VINGANÇA

A noite exibia uma beleza peculiar, a lua cheia iluminava as ruas, as estrelas completavam o cenário, nenhuma nuvem no céu.

Aproveitando desse apelo convidativo, duas jovens apreciavam a atmosfera agradável num passeio a beira mar. A orla movimentada ocultava um terceiro personagem na trama, com especial interesse nas jovens que caminhavam despreocupadamente. Era conhecido como Thomas, e era um daqueles que caminhavam nos braços da noite e se alimentavam dos vivos.

Naquele momento estava na condição de caçador, ele poderia usar do subterfúgio da sedução, arma que é própria dos da sua espécie, mas preferia usar da boa e velha tática da emboscada, ele gostava da sensação de poder sobre as vítimas, do olhar apavorado que elas exibiam perante o inevitável destino, o cheiro do medo que exalavam, o instinto animal falando mais alto.

As moças resolveram parar no final da orla, após o último quiosque da praia, se sentaram sobre a mureta que separava a calçada das pedras cobertas de limo e crostas marítimas. Deliciavam-se com uma refrescante água de coco, ouvindo o som das ondas quebrando nas rochas. Estavam totalmente alheias à presença do caçador que as espreitava.

Thomas foi chegando cada vez mais perto, ele começava a sentir os efeitos pré-ataque, sua boca salivava, suas garras começavam a saltar nos dedos, era só finalizar a tarefa, porém algo inesperado aconteceu. Dois estranhos chegaram antes dele.

- As duas podem ir ficando quietinhas, isso é um assalto – falou um dos indivíduos que chegaram até as moças. O outro avistou Thomas.

- Hei, você! Pode ir parando por aí!

Antes que pudessem perceber, os bandidos foram surpreendidos pela ação rápida de Thomas, que pulou sobre os dois com agilidade sobrenatural. Aproveitando-se da situação, as jovens correram dali.

Os marginais caíram sobre as pedras devido ao impacto causado pelo encontro com o corpo de Thomas, que manteve a projeção, caindo junto com os dois. As garras do caçador rasgaram sem piedade o abdome de um, e o peito do outro, cortes profundos surgiram deste ataque.

Em seguida, um dos marginais teve seu pescoço quebrado pela mão poderosa do agressor, enquanto o outro teve o seu perfurado pelo dentes afiados de Thomas. Este preferia, sempre, o sangue de jovens garotas, mas a situação não lhe deu escolha. Sugou até a última gota do marginal. Jogou os dois corpos dentro dágua, o mais longe que pôde, urrou com a boca manchada de vermelho e os olhos brilhando em amarelo, como fogo, ficou assim por uns instantes e, aos poucos, foi voltando ao normal, saltou até a mureta e tomou o caminho de volta. No percurso encontrou as duas moças que correram ao seu encontro.

- O senhor está bem, moço? – perguntou uma delas.

- Obrigada pela ajuda, não sei o que seria de nós se o senhor não tivesse aparecido.

- Não foi nada... – falou o caçador, de forma contrariada e sem nem ao menos parar e olhar para as garotas. Seguiu com passos apressados, sua caçada fora frustrada por dois idiotas, não teria graça para ele atacar aquelas jovens, elas vieram ao seu encontro, ora bolas, que espécie de caça vai até o caçador?

Pelo menos aqueles caras tiveram o que mereceram, quem mandou aparecerem assim, sem um chamado? Pensou ele. Farejou o ar. Animou-se.

Seus olhos treinados avistaram uma nova vítima em potencial. Uma garota, quase uma criança, andando só, um convite para seus instintos.

Caminhou por entre as sombras do parque que se localizava num elevado de frente para a praia. A menina nada percebia. Thomas contornou o banco de concreto e saltou sobre ela, jogando-a ao chão.

O caçador estranhou o fato dos olhos castanhos da garota não demonstrarem medo, mas ainda assim, não se deteve, afastou os cabelos da menina, a fim de apreciar a pele tenra de seu pescoço.

