O PALHAÇO - FINAL ( IRRESISTÍVEL)
O palhaço – Final.
É estranho como a agitação, o tumulto a euforia insensibiliza o meio.
São poucas as pessoas que conseguem manter-se sã diante da unificação destas atitudes, uma névoa relapsa possui o contexto de forma a destinar total credito às insignificâncias e nenhuma importância ao credível e útil.
A cidade estava tomada, fora invadida por um batalhão de lazer e novidades, tudo que possuía relevância fora colocado de lado para ser visto somente após segunda (Partida do circo). Toda cidade parecia absorta num egoísmo próprio; o da diversão e o negligenciar temporário da realidade e compromissos.
Uma névoa de insensibilidade, de egoísmo e negligência chamava agora: Martinópolis.
No início do espetáculo, a névoa pairou sobre o publico. Os gritos eram medonhos, crianças choravam a procura dos pais, estes insensibilizados por um egoísmo latente digeriam o lazer sem se preocupar, ou ao menos pensar naqueles que deveriam defender.
Tudo era confuso e a observá-la um medo medonho dos homens latejou-me no peito.
Qualquer coisa poderia acontecer ali nobre leitor, mas acreditem, poucos veriam.
Eu, sentado no alto da arquibancada observava atônito as atitudes, a simplicidade do povo tornara-se uma arma para o prazer, uma libertação da dura vida, amantes se acolhiam, homens gritavam, brigavam, muitas mulheres batiam em suas crianças, forçando-as o cessar do choro que as incomodava.
As crianças (inclusive eu) choravam, era um choro de tristeza imotivada, algo completamente irresistível. Tal sentimento parecia atingir muito mais as crianças menores, inclusive as de colo. Mas lhes digo em verdade, por maior que fosse a tristeza, não queríamos sair, aquilo era como disse: irresistível.
O prefeito derrubara com volúpia as duas crianças de seu colo, para poder beijar e acariciar três mulheres ao mesmo tempo. O médico dançava e gritava observando o espetáculo. O padre cuspia no crucifixo enquanto apalpava o quadril de uma adolescente que chorava infindamente. Homens se socavam aos risos. Mulheres se acariciavam com carinho e luxuria, mas todos, sem exceção, mantinham-se ligados ao espetáculo.
Tentei conversar com “Pequeno” que já tinha toda a camiseta molhada pelas lágrimas, mas ele não respondia, ou eu não falava, paralisados, inviabilizados pela névoa. Desisti de tentar, porque alias não poderia deixar de olhar o espetáculo; como era lindo.
Não sei se poderei explicar ao certo o que vi no espetáculo, tentarei com muitas falhas expressar minha confusão cognitiva gerada na grande névoa em somente um número.
Um narrador oculto anunciava os números, no primeiro, algumas dançarinas semi-nuas pareciam voar, mas como vou dizer, bem, voavam sem sair do lugar, elas se esticavam, sem acrescer altura, como se elas movimentassem-se muito rápido, seus rostos estavam tampados com vestes que brilhavam, ora como ouro, ora como a mais amedrontadora escuridão, por mais bizarro que possa parecer, a névoa tornava lindo.
Os outros números por tão medonhos e execráveis, tão quanto inexpressivos, opto por não descreve-los, com exceção do grande final, que torna-se o motivo desta comunicação.
Com os olhos transbordando, ouvi o anuncio do último número, som este que parecia surgir de dentro da minha cabeça, como um pensamento, um pensamento estrondoso.
“E agora, nobre infortunados, senhores da alegria e do prazer, trago a vocês o senhor do espetáculo, que fará você rir e gemer, o mestre apalhaçado: REDNÊR.”
Acredito que, qualquer pessoa que desejasse pronunciar uma palavra, não conseguiria. O circo ficou em silêncio, estático a visualizar o palco.
Uma grande bicicleta de sete lugares adentrou por entre as cortinas, vagarosamente dirigiu-se ao centro do palco, ninguém a pilotava, os pedais giravam ritmicamente lentos, lindo, como eu disse; irresistível.
