GUERRA PELO SANGUE

Se havia uma coisa que era unanimidade no submundo, eram os parasitas, sem sombra de dúvidas. Inimigos dos desgarrados ( dependentes do sangue que não se curvavam ao reino ), e odiados pelos súditos da Rainha dos Imortais. Se os humanos tivessem consciência da existência deles, também os detestariam. Estranhamente, a maldição que afeta os andarilhos noturnos, agia de forma diferente neles. Quando expostos ao poder do sangue negro, existem mortais que não resistem, nem ao menos chegam a se converter, e perecem mediante ao confronto em seu organismo. Nos poucos que resistem, a maior parte apresenta uma configuração mais clássica, com pouca ou nenhuma modificação física aparente, enquanto querem, e possuem um alto poder atrativo e dominador sobre as demais espécies. Mas existe também uma parcela, menor ainda, que se modifica bastante após a conversão. Bastante mesmo, adquirem características repulsivas, até mesmo para os seus irmãos de sangue. Os instintos ficam mais aflorados, mais do que nos andarilhos noturnos clássicos, a força bruta também é maior, e a aparência é terrível, talvez a origem para os filmes em que tais criaturas são quase monstros, tenha surgido desta forma.

A característica principal dos parasitas certamente é a de que ao contrário de seus co-irmãos, eles não se alimentam do sangue humano. Na verdade, eles têm uma profunda rejeição a ele, e daí surge o seu maior problema, eles caçam os malditos tradicionais a fim de se alimentarem dele. Obviamente, enfrentam muitos problemas para isso, e uma verdadeira guerra é travada entre as espécies. Diferentemente dos outros, os parasitas não possuem clã, nem uma organização muito definida, reúnem-se em bandos com interesses em comum, mas sem nenhum compromisso.

Neste momento, uma dupla de parasitas, irmãos gêmeos, conhecidos apenas como Hayra e Henry perseguem um súdito da Rainha por uma estrada quase deserta, que segue paralela às instalações da Força Aérea Brasileira. Os gêmeos eram rápidos e fortes, mas o soldado da Rainha não ficava muito atrás. Diego, o soldado, não era um antigo na vida da escuridão, mas também não era um novato, venderia caro o seu sangue. Os poucos motoristas que trafegavam àquela hora da madrugada não percebiam o que estava acontecendo. Os mais atentos poderiam perceber apenas alguns borrões causados pela movimentação fantástica daqueles seres da noite.

Usando uma árvore como trampolim, o soldado saltou pelo muro do quartel, no intuito de que algum barulho ali pudesse chamar a atenção, e evitar o seu fim. Caiu intencionalmente de costas no chão, esperando a dupla de perseguidores também saltar os limites da instituição. Já apontando a submetralhadora para o céu, Diego iniciou os disparos tão logo visualizou os gêmeos. A maioria acertou os parasitas em pleno ar, jogando-os de encontro ao muro. Tiros e mais tiros foram efetuados contra eles. O soldado do Reino pôs-se de pé, recarregando a arma e correndo, os poucos militares de plantão correram para o local. Os irmãos eram resistentes, mesmo feridos se levantaram, eram medonhos, orelhas pontudas, todos os dentes pontiagudos, os caninos em especial, eram maiores do que o comum. Henry não possuía nenhum fio de cabelo na cabeça, era enorme, mais de dois metros de altura, sua irmã, Hayra, possuía os cabelos desgrenhados, era um pouco mais baixa, mas igualmente terrível.

Já ficando sem munição, Diego colocou o último pente na arma, e seguiu com a investida. Um militar que estava na guarita mais próxima, não sabia o que fazer, pois os invasores atacavam-se mutuamente, ignorando por completo o local onde estavam, e não dando a mínima importância para os outros militares que se aproximavam, alguns apenas de shorts e camisetas, visto que acordaram repentinamente com os disparos e a confusão armada. De pistola em punho, o militar de patente mais alta ali, um tenente, deu ordens para que se rendessem, no que não foi atendido. Contrariado, o militar ordenou o ataque aos três invasores, os parasitas, por estarem mais próximos, foram os mais atingidos pelo ataque dos soldados da aeronáutica, o que deu brecha para uma tentativa de fuga de Diego.

Usando de sua velocidade, o soldado do Reino ocultou-se em um armazém localizado uns cem metros adiante. Fora perseguido por um dos militares, seu nome era Guerra, da polícia aeronáutica. Os gêmeos perceberam a ação do inimigo, numa rápida e eficiente investida, tiraram os militares do combate. Os tiros cessaram. Correram, então, ao encalço do fugitivo.

