O PALHAÇO - 2
Parte 2
Observação: Esta é uma trilogia baseada em fatos relatados por parentes próximos.
Nomes e referências foram alterados pelo fator privativo.
A cada dois dias serão editados os próximos capítulos.
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Exaltados, esta era a definição da cidade no último dia de espetáculo. O circo lotara, todos os ingressos foram vendidos, e muitos a mais foram disponibilizados. Muitos se amontoavam pelo chão, espremiam-se pelas arquibancadas e cadeiras; O prefeito que sentara próximo ao palco cedera seu colo a duas crianças de alguma família, a euforia era generalizada, o barulho entontecedor e ninguém parecia lembrar, muito menos dar importância, ao ocorrido no meio da semana, ninguém recordava do triste advindo com o menino, ou melhor, o futuro bandido da cidade Zinho.
Zinho morava na entrada da cidade, sua mãe morrera no parto e seu pai fora preso por roubo de gados aos seu seis anos, era criado por sua avó; uma senhora inválida e surda que por muitos era conhecida como: A velha macumbeira.
Garoto rebelde e briguento, Zinho nos seus onze anos era protagonista na cidade dos mais variados tipos de furtos e agressões no meio infantil. Eu sempre fora vitima de suas ações, tanto uma, quanto outra, a última o pequeno larápio, além de dar-me uma boa surra, roubara a bela botina bege de couro que meu afortunado tio Afonso de São Paulo me dera em uma de suas visitas. Ele passou a ostentá-la como um troféu, o melhor troféu de roubo que já conseguira.
Segundo o relato de Antônio o “sangue suga” irmão mais novo de Zinho, ignorado por todos os responsáveis, talvez por sua idade que era de oito anos ou pelas relevâncias absurdas execráveis pelos adultos tão cheios de si; Não sei ao certo, o que sei ,é, que as crianças também conversam, e nessas conversas quase sempre não há discriminação. Quando o locutor expressa verdadeiramente seus sentimentos, sentimentos visíveis, reais e existentes, sentimentos estes impressos claramente no olhar amedrontado e carente do pobre “sangue suga”.
Segundo relato Zinho o convidara a adentrar nos vagões do circo para furtar algum dinheiro ou alguma coisa de valor, “sangue suga” atendeu na hora o pedido, admirava o irmão e também como todos sabíamos tinha uma queda pela delinqüência. Não demorou estavam os dois vasculhando os vagões, sorrateiramente, enquanto os integrantes do circo ensaiavam sob a tenda que fora instalada num pasto um pouco longe da estação.
Zinho não encontrara nenhum dinheiro, apenas um relógio com a gravura de uma locomotiva, cujo proprietario era o maquinista.
O som do ensaio cessara, mas ainda faltava um vagão, o último, o vagão de cortinas vermelhas. “Sangue suga” dissera a Zinho que o ensaio acabara e era hora de ir, o irmão, porém, ignorou-o com uma frase sua bem conhecida por todas as crianças da cidade “Cala a boca, Cuzão” e dirigiu-se a ultima empreitada.
Zinho fora seguido pelo amedrontado irmão até a porta coberta de manchas e musgos do velho vagão. Ao Zinho colocar a mão na maçaneta, ouviram vindo de dentro, o choramingar e murmurar de algumas crianças, uma aguda voz em seguida tornou o silêncio.
- Não chorem meus filhos, não vêem que temos visitas, HÁ-HÁ-HÁ ele veio brincar com vocês, Não é Zinho?
Zinho tentou vagarosamente descer das escadas, torcendo que o nome citado fosse uma mera coincidência com o de alguém no vagão.
- Ei! Amiguinho, onde vai? Sabia que aqui dentro tem muitos relógios iguais a esse que carrega no bolso? Hum, sabia? HAHAHA, venha aqui ver, tem muito dinheiro também, sabia?
Zinho viu uma nota de dez passar pelo vão da porta e estacionar sobre sua nova bota bege. Apanhou rapidamente a nota e vagarosamente seguiu em direção a porta, parou quando “Sangue suga” o agarrou pelo braço.
-Zinho, vamos embora, por favor, eu estou com medo.