Ao chegar ao centro do palco, um estalo, seguido de um grande Grito:
- REDNER
A bicicleta agora estava ocupada, no centro, vestido de dourado, um grande palhaço com os braços levantados, nos outros acentos varias crianças de cabeça baixa com os braços abertos.
O circo encheu-se novamente de euforia, a névoa liberara as vozes.
O palhaço utilizava as crianças para fazer-nos rir, e como riamos, como era lindo, majestoso e sublime. Entre as crianças havia uma que utilizava uma grande e colorida máscara medieval, ela somente chamou-me a atenção pelo fato de utilizar um belo par de botas beges, botas únicas que meu tio fizera pessoalmente para mim, com certeza eram as minhas botas. Indescritivelmente naquele momento eu não fazia mais parte da névoa. E, sim, aquele garoto certamente só poderia ser o Zinho.
Eu era somente medo naquele momento, tentei pedir socorro, eu gritava por dentro, mas não tinha voz, era horrível. Tentei levantar-me, não consegui, persisti no intuito e com muito pesar consegui. Com toda a força que eu poderia exibir tentei dar algum passo, quando estava conseguindo, lembrei-me de “pequeno”.
Virei-me para meu amigo na intenção de puxá-lo, mas antes que eu pegasse seu braço REDNER e Zinho estavam ao meu lado, assustei-me como nunca, olhei por reflexo para o picadeiro, e lá estavam REDNER e Zinho dançando, automaticamente tentei fugir uma voz aguda travou-me os movimentos.
-Hum HAHA olhem lá, hum, não gosta de circo, hum? Quer sair HAHAHA, olhe Zinho meu NOVO FILHO ele quer sair HAHAHA, HUM!
Zinho permanecia de cabeça baixa, agora estava sem a máscara. O palhaço aproximou-se próximo ao meu rosto, seus olhos eram grandes e sujos, sua boca maquiada era gigantesca e sua pele pálida como uma vela, aproximou-se ainda mais, pude sentir seu hálito podre quando disse:
- Quer sair não é? HAHAHA Não,não,NÃO. -Entrou tem que ficar, HAHA, tem que ficar.
Seus olhos se contorceram, aquela coisa expressou seu ódio e mostrou-me sua verdadeira face. Seus dentes viraram presas, seus olhos agora eram de lobos, seu rosto arredondou-se e esticou-se, acreditem, um verdadeiro demônio ficou a dois centímetros de minha face.
Com a visão, cai sentado em meu lugar, atônito, perdido. Por estar sentado pude ver o rosto de Zinho que continuava com a cabeça baixa. Não havia olhos, somente duas cavidades escuras, por onde escorriam lagrimas de sangue.
Numa última tentativa, avancei para “pequeno” no ímpeto de conduzi-lo para fora daquele lugar, o palhaço barrou-me.
-Ta boMMM, pode ir HAHA, pode ir, pode ir,HAHAHA, hum? -Quer ir? Pode ir, não vou impediririr, não, não HAHAHA.
- HAHAHA. - Mas ele fica, entrou tem que ficar.
O monstro agarrou o braço de “pequeno”. Zinho com seus olhos de sangue começou a gritar de forma estrondosa. “Pequeno” suspirou. O palhaço sumira e no palco ele gritava com meu amigo em seu colo.
-Fim do show. -Lembrem-se HAHAHA entrou tem que ficar.
O palhaço e as crianças desapareceram atrás das gigantescas cortinas.
O publico gritou extasiado.
Tudo desaparecera, o povo voltara ao normal, com exceção de “Pequeno” que ao meu lado olhava profundamente para o nada, imóvel e incapaz.
Obs.: Enquanto eu e alguns curiosos tentávamos ajudar “pequeno” pude ouvir um diálogo entre pai e filho que se retirava do circo.
- Gostou do espetáculo, filho?
- Sim, sim, mas não consigo me lembrar de tudo, só não esqueço o palhaço.
-É. O pai parou, coçou a cabeça. - Estranho, eu também, hum... Que belo palhaço.
Como eu desejo, todos os dias, não lembrar também.
Fim.
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