CONTOS RAIVOSOS 3. SUICÍDIO?
Foi Nepomuceno que mo disse:
—X (deu-me o nome, mas prefiro calá-lo) anda muito atrapalhado... Não sei se acabará mal.
—É por causa do acontecido o primeiro de março?
Perguntei preguiçoso sem esperar resposta certa. Mas houve:
—Sem dúvida.
—Mas...
Esclareceu-me Nepomuceno:
—X esperava muito desse dia.
—Mas foi um dia qualquer. Que tinha de extraordinário para X?
—Não sei. Talvez, como acontece com frequência, X pusesse toda a carne na brasa para conseguir não sei quê.
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Passaram uns dias, poucos, quando volvi a ver-me com Nepomuceno:
—Sabes? X disse-me que não aguentava mais, que um dia destes, quando mais descuidados sejamos, se suicidará. Precisa dar fim a tanta angústia.
Não fui capaz de corresponder. Fiquei calado. Eu conhecia X; não muito, mas estimava-o. Sabia que tinha boas amizades com o Sul e que confiava nelas, apesar da frialdade que por vezes lhe amostravam. Ele também era frio por vezes, e sentimental, e afetuoso, e sincero... Um pouco retranqueiro também era... Era? É. Ainda é...
Porque o conhecia, o anúncio do seu suicídio petou-me no coração. E calei; fiquei perplexo...
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—X...
—Já se suicidou?
—Não, ainda não. E duvido que chegue.
—Como?
Nepomuceno dirigiu-me propositadamente um dos seus acenos característicos e satisfez a minha curiosidade:
—X não se suicidou. Conversamos extensamente ontem, mesmo ontem. Vi-o sereno, tranquilo e até esperançado. Explicou-me: "Caro Nepomuceno, pensava suicidar-me; não via objetivo na vida; temia que o mundo caísse sobre mim. Tudo está acabado, pensava. Mas matinei um pouco, refleti como meia hora, depois da nossa última conversa, e repeti-me: Para se suicidar, o homem precisa carecer de sentido; mas eu ainda o tenho, esmorescente, mas tenho. Portanto, esperarei a perder definitivamente o sentido da vida e então me suicidarei."
Respirei não sei se satisfeito ou simplesmente descontraído: Descobri em X a boa pessoa, a boa gente que são a maioria dos galegos. Nunca se suicidará; talvez, como muito, se deixe suprimir lentamente... Contudo, também nisso não ando muito certo. Quem conhece os pensares dos galegos? Afora deles, quase nenhum... São estirpe antiga, de séculos e séculos, e aí estão, continuam, persistem, como bímbio versátil contra o vento...