-Medo do que? Cala a boca, não precisa vir seu bosta, fica aí.
-É seu bosta fica aí! HAHAHA, bosta,HAHAHA. Disse a voz aguda do vagão.
Zinho sorriu pelo tom da voz e lentamente efetuou a abertura da porta.
Dentro havia somente dois sofás, um de cada lado, e uma velha cadeira de balanço no meio, os sofás estavam repletos de crianças, algumas choravam, outras olhavam para a porta com olhar vazio e inexpressivo. No centro, desocupada, a cadeira de balanço balançava em movimentos sincrônicos.
- Olha quanto dinheiro, olha Antonio, olha.
“Sangue suga” não entendia, pois não vira nada, a não ser dois sofás empoeirados no chão repleto de folhas secas e poças de água, ao centro havia uma velha cadeira quebrada. Por não ver ninguém assustou-se ainda mais, quis correr, ele ouvira a voz, tinha que haver alguém lá, mas não havia, suas pernas tentaram uma fuga, mas, Zinho estava lá e pararam.
Olhou para a nota de dez na mão de Zinho, não era mais dinheiro, mas sim uma folha seca repleta de insetos.
- Zinho, Zinho o dinheiro, olhe, o dinheiro.
Este já com os dois pés dentro do vagão, volveu seus olhos que brilhavam de ganância para o dinheiro, foi então que o medo lhe tomou. Não havia nada além de insetos que tornavam sua mão escura como a noite, começou a abanar a mão desesperadamente para que os insetos caíssem, ao mesmo tempo tentou descer, quando uma luva branca o agarrou pelo ombro.
-Não HAHA amiguinho, entrou tem que ficar HAHA, tem que ficar.
O choro infantil tornou-se alto e agudo dentro do vagão, agora era mais um grito de murmúrio do que simples choramingar. Zinho tentou fugir, “Sangue suga” agarrou-lhe a mão.
-O ó o bosta quer vir também HAHA, o que honra SR BOSTA!!
Neste instante “sangue suga” pode ver por de traz do irmão a face que eu jamais esquecerei, com o susto soltou o braço de Zinho, um grande grito se seguiu encobrindo o choro das crianças. Zinho fora puxado para dentro, a porta se fechara, juntamente silenciava o murmúrio das crianças.
Com o barulho os integrantes do circo que voltavam do ensaio, correram em direção ao vagão, encontraram encolhido e tremendo o jovem “Sangue Suga”, após algum tempo este contou-lhes sobre seu irmão.
Com certa dificuldade os homens conseguiram abrir a porta do vagão e lá estava Zinho, caído sobre varias caixas, os olhos estavam extremamente abertos, inexpressivamente fixos no nada.
O médico, a polícia e os bombeiros foram chamados, “Sangue Suga” contou-lhes o ocorrido, mas não acreditaram, a história perdeu mais seu pouco valor quando encontraram o relógio do maquinista no bolso de Zinho.
Zinho fora levado a uma cidade próxima, onde constataram posteriormente, um grande acidente vascular cerebral (derrame). Ele com certeza não poderá mais roubar, nem bater em ninguém, ficou completamente catatônico, direcionado a viver em um hospital psiquiátrico pelo resto da vida.
A policia fez seu trabalho, interrogou o palhaço e alguns integrantes do circo, estes, afirmavam um belo álibi; o palhaço esteve com eles durante todo o ensaio e ainda sendo muito prestativo no socorro ao jovem Antônio.
Contaram que o velho vagão servia para carregar as tralhas não mais utilizáveis, portanto era pouco utilizado. O policial pode ver que o vagão estava lotado de caixas velhas e roupas inutilizadas, estava lotado, quase não se podia andar dentro dele.
Realmente o palhaço fora muito prestativo com “Sangue suga”, fora o primeiro a dirigir-se ao garoto, pediu água com açúcar, fez-lhe carinho nos cabelos e em um momento de distração do pessoal do circo com a chegada da polícia, sussurrou-lhe no ouvido.
-Não quer entrar agora? Hã? Amiguinho bosta.
“Sangue suga” desmaiou.