Cravou os dentes e puxou com vontade o sangue jovem. Sentiu a força correr pelo seu corpo morto, como era saboroso o sangue feminino, bem diferente do que sorvera do marginal.

Ardência. Sua garganta queimava, largou a menina, levantou-se, olhou para ela. Um sorriso brotava no rosto infantil, enquanto a ferida em seu pescoço cicatrizava. Como era doce o sabor da vingança.

O caçador sufocava, sua pele ressecava.

- Não me reconhece, Thomas? Ah, claro que não, quando saí da barriga de minha mãe, você me devolveu ao meu pai, como pagamento por tê-la tirado de nós, não é?

Thomas se contorcia, caninos à mostra.

- Você me julgou como humana não foi? Sinto em te dizer que sou mais do que isso. Eu sou aquela que trará o fim aos imortais.

O caçador estava esparramado no chão, já não sentia o poder dos séculos em seu corpo, se sentia tão indefeso, tão...humano.

- Sim, Thomas, passei os doze anos de minha vida, de forma inerte. Trazendo sofrimento para o meu pai, você se lembra dele?

Emerson apareceu, carregava uma arma em uma das mãos.

- Chegou a hora do troco, maldito – disse o consternado homem ao ser caído – você vai pagar com a vida por tudo que fez à minha família.

Mas, antes que pudesse efetuar o disparo que selaria a vida de Thomas, uma mulher surgiu diante dele. Cabelos e olhos castanhos, exatamente como eram doze anos atrás, sem uma nova ruga.

- Mãe?!? Saia da frente mãe, deixe o meu pai acabar com o infeliz.

- Não, Michelle. Não posso. Somos iguais agora. Não posso permitir isso.

- Não tema, mãe. Meu sangue pode curá-la, vamos, beba – a menina oferecia-lhe os pulsos.

- Não, minha filha. Não devo retroceder agora. Eu a acordei para que você pudesse trazer maior conforto para a vida de seu pai.

Emerson olhou para a esposa com os olhos úmidos.

- Rafaela. Que saudade. Volte para nossa vida, agora que a nossa filha acordou, tudo será diferente.

A mulher da noite se aproximou, seu toque era frio como a morte.

- Nosso tempo já passou.

O rosto do homem se contorceu.

- Então vou acabar com a raça dele, de qualquer forma.

Apontou a arma para Thomas e disparou, um tiro certeiro e fatal na testa. O caçador encontrara seu fim.

- Nããããããããoooooooo!!!!!! – Gritou a mulher, fazendo crescer as garras e com um único golpe arrancou o coração do marido.

Michelle se desesperou, soltou a voz num grito que parecia ter origem em sua alma.

- O que foi que eu fiz?!? – Perguntava a mulher a si mesma, sem obter resposta.

Olhava para o rosto triste da filha, lágrimas surgiram nos olhos, que eram tão semelhantes aos dela.

A menina emudeceu.

- Michelle – disse Rafaela – me mate, crave um estaca em meu coração e acabe com o meu martírio.

Nenhuma palavra saiu da boca da menina. A mulher sabia que ela não satisfaria o seu desejo. Tomada por um impulso irresistível, Rafaela saltou sobre a filha, e cravou os dentes em seu pescoço, sorveu o sangue que lhe devolveria a humanidade perdida.

Soltou a garota, que foi ao chão.

Percebendo a rápida transformação no corpo da mãe, Michelle, por um instante, imaginou a nova fase de sua vida, que passaria ao lado dela, mas desta vez sem o pai.

Rafaela caiu de joelhos no chão, girou a cabeça, achou o que procurava, posicionou o cano na cabeça e apertou o gatilho.

Desta vez Michelle não conseguiu gritar, já não tinha forças. Levantou-se, olhou para o trio sem vida, suspirou e abandonou o local.

Era tão nova, e já sofrera tanto. Enquanto caminhava, pensamentos tomavam sua mente, desta vez não eram canções, imaginava o preço que se paga em algumas vinganças.

* Para maior entendimento, leia também, "Uma canção para Michelle", um abraço,

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 22/03/2009
Reeditado em 04/11/2009
Código do texto: T1500392
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