dois tijolos antigos provavelmente relíquias do primeiro nível da megalópole de São Paulo.

Com as peças sobre as mãos espalmadas, olha para um dos tijolos. Este começa a rachar e poucos segundos depois quebra em grandes pedaços.

O outro tijolo explode na mão de Claudio.

- Eu posso explodir ou rachar qualquer coisa que eu toque! – avisa o homem orgulhoso.

O rapaz de inclina perigosamente na cadeira, quase caindo e boceja ruidosamente.

Claudio o olha com muita raiva.

O Sr Ivo pede polidamente que o homem de cabelos cor de palha se sente. Todos os olhares convergem para o estranho índio que finge não perceber.

Momentos constrangedores se passam.

- Meu nome é Saturno. - diz derrepente.

Logo em seguida se cala como se isto por si só fosse suficiente.

Todos ficam esperando uma explicação ou um dom incrível, mas o tal rapaz continua calado.

- Eaí? O que você faz? – pergunta finalmente Oswaldo.

Ele o observa com o canto do olho.

- Eu? Nada. Só estou aqui pela diversão

Todos olham espantados para ele.

O Sr Ivo toma a palavra:

- Sr Saturno, isto não deve ser de todo verdade, pois como pôde notar, todos neste grupo têm... Digamos... Algo especial! – avisa polidamente o Sr Ivo.

O silêncio impera na sala.

Logo Saturno se manifesta e o que diz surpreende a todos. Negativamente.

- Eu sou rápido.

A resposta seca irrita Claudio que se levanta, dando um tapa na mesa.

- Ei seu merdinha! Qual é a sua?

O rapaz de longos cabelos negros olha para ele, entediado, gostaria muito de dizer que é um vampiro, mas tem certeza que não vão acreditar...

Aponta o dedo indicador na cara do imortal que não se move um milímetro do lugar onde está.

O anfitrião intervém.

- Sr Claudio. Sente-se, por favor.

O ex-militar olha para o senhor idoso continuando a apontar o dedo na cara de Saturno.

- Não até esse bostinha falar qual é a dele!

Quando ele se vira, o imortal alerta:

- Nunca mais me aponte o dedo, ou vai perdê-lo. E cuidado para não sujar a mesa de sangue.

Nesse exato momento, uma gota do precioso líquido rubro cai no tampo do cedro antigo. Há um corte superficial no indicador de Claudio.

Todos se assombram enquanto o índio continua em sua pose de indiferença ante os humanos.

O ”Demolidor” fica com tanta raiva que racha o tampo da mesa.

- Acho que isto basta! Sente-se. Agora! – ordena o Sr Ivo.

Mesmo em seu tom ameno, quase monocórdio, algo em sua voz alerta o militar que acaba sentando-se na cadeira com um olhar furioso. Os ocupantes do recinto estão muito impressionados, pois não viram o tal Saturno se mover.

- Você ainda vai se ver comigo. Moleque! – grunhe Claudio entredentes.

Osvaldo tenta ler a mente do imortal, mas o vampiro percebe e a bloqueia para o paranormal.

- “Que tipo de pessoa pode fechar a mente fácil assim?” – pensa o rapaz franzino.

Quando consegue a atenção total de todos, o Sr Ivo começa a explicar a missão:

- Primeiro os fatos: Nós vamos roubar uma tiara, mas esta não é uma tiara comum, é uma peça Romana de valor incalculável. Meu patrão a quer e pagará dez milhões de créditos a cada um pela participação!

A garota, Carolina, suspira profundamente. Parece necessitar muito do dinheiro.

Para o vampiro a única coisa que importa é saber a identidade de tal patrão e como soubera dele.

Fora contatado em uma noite quente de São Paulo.

Como sempre tentara passar despercebido entre os seres humanos ficou muito surpreso de alguém não inumano mandar procurá-lo.

- Existe a lenda de que a tiara pode ativar funções mentais há muitos séculos inativos. – começa o Sr Ivo – Claro que isso é tudo uma lenda. Na verdade meu patrão é um colecionador abastado!

- Se a tiara é tão valiosa, como não se tem conhecimento dela em nenhum museu do planeta? – quer saber Carolina.

- Ela é guardada por um homem muito poderoso, no interior de Minas Gerais. – responde seriamente o Sr Ivo.

O vampiro sente um arrepio subindo a espinha. Algo está definitivamente errado por ali, muito errado.

Este homem recruta pessoas especiais para um roubo simples?

Definitivamente ele está mentindo.

A teoria dos poderes especiais começa a fazer muito sentido para Saturno.

- Vamos levar vocês até uma grande fazendo, lá vocês estarão por conta própria! – avisa o Sr Ivo.

- Nós vamos... Correr algum perigo?

Todos olham para Osvaldo que formulara a pergunta que passa pela cabeça de todos. Após meditar um pouco sobre a melhor maneira de dizer, o idoso fala em um tom muito sério:

- Vocês poderão até morrer. Se alguém vai desistir, esta é à hora!

Eles se entreolham. Cada um esperando a reação do outro.

Carolina baixa os olhos e começa a se levantar. Sabe que não será capaz.

- Que pena Srta Carolina... Bem, sempre se pode ganhar dez milhões de alguma outra maneira não? – avisa o Sr Ivo, vendo a hesitação da garota, completa – afinal, seu irmão pode viver ainda mais um ano não?

Um líquido fio prateado escorre de seus olhos castanhos e ela volta a se sentar. A cabeça baixa.

- Mais alguém?

Nenhum deles se manifesta.

- Assim sendo, vamos embora. – ordena o homem de meia idade.

