O elevador
- Tom, cadê o Gui?
Tom, já guardando as ferramentas na maleta e cansado até as raízes dos cabelos, sem se virar, responde:
- Sei lá. Já deve ter ido embora. Também, olha a hora. Desgraça de trabalho duro!
- Hã. Que coisa, nem vi ele ir. Achei que fosse conosco, de carona. Será que ele não 'tá no banheiro?
Marc admirava o trabalho que haviam feito. Fora difícil acertar a fiação do sistema do elevador, mas ele achava que ficara bom.Tinha de ter ficado. Era enorme. Uma coisa desse tamanho, cheia de gente, não poderia dar o azar de encrencar.
- Ficou jóia, hein?- comentou Tom, em pé ao lado, também olhando orgulhoso.
- Bom, só vamos saber se testarmos, não?
Tom concordou com a cabeça.
- Mas, por fora, ele parece muito bem.Quanto o dono do hotel deve ter desembolsado para arranjar essas portas, hein?
As portas eram de aço matizado com prata e chumbo, cinzelado com arabescos, que tomavam a metade inferior de cada folha.
- Nada.- informou Tom.
- Hã?- Marc olhava-o de olhos arregalados.
- Não gastou nem um centavo. Já estavam aí. O pessoal da limpeza e os zeladores é que deram um tapa antes de chamarem a gente.
Marc parecia não estar acreditando. Quem diria, uma beleza dessas esquecida num hotel abandonado há anos.
- Sabe se o gerente vai desativar um dos outros?-quis saber.
- Acho que não. Ouvi dizer que esse é um reforço. Tem muitos hóspedes agora. Lembra-se quando esse hotel estava caindo aos pedaços?
- Mais ou menos. Quanto tempo de abandono?
- Não sei. Acho que desde o tempo em que minha avó, que Deus a tenha, ainda vivia. Um bocado de tempo.
Os dois permaneceram em silêncio, a olhar os desenhos no metal. Um burburinho fraco envolvia o hotel, mas por ali ninguém circulava.
- Então?-Marc estava ansioso- Vamos testar ou não?
Tom pensou um pouco. Seria legal se o Gui também participasse, afinal, parte do mérito era dele. Por que o cara tinha ido embora sem avisar?
- Hum-hum. Vamos experimentar.
Marc apertou o botão verde-escuro no umbral e um segundo depois as folhas deslizaram para os lados.
O interior do elevador cheirava a lustra-móveis. Placas de mogno tinham sido fixadas ao metal e entalhadas com os mesmos motivos estranhos. O painel de controle luzia a um lado.
Tom e Marc, dois técnicos em redes, entraram no elevador e viram as portas fecharem-se a sua frente.A lâmpada no teto tinha a forma de uma tulipa invertida,mas a eles parecia o olho de um disparador de laser, do mesmo tipo do Star Gate, só que alaranjado em vez de azul.
Aquele era o térreo e Marc apertou o botão com o número oito.Suavemente, o elevador começou a subir. Olharam-se, depois de um tempo, e balançaram afirmativamente a cabeça.
- Bom.
- É. Mas...-Tom deu uma fungada- Que cheiro é esse?
Não era o cheiro de lustra-móveis. Era alcalino e pungente.
- Será que são os cabos?
- Não. Parece... churrasco mal-passado?
- Hum?
- É - Tom continuou- Talvez algum rato tenha sido pego nas laterais.
Concordaram. Duvidando.
- O que é aquilo lá?- perguntou Marc. Apontava para a lâmpada, de onde escorria uma veia marrom.
- Parece...
Tom ia dizer óleo, mas enquanto olhava para cima, a veia engrossou, formou uma gota e caiu no seu olho. Ele limpou com o dedo e viu que não era óleo. Era sangue fresco.
Tom e Marc miraram o teto do elevador. Agora, da tulipa, pesadas gotas de sangue pingavam e um fluxo intermitente se alastrava pelas pétalas.
- O que será que...- uma chuva vermelha caía sobre eles, manchando-lhes a visão e formando trilhas pelos ombros e costas.
Tom correu até o painel, onde o número 6 piscava tranquilamente, começou a apertar o botão vermelho, repetidamente.
- Não pára!- sua voz estava esganiçada.
- TOM!
Virou-se para Marc, cujo rosto parecia em carne viva. O sangue escorria pelas bochechas e empapava os cabelos. Mas o pior era que uma viscosa e abundante cortina de sangue descia pelas laterais do elevador, deslizando sobre os arabescos, deixando ver os motivos incognoscíveis.
A nojenta vermelhidão cobria o carpete, formando um círculo, que diminuía rapidamente ao redor dos dois.
- Oh, meu Deus!
Em resposta, a lâmpada-tulipa, debaixo daquela camada, apagou-se.
Ouviram um chapinhar quando o sangue tocou-lhes os pés. Um som de algo se arrastando e, de novo, o chapinhar. Sentiram um bafo quente e, então desataram a gritar sem parar. Escorregaram no líquido e algo agarrou-os com um som raspante.
O zelador mostrava ao gerente a maleta de ferramentas.
- Estava lá dentro.- e apontou para o elevador.
O gerente passou a mão pelo cabelo. Era de manhã e já estava com dor de cabeça.
- Legal. Deixe com alguém na recepção... não, dá aqui que eu mando alguém devolver imediatamente.
Ele apanhou a maleta e dirigiu-se para sua sala. Lá, apanhou o interfone e discou um número.
- Alan, pode dizer ao pessoal que o novo elevador já está funcionando. Muito bem.