Dentro do galpão estava um completo breu, o que não impediu Guerra de entrar atrás do invasor. O militar, segurando uma pistola, entrou cuidadosamente no local, suava, estava tenso, mas não com medo. Não enxergava nada a um palmo de distância, não sabia onde estavam os interruptores, se é que havia algum. Acostumando-se vagarosamente com a escuridão, notou um pouco acima e à frente de onde estava, dois pontos azulados faiscando, como a cor do fogo de um maçarico. Antes que pudesse formar uma opinião a respeito do que seria, viu os pontos agigantarem-se em sua direção. Fora jogado ao chão, perdendo a arma e sentindo seu pescoço ser perfurado. O sangue do soldado fluía através da garganta de Diego, que ao contrario de como costumava agir, largou a vítima e disse:

- Mortal, ouça bem o que direi, pois não vou repetir. Do jeito que está você morrerá em breve. Sua única salvação é aceitar a minha oferta e tornar-se um igual a mim. Beba do meu sangue e converta-se agora - ofereceu o pulso aberto ao moribundo militar, que não conseguia raciocinar direito, dada à circunstância, e meio que por instinto, tomou o braço do estranho e sorveu do líquido que escorria.

- Agora você se transformará, saia daqui, esconda-se, a memória contida no meu sangue, e que agora percorre o seu corpo, te informará e ensinará. Se eu não escapar daqui hoje, honre o nosso clã, vingue minha morte e lute por nossa Rainha. Agora vá!

Guerra sentindo-se tonto, desnorteado, via tudo embaçado, mas percebeu claramente o braço do estranho cicatrizar instantaneamente do corte profundo, e entendeu também que deveria sair dali, e assim o fez, usando uma porta nos fundos do armazém para isso. Pouco depois os parasitas chegaram.

- Não adianta se esconder lacaio da Rainha, sua hora chegou – disse a mulher, de forma debochada.

Os olhos dos gêmeos luziam em vários tons diferentes, hora eram vermelhos, hora azuis, e ainda amarelos e verdes, faiscando e mesclando as tonalidades, acendendo o ambiente. Depararam-se com os pontos azuis vistos anteriormente pelo militar da aeronáutica.

- Venham me pegar ao invés de ficarem falando – disse de forma desafiadora o súdito real, reiniciando os disparos, usando as últimas balas para isso. O resultado não fora satisfatório, já era esperado, partiu para o corpo a corpo, sacou duas espadas curtas e saltou sobre os inimigos.

A medida utilizada por Diego pegou os parasitas de surpresa, as espadas foram cravadas e imediatamente retiradas dos tórax dos oponentes, que caíram gritando de dor. O soldado do Reino, com um salto mortal, caiu de pé, pronto para uma nova investida.

- Agora eu acabo com você – gritou o brutamontes, erguendo o corpo de forma sobrenatural, e desferindo um soco direto no maxilar de Diego, que cambaleou, mas não caiu, era de fato muito resistente.

Hayra, enraivecida, girava furiosamente as poderosas garras, acertando as lâminas de Diego que se defendia como era possível, mas era atingido também. Vários rasgos eram abertos no peito do soldado, e vários cortes também eram abertos nos braços, ombros, rosto e peito da parasita, causados pelas lâminas afiadas do inimigo. Hayra projetava-se em direção a Diego, que por sua vez recuava. O guerreiro da Rainha sentiu um deslocamento de ar sobre sua cabeça, e repentinamente, sentiu seu pescoço ser pressionado por um braço musculoso. Diego deixou as espadas caírem no chão, e usou suas mãos para tentar se desvencilhar do ataque de Henry. Embora a falta de ar não o fizesse sufocar, pois não precisava dele, seu pescoço poderia ser quebrado, e ele não permitiria isso.

- Há, há, há, há, cadê o valentão agora? – zombava a parasita, socando violentamente o estômago de Diego. Já com suas forças se esvaindo, o soldado começou a ceder, e paralelamente, o parasita mais apertava, até que conseguiu uma brecha e cravou os dentes no pescoço de Diego.

- Deixe para mim também irmão...- falou Hayra, cravando, por sua vez, os seus no pulso do inimigo, que tentou erguer o outro braço, mas já não possuía mais força para isso, lentamente o brilho de seus olhos foi apagando-se, até que a vida deixou seu corpo, e ele encontrou seu destino final.

Sugaram até a última gota do sangue de Diego, ficando ambos plenamente satisfeitos pela energia que sentiam em seus corpos.

- Vamos Henry, coloque esse cara no ombro e vamos da o fora daqui.

- Claro, vamos.

Eles sabiam que não poderiam deixar o corpo do inimigo ali, a condição de vida deles não poderia ser exposta. Não se alimentavam do sangue humano, mas seus inimigos sim, e um colapso nesse equilíbrio seria prejudicial a todos. Foram embora.

Não notaram o vulto de um homem caído aos pés de uma árvore, seu corpo sofria com uma dor aguda. Se resistisse, logo a transformação estaria completa, e a memória do novo sangue, que correria em suas veias, faria com que a caçada aos executores de sua origem se tornasse prioridade em sua nova vida.

E a guerra só terminaria quando o véu da morte cobrisse um dos lados.

Os olhos do soldado brilharam em azul, e acenderam a escuridão.

Will Willians
Enviado por Will Willians em 21/03/2009
Código do texto: T1498611
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