Eles seguem por um longo corredor asséptico até chegarem a um Heliporto, onde um Turbo-Cóptero adaptado para quatro tripulantes os espera.

Apesar de já estar em construção, a proteção infravermelha das Nações Unidas que promete ser a salvação da camada de Ozônio ( e conseqüentemente protegerá os vampiros contra a radiação Ultra-violeta) ainda é uma promessa distante.

Saturno põe um capacete negro.

- Você vai ficar com calor. – alerta Carolina docemente.

O índio não pôde deixar de sorrir, mas lembra de Ângela, seu grande amor ausente e fica sério novamente.

Faz quase quinze anos que não a vê.

Noite após noite não consegue deixar de pensar nela. Sabe onde ela está e mesmo assim, seu orgulho ancestral não aceita que vá atrás dela.

- O sol me incomoda. – diz fechando o visor do capacete.

Apesar da velocidade do Turbo-Cóptero não iam chegar à Minas Gerais antes do crepúsculo.

Toda a viagem se passa em silêncio.

Os quatros espremidos em seus assentos, não têm o que conversar. A tensão cresce minuto a minuto.

Horas depois o piloto faz o sinal de que podem saltar. Lucio se levanta e entra primeiro no diminuto compartimento de carga.

Osvaldo, seguido por Carolina vestem os pára-quedas. A garota salta e logo é seguida pelo telecinético.

Quando Saturno chega ao compartimento de carga, Claudio já ia pular. O grande homem sorri maliciosamente e salta.

O índio acopla seu pára-quedas e vai ao ar.

Saboreia deliciosamente aqueles momentos. Seu corpo não parece ter peso algum.

Vê seus companheiros mais abaixo e mergulha.

Passando por Claudio, repara que ele lhe estica o dedo do meio com vontade.

Quando chegar ao solo vai tirar satisfação deste ato.

Passa a mil por Osvaldo.

- “Putz! Que cara doido!” – pensa o paranormal.

Quando ele está próximo de Carolina, a vê puxar o cordão. O pára-quedas sai como uma massa de panos e logo ela sobe, sustentada pelo artefato de segurança.

Desce lentamente sorrindo para o imortal.

Imediatamente Saturno procura o cordão de seu pára-quedas.

Nada.

O cordão de emergência.

Nada também.

- FILHO DA PUTA! – grunhe o vampiro.

Agora ele sabe o motivo do sorriso de Claudio. O desgraçado acabara de sabotar seu pára-quedas.

- “Se eu não morrer vou matar esse cara!” – pensa ele, movido pela fúria.

Tira a mochila das costas, as botas pesadas e o colete.

O chão se aproxima cada vez mais rápido.

Respirando profundamente, Saturno deixa os pensamentos fluírem. Tenta fazer o próprio corpo ficar mais leve.

Não sabe se vai dar certo, mas não custa tentar. Com muita concentração, diminui seu peso para um terço do original.

Quando abre os olhos vê o chão muito próximo.

- Ah MERDA!

Apesar de seus vinte e um quilos o baque é violentíssimo. Sente seus ossos quebrando e tudo escurece.

Do alto, Carolina vê horrorizada, quando Saturno não consegue puxar o pára-quedas e cai como uma pedra, levantando uma nuvem de pó.

Poucos minutos depois ela pousa no chão, logo em seguida vem Osvaldo.

Ele tropeça nas cordas do pára-quedas e cai.

Em prantos, Carolina vira Saturno de lado, seu rosto branco como cera havia sumido entre o sangue e os pedaços expostos dos ossos.

- OH MEU DEUS! – grita a garota cobrindo o rosto.

Claudio pousa próximo a eles, por pouco não gargalha.

- Que pena hein? – diz palitando os dentes.

- Vamos enterrá-lo. Ele merece um lugar de repouso. – pede Osvaldo.

Claudio olha para os dois, aborrecido.

- Vambora! O cara ta morto! Ou vocês querem perder sua grana?

Ele cospe o palito e começa a subir o terreno íngreme.

Os dois se entreolham e dão de ombros. Começam a seguir o ex-militar, mas Carolina para com um sobressalto.

Tem a impressão de que Saturno se mexera.

Deve ter sido apenas impressão. Ela pega uma bela flor vermelha e a coloca entre os dedos quebrados do morto.

Limpa as lágrimas que escorrem do belo rosto claro.

- Ei! Esperem por mim! – grita correndo atrás dos dois que se afastam ao longe.

Meia hora havia se passado após o crepúsculo, e as estrelas começam a surgir no horizonte.

Um grande cachorro do mato se aproxima do corpo inerte.

Apesar de inquieto pelo cheiro diferente do cadáver, o fato dele não se mover dá coragem ao cão para saciar a grande fome que sente.

O sangue coagulado cheira forte.

Dentes agudos são cravados no peito destroçado de Saturno. O cachorro tenta arrancar um naco de carne vampírica.

Olhos que não deveriam se abrir nunca mais, se arregalam vermelhos.

Antes que o animal possa reagir, as mãos do vampiro quebram sua coluna vertebral ao meio.

Os longos caninos cravam-se na garganta do bicho. Saturno joga a carcaça do cachorro do mato longe, aspira o ar da noite por um segundo e cerrando fortemente as mãos, grita sua frustração aos céus.

- CLAAAAUDIOOOOOOOOOOOO!

Limpa a boca com as costas da mão e sorri.

- Eu vou te matar seu filho da puta! – diz baixinho consigo mesmo.

Lentamente seu corpo começa a se regenerar, o índio se apóia nas pernas quebradas e começa a seguir os passos de seus companheiros de missão.

Longe dali, a escuridão cerca os três. Carolina pensa no irmão.

