O PALHAÇO
O palhaço.
Observação: Esta é uma trilogia baseada em fatos relatados por parentes próximos. Nomes e referências foram alterados pelo fator privativo.
A cada dois dias serão editados os próximos capítulos.
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O palhaço.
Após um tumultuado jantar, aqui estou, no escuro sozinho frente à TV desligada. Meus filhos choram no andar de cima numa birra interminável, com certeza pelo resto da semana vão me odiar; minha esposa, bem, digamos que ela seja protetora demais e também esta irritada comigo, mas isto não é uma novidade, de certo não para mim. Não desejava que fosse assim, mas o mundo não permite escolha à suas imposições, ele decreta e fim, não há palavras, ações ou anseios que modifiquem suas decisões, infelizmente não há.
Todo este problema iniciou-se pelo desejo infantil dos meus filhos de irem ao circo, não que seja um desejo desqualificado, pelo contrário, na teoria julga-se um desejo adequado, aceitável e até belo, mas a teoria às vezes confronta-se com a prática e a experiência que podem ser boas, ruins ou (no meu caso) infinitamente amedrontadoras e inesquecíveis.
No circo (Na vida) há coisas que não deveriam ser vistas, mas por imposição do mundo, do destino os são, e, para os infelizes que as vivenciam, tornam-se maldições irreparáveis, pesadelos infindos, assim, a cada dia uma loucura vindoura. Contarei a vocês agora o que o mundo me mostrou, e o motivo dos meus pesadelos diários.
Tudo ocorreu na pequena cidade onde nasci e cresci chamada Martinópolis, muitos leitores devem conhecê-la, cidade pequena do oeste paulista, muita criação de gado, roça, etc. Era Março de 1952 quando “pequeno” meu melhor amigo me surpreendeu aos gritos no trilho do trem onde, eu, treinava pontaria com meu velho estilingue.
-Vanderlei, O cir, o cir... O circo chegou na estação.
Não entendi no inicio, mas após algum tempo “pequeno” conseguiu explicar que o circo acabara de chegar à estação de trem e a cidade inteira estava lá. Não demorou estávamos lá também, eu o “pequeno” e toda a cidade exaltados e apreensivos para ver o circo, na verdade, eu nem imaginava o que fosse um circo, só ouvira comentários escassos do meu pai “ Um bando de gente retardada, que se pinta e faz graça para ganhar dinheiro, e ainda, judiam dos animais”, meu pai poderia ter sido um dos primeiros ativistas ambientais se o mundo lhe houvesse dado alguma oportunidade, tragicamente o “se” modifica vidas.
Não pude ver quase nada naquele dia, somente os vagões do circo, todos enfeitados com pinturas de animais, cartazes com colorido excessivo e caricaturas gigantescas, com exceção do ultimo vagão, este possuía uma madeira amarelada e velha, as manchas e musgos determinavam as numerosas chuvas qual o vagão já passara, pequenas janelas empoeiradas cerradas por uma cortina de linho vermelho, deterioravam ainda mais o vislumbrar do vagão.
As portas dos vagões abriram, prontamente, um grito extasiado da população invadiu a estação, os integrantes do circo se apresentaram com pequeno show e comunicaram o tempo de sua permanência ”Há,Há chegamos na segunda. Partimos na segunda, aproveitem” .
Todos os vagões se apresentaram, com exceção do ultimo vagão, o amarelado vagão de cortinas aveludadas. Às vezes a pequena cortina abria-se, e, entre o empoeirado vidro via-se deformada mente algumas crianças que inexpressivamente observavam a multidão.
O Circo partiria na segunda, tínhamos portanto seis dias de espetáculo, seis dias para eu e “pequeno” conseguirmos o dinheiro das entradas, não fora fácil, trabalhei dobrado com meu pai na colheita de algodão, assim no domingo possuía, graças à farta colheita, o valor de duas entradas. “Pequeno” já não teve tanta sorte, seu pai estava doente, e toda sua economia fora reivindicada pela família, contudo paguei-lhe a entrada com um empréstimo e domingo no ultimo dia de espetáculo estávamos lá na suja arquibancada do circo.
Hoje, como desejaria não ter ido.
Continua.
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