QUANDO VOZES NOS CHAMAM...
O caminho parecia mais longo que de costume, os imensos eucaliptos, eram como sombras gigantescas a olhá-lo a defini-lo a condená-lo.
Pareciam ler seus pensamentos, descobrir seus medos, saber do seu passado.
Desde que se foi a 8 anos sua esposa, vivia naquelas terras, longe da cidade, longe das pessoas, recluso, sozinho com seus fantasmas.
Vez por outra dirigia-se até a cidade, pela estrada, cercada de eucaliptos que foram plantados a muitos anos quando ainda era pequeno, conhecia-os um a um.
Todos o conheciam, cumprimentavam-o, era aparentemente normal.
Mas sózinho em sua humilde casa, só tinha a companhia dos pássaros, da solidão e dos velhos eucaliptos.
A noite, as vezes saía para andar e ouvir as vozes...
Nas madrugadas, palavras em agudo tom, passeavam entre as árvores e chegavam-lhe aos ouvidos, as vezes em estranhas lamúrias, outras vezes em estranhos chamados.
Estava acostumado, desde que a esposa morreu ouvia tais vozes a chamá-lo, a lhe pedir alguma coisa.
Nunca definiu bem o que seria, e tudo sumia com o amanhecer.
8 anos...resquícios de tudo que era dela estava no quarto ainda, fechado desde aquela despedida.
Era uma tarde de verão quando começaram os sintomas....Fortes dores de cabeça, e depois a total entrega
ao desanimo da fatalidade.
Depressão, tédio e por fim numa escura noite...a morte.
Fizera tudo que pudera.
Do aparecimento do sintoma até a morte, seguiram-se 28 dias.
Era preciso acabar com aquele sofrimento...Só ele poderia....Então tomou uma decisão.
Faria aquilo por sua esposa.
Acordou cedo pegou sua bicicleta e rumou até a cidade...
Retornou antes do almoço, as onze horas.
Retirou da velha sacola alguns víveres, alimentos para as galinhas e a seringa...
Esperou a noite chegar e dirigiu-se até o quarto da inconsciente mulher e começou o sacrifício.
Ergueu um braço introduziu a agulha, inflou a seringa de ar e despejou-lhe na veia, uma...duas...tres vezes.
Um longo suspiro e o fim....Que Deus a receba, murmurou.
Lera em antigos livros que abreviavam o sofrimento das pessoas, perfurando suas veias, introduziam pequenos canudos e sopravam para lhes causar parada cardíaca, então teve a idéia.
Na manhã seguinte, pegou o corpo e levou até a cidade para o legista constatar a morte por parada cardíaca.
O desnortear de tantos anos estava enlouquecendo-o...e aquelas vozes.
Mais uma noite... novamente o suplício...
Voltou para casa, revirou num velho bornal pendurado na parede e pegou a chave do quarto...
A seringa com a agulha ja enferrujada pelo tempo estava sobre a cama...
Arrumou um travesseiro ao lado do outro....Sentou na cama...
Colocou levemente a velha agulha sobre uma grossa veia e introduziu-a... Inflou a seringa, e uma, duas, tres vezes, inundou de ar a corrente sanguinea.
Deitou...imaginando sua esposa ao lado.
Uma imensa luz surgiu em frente aos seus olhos, a esposa de braços abertos o esperava...