Ele tem uma doença tão rara, que não existe sequer um nome para ela. Tudo o que os cientistas lhe deram foi uma sigla: WY-1.

O dinheiro servirá para resgatá-lo do lugar onde o prenderam e fazem experiências com seu corpo devastado.

A colônia humana na lua, onde a falta de gravidade no corpo de seu irmão, cria um composto de incríveis propriedades bélicas.

Caminham horas e horas protegidos pela escuridão absoluta.

- Parem! – ordena Claudio em um sussurro abafado. – Ouviram isso?

Os três ficam imóveis e em silêncio por algum tempo. Apenas o som das folhas, farfalhando nas árvores.

- Eu não ouvi nada! – avisa Osvaldo baixinho.

- E nem eu! – emenda linda moça.

Os três voltam a andar. Nesse momento algo salta de uma árvore e atira Claudio ao chão pedregoso.

- Ah Merda! – grita o ex-militar.

A coisa sobre ele está deformada e totalmente ensangüentada.

Ativando seu poder, o loiro faz com que as costas do ser explodam.

A coisa, a coisa nada mais é do que Saturno. Ele grita de dor quando um pedaço de suas costas voa pelos ares.

Um instante depois seu punhal brilha no ar, fazendo com saltem três dedos da mão de Claudio.

O grandalhão berra e empurra o imortal ensandecido para o chão.

O vampiro dá uma cambalhota e se prepara para acertar a garganta de Claudio.

Um jorro de fogo passa à sua frente e ele dá um passo atrás.

- Não! Para! – grita Carolina.

O vampiro tem ímpetos de atacá-la, mas se contém. Olha perigosamente para o Demolidor.

- P-por favor... Não mata ele!

O punhal de Saturno brilha em sua mão e ignorando a linda moça ele salta sobre o ex-militar, que tenta desesperadamente estancar o sangue que escorre copiosamente.

Neste momento a voz do Sr. Ivo pôde ser ouvida pelos intercomunicadores nas nanomoléculas de suas roupas:

- Largue dele agora Sr Saturno, ou perderá cinqüenta por cento do seu dinheiro!

O vampiro rosna furiosamente.

- FODA-SE O DINHEIRO!

Imediatamente o homem do outro lado dos comunicadores emenda:

- Pior que isso: ficará sem saber como e por que foi contratado! – avisa calmamente o Sr Ivo.

O Punhal já está praticamente esfolando a pele e Saturno para subitamente.

Logo se convence e larga Claudio, que paralisado de terror nem nota mais ferimento.

- Posso te matar depois... – resmunga o imortal.

Carolina se aproxima do homem de cabelos cor de palha cuja mão não para de sangrar.

- Q-quer que eu cauterize?

- Sim! – grunhe Claudio.

A linda moça pega um facão das mãos trêmulas de Osvaldo e com suas chamas rapidamente deixa a lâmina em brasa.

Aperta o facão contra o corte aberto de Claudio. A ferida chia e fumega enchendo a noite escura com o cheiro medonho da carne assada.

O ex-militar grita e rola no chão de tanta dor.

Saturno apenas aprecia o espetáculo macabro, de cócoras sobre o galho baixo de uma árvore apodrecida e rachada ao meio.

Depois esperarem de um quarto de hora para o humano se recuperar eles se dirigem a um lago onde banham seus corpos cansados.

O corpo do vampiro já está em adiantado estado de recuperação, seus ossos estão praticamente no lugar.

Só a carne ainda aparece exposta nos locais mais destroçados.

- “Realmente ele não é o que aparentava...” – pensa o paranormal que gela de medo só de encarar a estranha criatura de aspecto humano próxima de si.

Até Claudio sempre tão seguro de si, está com uma ponta de medo.

Todos abrem suas provisões, comida para os humanos e dois cantis repletos de sangue para o vampiro.

- “Sangue humano...” – pensa Saturno reconhecendo o cheiro meio ferruginoso do precioso líquido humano.

Alguém o conhece muito bem e ele não gosta nada disso. A noite escura o embala, mas o vampiro não dorme durante este período de modo que fica deitado, escutando os ruídos noturnos.

Logo que todos dormem, ele vai silenciosamente até Claudio e encosta seu punhal tão afiado quanto uma navalha no pescoço mal barbeado do homem.

- Poderia te matar agora. Mas qual seria a graça? – pergunta o imortal dentro dos sonhos dele.

Claudio se mexe e acorda sobressaltado, olha próximo e vê o filho da escuridão de deitado de costas, talvez dormindo.

Sente vontade de ir lá e matar o vampiro. Seria tão fácil.

Apenas encostar a mão boa na nuca do imbecil e explodir seu crânio. Duvidava que ele conseguisse se regenerar assim.

Quase se levanta, mas hesita. Sabe que se falhar será fatiado sem piedade por aquele monstro.

Resolve esperar por um momento melhor.

Claudio não consegue mais pregar o olho naquela noite. No outro dia, bem cedo, recomeçam a caminhada.

A luz fraca do sol incomoda o vampiro. Ele fecha o visor do capacete.

Sente suas forças sobrenaturais diminuírem consideravelmente durante a manhã.

Andam o dia inteiro e no final da tarde chegam à fortaleza.

É um quadrado de rochas e aço maciço.

Aproximam-se cautelosamente das paredes externas. Osvaldo usa seu poder para desviar a atenção dos homens que cuidam das câmeras.

- Vejam agora o que é PODER! – ri Claudio recuperando um pouco da antiga arrogância.

Com a mão boa toca a parede sólida e a rocha começa a se pulverizar ante os olhos de todos.

Grandes lascas caem no chão e Osvaldo usa sua telecinesia para desbloquear a passagem dos detritos maiores.

Saturno, com pouca paciência para esperar um túnel ser construído, ágil como um gato escala as paredes de rocha nua.

Sobe os vinte e cinco metros em pouco mais de um minuto e mata as dezesseis sentinelas antes que estes possam acionar os alarmes.

Enquanto isso, os outros três entram direto no piso térreo.

O índio está no décimo terceiro pavimento quando escuta o alarme de invasão de perímetro.

- Ah saco! - grunhe o vampiro.

Um pelotão armado corre em sua direção e logo que o vêem começam a disparar lasers de alta intensidade.

Atrás do filho da noite há uma sacada circular de onde se podem ver os pisos inferiores.

O indígena salta de costas, fugindo de um conflito desnecessário e cai livremente entre os andares.

Passando pelo térreo vê seus companheiros fugindo dos soldados.

- Ei! Por aqui! – grita o rapaz de longos cabelos negros.

Imediatamente os três pulam da sacada. O paranormal levita todos até o subsolo.

A escuridão reina naquelas profundezas e Carolina ilumina o caminho com as chamas que emanam de suas mãos.

- Acho que eles desistiram... – murmura Claudio.

- Não. Estão todos no piso acima, mas não vão descer. – explica Osvaldo captando os pensamentos dos soldados.

- Por que não? – pergunta à linda pirocinética, assustada.

Os quatro estacam derrepente. Vindo na escuridão, uma pequena bola plástica chega perto deles.

- Por que tem alguma coisa aqui embaixo com a gente! – grita Saturno.

O vampiro puxa Carolina para trás e Claudio, pressentindo o perigo, afasta-se o mais rápido possível da pequena esfera.

Osvaldo vê uma faísca dentro da bolinha transparente quando ela para bem aos seus pés.

- “É uma granada!”

Este é seu último pensamento consciente.

A explosão destroça seu corpo da cintura para baixo. O ex-militar, a garota e o filho da escuridão são atirados longe.

Saturno fica com as costas repletas de fragmentos dos ossos do telecinético enquanto protege Carolina com o próprio corpo.

A armadura de Claudio não o deixa se ferir.

- Que merda! Perdemos o esquisitão! – resmunga o ex-militar.

Osvaldo agoniza no chão, enquanto onde deveria estar sua cintura encontra-se um mar de sangue.

- CALA A BOCA! Ou eu garanto que você não sai daqui! – grita o vampiro.

O homem de cabelos cor de palha olha para Saturno com ódio redobrado. Logo o vampiro solta um grito extremamente agudo e depois fica em silêncio.

Carolina se exaspera.

- O que foi isso? Por que você gritou assim?

- Shhhh!

Ele não tem tempo para explicar, mas pelos ecos que havia percebido, estão em uma sala imensa, alta e quadrada.

Já sabe de onde viera a granada. Em um canto do imenso galpão algo grande e maciço se move lentamente.

- Quando eu falar já, você vai acender seu fogo o máximo possível – ordena o imortal com uma calma impressionante.

Ela está trêmula, mas faz um sinal afirmativo com a cabeça. Saturno tem ímpetos de beijá-la, porém se contém.

- JÁ!

As chamas sobem tão altas, disparadas pelas mãos da garota, que chegam a lamber o teto de aço.

Os três podem ver o que o que os está atacando. Um Robô!

E ele prepara mais duas daquelas granadas bolas explosivas.

- Ei, Claudio? Você acha que consegue detonar o grandão? – quer saber o vampiro zombeteiramente.

- Se eu conseguir tocá-lo, sim! – responde o homem suando friamente.

O rapaz de longos cabelos negros enfia a mão branca e fria no vão da armadura do demolidor e o suspende com a facilidade de que levantaria um bebê.

- Ei! Ei! O que está fazendo?

O índio o atira próximo a maquina de guerra.

- Faz o seu trabalho que eu faço o meu!

Claudio Cia rolando, mas bem próximo ao ser de ferro. Sua mão ferida volta a sangrar, mas não com a intensidade da hora em que aconteceu o ferimento.

Pensa em explodir o robô, mas quando vê que ele está recheado de granadas plásticas, acha melhor rachá-lo.

Toca a criatura cibernética com a mão boa e imediatamente o aço começa a trincar.

Ao lado do robô, em um pedestal envolto em um tipo letal de energia, está a Tiara.

É por isso que eles haviam carregado aquele paranormal aparentemente inútil. Ele poderia ter levitado a peça antiga.

Com um grande esforço, Saturno penetra a mente lesionada do homem agonizante.

Entre lembranças do passado e o horror ininterrupto da dor, o imortal, ordena Osvaldo que tire a tiara do lugar.

O rapaz magricela cospe sangue e arregala um olho.

Com um grande esforço, cria um tipo de furo no campo de energia que poderia ter transformado o objeto inestimável em pó.

Faz a tiara sair do lugar e lentamente ela flutua na direção do vampiro e da garota incendiária.

O robô estremece. Seu corpo de aço blindado começa a rachar de maneira muito aparente, mas ele ainda consegue atirar duas diminutas granadas.

Osvaldo morre.

A tiara cai no chão, no meio do caminho entre o filho da escuridão e o pedestal.

O primeiro artefato vem na direção de Carolina, Saturno empurra a garota para o lado.

A bolinha rola velozmente até a parede do fundo explodindo com grande estrondo.

A segunda vem na direção do filho da noite, que a apara com as costas da mão direita fazendo-a subir por todo o comprimento de seu braço e voando em direção ao teto.

A violenta explosão derruba parte do teto sobre o vampiro.

Ele empurra a linda moça para a esquerda e ela não é atingida pelo desabamento. Carolina grita desesperadamente.

É humanamente impossível alguém sobreviver sob uma tonelada de aço e concreto.

- Calma aí gatinha! Depois que eu detonar esse robô a gente pega a Tiara e se manda! – avisa Claudio.

Os dois escutam um estranho rangido de aço e algo começa a se mover onde Saturno acabara de ser esmagado.

Para imenso assombro dos dois, o vampiro levanta o entulho com apenas uma mão.

- Você não pensou que eu ia ficar para trás né?

O robô solta fumaça por todos os lados, mas ainda consegue lançar uma última esfera contra o imortal.

O rapaz de longos cabelos negros, cobertos de pó dá um passo à frente, largando uma tonelada de concreto atrás de si.

- Ei Carol! Saca só!

Com uma mão ele apara a granada no ar e com a outra pula agarrando a tiara antiga.

O robô pifa de vez e uma imensa placa de aço cai ruidosamente no chão, deixando à mostra o interior recheado de pequenos explosivos.

- Ei! Eu detonei o bichão! Agora vam´bora!

O índio sorri maldosamente. As pontas dos dentes caninos aparecendo sob seus olhos avermelhados.

Agarra a humana próxima e a atira para a segurança através do buraco no teto.

- Segura isto para mim! Por favor! – ri o rapaz de longos cabelos negros.

Com um gesto a granada é atirada na direção do robô, atingindo seu interior. Com um imenso salto o vampiro sai pelo buraco no teto.

- NÃO! – berra o ex-militar na iminência de sua morte.

A explosão abala as fundações do lugar que começa a desabar imediatamente.

Carolina havia desmaiado. Saturno a pega pelo ombro como se não pesasse nada e começa a correr rapidamente desviando dos destroços que caem entre os soldados em fuga.

Antes que a fortaleza cai totalmente ele alcança a saída e salta para fora junto a dezenas de soldados.

A construção explode lançando uma chuva de estilhaços flamejantes sobre todos.

A onda de choque atinge o rapaz que é atirado longe junto à Carolina.

Pouco a pouco o barulho vai cessando. Na cratera onde estava a fortaleza nada parece ter sobrevivido.

Saturno levanta rindo e espanando o pó dos trajes e olha em volta. Vê que vários vultos levantam-se também.

Alguns parecem estar bem mal.

- Oba! Beleza! Sobrou gente para eu matar!

Mais e mais homens levantam-se, pouco feridos, pois foram protegidos por suas armaduras.

A maioria fortemente armada.

Centenas de armas são engatilhadas em sua direção.

- Ah Merda!

O vampiro aperta a tiara com mais força em suas mãos.

Nesse momento uma coluna de chamas sobe atrás dele e ouve-se um intenso grito feminino.

- SEU MALDITO FILHO-DA-PUTA!

Uma torrente de fogo, quase um plasma líquido é lançado contra o imortal que desvia no último instante alertado por seu instinto sobrenatural.

Sorte de que não partilha uma dezena de soldados, incinerados imediatamente.

- O que é isso Carol? – pergunta o índio assustado com tamanho poder.

- Você matou o Claudio! – urra ela atirando mais chamas.

O vampiro desvia novamente e mais soldados caem em chamas.

Eles voltam sua artilharia contra a pirocinética, mas ela não é atingida, pois uma estranha aura derrete o metal das balas antes de matá-la.

Logo todos fogem da fúria poderosa da garota.

O imortal começa a ficar apavorado.

Percebe, tarde demais talvez, que o poder da humana é tão grande que a única coisa que o salvou até o momento é sua imensa velocidade.

O vampiro salta para a direita e mais soldados são incinerados.

- Ei! Ei! Foi ele quem sabotou meu pára-quedas! Eu quase morri! Se não me regenerasse tão depressa eu...

Espera convencer Carolina. De qualquer maneira, seu punhal está a postos para matá-la ao primeiro sinal de hesitação.

A linda garota não sabe o que dizer e no momento em que para de soltar fogo os soldados próximos engatilham seus fuzis.

Ele levanta a arma e a moça o olha com olhos de quem não acredita que vai ser morta. Olhos de piedade.

Saturno atira o punhal e ela grita horrorizada.

Um soldado cai morto atrás da pirocinética.

- Abaixa pô! – ordena o vampiro.

Ela fica estática por um instante, mal acreditando que está viva e logo se abaixa. Sua aura de chamas some lentamente.

- Droga! A gente tá encurralado aqui! – murmura ela.

Um helicóptero preto recorta a noite e logo se põe a metralhar os soldados dentro do perímetro.

Ouvindo os gritos, o filho da escuridão olha por cima da trincheira onde tinha colocado Carolina para protegê-la.

- Opa! A carona!

Passando sobre a trincheira, uma escadinha é atirada e os dois sobem.

Antes de alçar vôo Saturno ainda arranca seu precioso punhal alemão do século XIV do peito do soldado caído.

Na porta do Turbo-Cóptero está o Sr. Ivo. Com os braços cruzados parece nem sentir a turbulência.

- Vocês trouxeram a Tiara?

- Sim! Estamos com ela! – avisa Carolina entrando no veículo aéreo.

O vampiro entra no compartimento de carga em seguida e entrega a peça antiga ao homem. Ele não toca a Tiara.

Com um gesto indica que Saturno a deposite em uma caixa de eletro lavrada com filetes de ouro.

- Direto para São Paulo. – ordena o Sr Ivo no comunicador.

O piloto ajusta as coordenadas silenciosamente.

Saturno se encosta a um canto e logo ronca em um sono profundo como a morte. A moça também dorme profundamente.

O Sr Ivo observa os dois, sorrindo. Alguns segundos depois um par de faíscas saltam de seus olhos que são como brasas.

Percebendo seu estado de excitação ele pisca e seus olhos voltam ao normal. O Turbo-Cóptero atravessa os Estados chegando à cidade de São Paulo no crepúsculo.

- Ai! Eu to quebrada! – reclama Carolina estralando os ossos.

O vampiro, sério, não responde. Apesar de estar em casa, seu instinto diz que a batalha ainda não terminou.

O veículo aéreo pousa no alto do edifício totalmente negro. O Sr Ivo os guia, carregando cuidadosamente a caixa.

Os três tomam o elevador e descem andares sem conta.

Seguem por corredores escuros. Saturno sente algo passando silenciosamente atrás de si e quando se vira para olhar não há ninguém. As mãos do seu guia estão vazias.

Alguém pegou a caixa.

Ele olha para frente e se espanta.

A linda moça sumiu.

- Carolina? – o vampiro para.

Não sente mais a presença dela. Vê que o Sr Ivo já está longe quando o procura.

- Ei! Espera aí! – grita o imortal correndo.

Mas quando mais corre, mais longe o homem de meia idade fica. Quanto mais rápido o imortal avança, mais afastado fica a imagem do senhor franzino.

- Caralho! O que está acontecendo aqui?

Quando olha para trás toma um susto. O longo corredor havia sumido e em seu lugar, bem próximo, uma única porta.

- Bem... Quem entra na chuva... – o imortal morde os lábios.

O vampiro abre a porta no fim do corredor.

Nada poderia prepará-lo para o que vê do outro lado. Carolina sentada em uma cadeira de madeira com revestimento de couro negro, extremamente lustroso. Ela usa um longo negro com detalhes bordados em vermelho.

Ao lado dela um velho encarquilhado de longos cabelos brancos usa uma comprida bata preta e usa a Tiara na testa.

E o Sr Ivo está próximo a ele segurando a caixa vazia aberta.

Se fosse apenas isto o indígena estaria feliz. O problema é que eles estão pisando sobre NADA!

É isso mesmo, o rapaz de longos cabelos negros se encontra sobre o beiral de uma porta de dá para o infinito.

Sua mente racional pensa que aquilo é algum tipo de trapaça, porém seu passo em falso no ar lhe tira quaisquer ilusões.

Saturno quase cai.

- Mas que merda! – grunhe ele.

O Sr Ivo sorri.

Quebrando o silêncio, o velho de bata negra toma a palavra:

- Você deve estar se perguntando o que houve a sua frente e as suas costas.

Ouvindo isto o imortal olha para trás e para sua imensa surpresa tudo atrás de si também sumiu!

Apenas o que lhe segura no lugar é a soleira da porta que estranhamente não cai.

- Você devia ter dado mais atenção ao que carregava... – ri o Sr Ivo.

- Você já leu a bíblia? – o ancião pergunta ao vampiro.

Saturno está ficando com uma raiva extrema.

- Eu perguntei se já leu a bíblia sagrada, pequeno sugador de sangue!

O rapaz de longos cabelos negros explode:

- Já tiozinho! Mas o que isso tem a ver com tudo isto? – rosna ele.

O velho sorri.

- Há uns dois mil anos atrás quando o místico mais poderoso do planeta caminhava entre nós, tentando passar para a insípida humanidade suas ridículas noções de bondade e humildade, era comum a mulher ser apedrejada em público por sua desobediência, adultério e outras faltas... – começa a dizer seriamente quando é interrompido.

- E daí? Que que essa merda tem a ver? – pergunta o vampiro totalmente alerta.

O ancião continua com um ar meio aborrecido.

- Você lembra-se da parábola sobre Maria Madalena? Pois aconteceu de verdade! E a pedra, a pedra que Jesus não atirou, foi recolhida por seus fiéis discípulos e eagora faz parte dessa Tiara! – grita o velho triunfante.

- Que bonitinho! Então você tem uma relíquia... – ri-se Saturno.

O Sr Ivo esboça um esgar e seus olhos soltam faíscas de raiva, deixa a linda caixa marchetada cair e ela despenca até o infinito.

- INSETO! Não percebe o poder dessa peça? Nas mãos deste grande bruxo, ele pode modificar toda a realidade!! – grita o homem magro.

- E ninguém mais pode fazer isso? – pergunta o vampiro cautelosamente.

O bruxo ri com seu ar superior.

- Alguém não preparado até conseguiria transformar parcialmente o continnuum temporal, mas nunca libertar o maior dos anjos caídos do Inferno! – brada o velho.

Concentrando-se ao máximo, Saturno pisa sobre o Nada.

Tanto o bruxo como o Sr Ivo ficam surpresos. Largando o beiral da porta, o filho da escuridão dá alguns passos sobre o vazio.

- E eu? Sou digno? – pergunta com dificuldade o índio com um olhar indecifrável.

Um olhar que por algum motivo causa certo calafrio no bruxo.

Ele medita por um segundo antes de responder:

- Sim. É digno de viver no novo mundo que criarei! É só curvar-se ante mim! – diz o ancião com os braços cruzados.

Instintivamente o velho dá um ligeiro recuo.

É com extrema dificuldade que o vampiro se curva. Antes de tocar a testa contra o joelho, Saturno olha Carolina de relance.

A linda moça fixa o horizonte ausente.

O indígena não vê o meio sorriso que brota no rosto de seus dois interlocutores. Ele só tem um instante.

Se errar tudo estará perdido.

Atira seu punhal que rodopia no ar e cujo cabo acerta a Tiara na testa do bruxo. A pedra abençoada racha em quatro partes iguais.

- Ora seu... Mas o quê? – grita o velho.

Sem controle no universo que criara, o bruxo começa a cair, acompanhado pelo Sr Ivo, Carolina e o rapaz de longos cabelos negros.

A queda não parece ter fim e o vampiro se aproveita da vantagem para impulsionar o corpo de modo que consiga agarrar um dos pedaços da pedra.

A criatura que finge ser o Sr Ivo se transmuta em pleno ar, lançando um fedor indescritível em todas as direções. Cria asas absurdamente grandes e passa voando à frente do índio.

Saturno sente o couro esgarçado que são as asas, feitas de uma pele escamosa. Enquanto mergulha, o Sr Ivo vai mudando de forma, ficando cada vez mais demoníaco.

O corpo se alonga, rasgando as roupas e coberto com o mesmo couro avermelhado e escamoso.

Visto do alto parece um dragão de fábulas.

- “É, mas cheira muito pior!” – reflete o filho da escuridão por um instante.

Quando a criatura infernal segura um dos pedaços da pedra Santa ela estoura em chamas azuis, carbonizando imediatamente a pata deformada do dragão.

Ele urra de dor largando o fragmento.

O vampiro passa por ele mergulhando como uma bala. Avista um dos pedaços e a pega.

A reação não é tão violenta como a do demônio, porém Saturno, como todo ser amaldiçoado pode sentir a carne da mão se incinerar em contato com a pedra sagrada.

Ele deseja firmemente estar de volta ao prédio com Carolina e Osvaldo, vivo e bem. Um instante depois todos estão no topo do edifício.

A pirocinética, o paranormal, junto com o Sr Ivo em sua forma humana e o bruxo!

Infelizmente o rapaz de longos cabelos negros não fora muito preciso em seu desejo...

O pedaço de pedra havia esgotado todo seu poder. O braço do imortal fora consumido até o cotovelo pela intensa energia mística.

Não passa de um toco ressequido agora.

O filho da escuridão arfa, exausto. Mal consegue se mover.

- Ca-Carolina! Pega uma pedra... Deseje que os dois sumam para o lugar de onde o Sr Ivo veio! RÁPIDO! – grita o índio.

A moça olha espantada para o vampiro sem entender nada do que ele diz.

Ela pega uma pedra, mas não sabe o que fazer.

O ancião reage rápido, imobilizando a garota com uma magia negra. Carolina é suspensa no ar.

- Passe essa pedra para mim! – ordena o bruxo piscando o olho esquerdo nervosamente.

- Larga ela! – grita Osvaldo.

Focalizando o máximo seu poder, consegue armar um bloqueio psíquico em volta de Carolina

Dá certo.

Ela cai no chão com a pedra na mão, mas ainda não consegue entender o que está acontecendo.

Sua última lembrança é de ser atingido por uma granada dentro de um complexo militar em Minas Gerais.

O vampiro tenta se mover, mas ainda está muito fraco.

- Vai Carolina! VAI! - grita Saturno.

O Bruxo tenta acabar com o bloqueio, porém Osvaldo resiste.

O demônio ainda transvertido do Sr Ivo resolve intervir, e neste momento diante de todos começa a tomar aquela forma característica de dragão ou sabe-se lá o que é aquilo!

Só nesse instante a linda moça percebe o perigo que todos eles correm.

- Desaparece!Volta pro seu lugar! – grita ela escondendo o rosto para não ver aquela criatura horrível.

Osvaldo arregala os olhos de surpresa, pois o bichão sumiu mesmo!

O ancião se espanta e começa a fazer um intrincado movimento com as mãos. Tenta fazer uma magia para fugir.

- Some você também! – diz ela com raiva na voz - Vá você também para o lugar onde está o Sr Ivo!

O bruxo some um milésimo de segundos.

Sobrevive por escassos momentos na dimensão de fogo e enxofre de onde retirou o demônio que ele comandava.

Mesmo sua alma negra não consegue sair daquele lugar medonho, pois um forte magnetismo prende tudo naquele não-lugar.

Por toda a eternidade o bruxo purgará, incinerado até a alma...

Tudo está calmo no alto do edifício agora.

Saturno suspira aliviado, sente leves picadas em seu braço que pouco a pouco se regenera.

- O que aconteceu aqui? E-Eu tava morto? – o paranormal está confuso.

- Em vez de encher o saco, você devia era agradecer... – resmunga o rapaz de longos cabelos negros.

Carolina chega mais perto de Saturno.

- Como você está? – pergunta ela, preocupada com a aparência de seu ferimento.

Ele fica meio constrangido com a atenção da humana. Se tivesse sangue suficiente nas veias, talvez ficasse até ruborizado.

- Melhor agora...

Osvaldo procura em volta.

- Cadê o Cláudio?

O vampiro olha para a pedra que Carolina segura e ela está meio fosca. A pedra que ele havia segurado já estava preta como carvão.

Aparentemente para cada desejo realizado, uma parte da energia mística contida na pedra era consumida.

E parece que quanto mais impossível de se realizar é o desejo, menos energia sobrava.

- Talvez você possa curar seu irmão... – diz o vampiro pensativamente.

- O que? Ma-mas isso é impossível! Não é?

Carolina tinha entendido, porém a idéia é muito louca para lhe fazer sentido.

Osvaldo os interrompe:

- Ei! Gente? Cadê o Claudio?

Ela pensa por alguns segundos no assunto. Se fora possível ressuscitar o telecinético, por que não curar seu irmão?

Aperta a pedra firmemente em sua mão esquerda e deseja que seu irmão esteja curado e ao seu lado nesse momento.

O fragmento emite uma fraca luminosidade azul e em seguida fica preta como carvão.

- Ei! O que está acontecendo? Cadê o Claudio? – indaga o paranormal insistentemente.

Finalmente Saturno se irrita:

- Ele está morto saco!

Observa atentamente o irmão de Carolina aparecer na sala. Ele parece estar meio desorientado.

- Ca-Carol? Eu devo estar sonhando!

A garota abraça-o e começa a chorar.

- Você está curado!

Saturno dá um meio sorriso enquanto Osvaldo lê a mente da pirocinética.

- “Será possível? Esta pedra curar asa pessoas? Realizar tudo o que queremos?” – pensa o paranormal.

Apanha um fragmento no chão.

Com um pensamento mais prático fez surgir três malas cheias com centenas de créditos cada uma.

- Uau! – grita Osvaldo – “O Claudio bem que podia estar vivo!” – pensa em seguida.

A pedra imediatamente solta um brilho azul ficando escura em seguida. Saturno olha para o lado e vê o telecinético com algo na mão.

- Ei! EI! Larga isso já! – grita o imortal de modo pouquíssimo amistoso.

Osvaldo, assustado, deixa cair o fragmento.

- De-Desculpa! Só pedi uma grana pra gente!

Saturno pega a pedra que está negra como uma noite sem luar.

- Foi só isso mesmo? – pergunta desconfiado.

- Eu juro por Deus! – diz o paranormal beijando os dedos em cruz.

Uma mentira inocente, pois sabe que o companheiro de jornada detesta o Demolidor, mas Osvaldo não tem nada contra ele e acha uma desumanidade deixar de fazer algo pelo companheiro caído.

O filho da escuridão bufa:

- Sei.

Há quilômetros de distância em um lugar devastado de Minas Gerais, em uma fortaleza em ruínas o chão treme.

Com um estrondo uma explosão lança aos céus, dezenas de toneladas de detritos que já haviam assentado.

Um homem está dentro da cratera.

Seus dedos repletos de terra estão completos novamente. A chuva começa cair grossa naquele estado abandonado há décadas.

- SATURNOOOOOO! - o grito de Claudio preenche o lugar com seu ódio.

O demolidor humano cai desmaiado. Seu corpo desfigurado e queimado, mas vivo.

Esteve morto por muitas horas e foi ressuscitado sem saber, pelo poder da pedra mágica e pelo desejo de Osvaldo que é uma pessoa muito boa.

O ex-militar ainda vai vagar por muitos meses antes de começar a elaborar seus planos de vingança.

Longe de lá. Ainda no edifício cada um pega seus créditos e começam a seguir seu caminho.

Osvaldo se vai.

Carolina e o irmão também.

Apenas Saturno fica. Sentado na beirada do heliporto do edifício, no nonagésimo nono andar.

Aprecia as poucas estrelas que sobressaem à poluição do segundo nível da megalópole de São Paulo.

Passos leve o tira de sua distração e pelo modo de pisar percebe claramente se tratar da pirocinética.

Seu coração imortal tem um sobressalto. Continua sentado na borda do edifício, seus pés balançando contra uma queda de quase trezentos metros de altura.

- ãn... Oi. – cumprimenta ela.

Parece incerta quanto ao que dizer.

- Oi. Não precisa agradecer. Eu fiz o que fiz por todos nós... – avisa Saturno sem nem desviar o olhar.

Carolina senta ao lado do vampiro e fica silenciosa apreciando a vista também.

Após algum tempo ela pega a mão do imortal o que lhe causa uma surpresa muito grande.

Quando tenta dizer algo ela o cala com um grande beijo.

- Eu estou apaixonada por você! - avisa Carolina.

Saturno abre a boca, espantado. Não sabe o que dizer.

- Osvaldo acha que você é um vampiro! Se for, eu quero ser como você! – suplica a garota.

O filho da escuridão pesa longamente aquelas palavras.

Realmente ele sente uma atração muito grande por ela.

Sem saber se é pelo peso da solidão, ou pelo desejo masculino ainda latente em sua carne vampírica, mas ele se aproxima, envolvendo-a em um abraço mortal.

Carolina se deixa levar.

Sentindo os contornos sensuais do corpo quente em suas mãos, Saturno se aproxima cada vez mais do pescoço macio da moça.

Seus olhos negros tornam-se vermelhos instintivamente e sua língua gelada desliza até sentir a veia pulsante.

Seus dentes saem dos alvéolos, magníficos, mortais.

A jovem sente um arrepio quando os dentes tocam seu pescoço branco.

Derrepente o vampiro abre os olhos.

Havia se lembrado de Ângela. A mulher que ele havia eternizado como vampira.

Sua companheira imortal.

Lembrou-se de seu olhar apaixonado e não pôde terminar.

- Não. – diz recolhendo os dentes.

Dos olhos de Carolina duas chispas de fogo saem junto com a frustração de saber que acaba de ser dispensada.

- Eu te amo! Seja meu! - implora ela.

A resposta do vampiro é um beijo, uma leve pressão dos seus lábios frios contra os febris lábios da linda moça viva.

- Viva a sua vida! –diz ele completando em seguida – que eu viverei minha triste eternidade...

Com um dolorido meio sorriso, salta do 205 andar do prédio com a mala cheia de créditos, sumindo na escuridão da noite.

O vento uiva entre os cabelos revoltos de Carolina, que fica ainda um longo tempo no topo do edifício.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 10/04/2009
Código do texto: T1532564
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