O Circo

-Senhoras e senhores, preparem-se para o incrível espetáculo que vai começar – Bradava o homem baixo e gorducho, trajado em extravagantes roupas feitas em cetim negro. Anunciou as atrações da noite a plenos pulmões enquanto suas mãos roliças dançavam em volta de seu rosto ligeiramente avermelhado e tentava, então, se equilibrar sobre um pequeno barril colorido, postado no centro do picadeiro.

Seria uma cena cômica se fossemos levar em consideração a clara semelhança entre o homem e o barril, porém um tenso sentimento de expectativa pairava sobre a platéia, enquanto escutavam com toda atenção o que ele dizia com seu falso e calculado entusiasmo para tentar causar algum impacto no público, que era o mesmo de todos os anos.

- Preciso de um voluntário para o número principal, que será uma surpresa da qual jamais irão esquecer. Apenas um voluntário, por favor, senhoras, não discutam.

Um burburinho percorreu a platéia quando duas mulheres insistiram que seus filhos deveriam servir de ajudantes na apresentação principal da noite.

- Meu filho levantou-se primeiro, logo, é direito dele poder participar.

A outra mulher preferiu não insistir e voltou para o assento, arrastando um menino contrariado pela mão e o

vendedor de amendoins percebeu ali uma deixa para anunciar seus produtos, interrompendo o silêncio desconfortável. E o espetáculo transcorreu sem maiores aborrecimentos... uma mocinha de feições simplórias atravessou todo o comprimento do picadeiro sobre uma corda, deixando as crianças mais novas boquiabertas ou arrancando-lhes gritinhos. Um infeliz urso “dançou” dentro de uma gasta saia que pretensiosamente se aparentava com um tutu de bailarina e o leão resistiu bravamente à tentação de cerrar os dentes sobre o pescoço de seu tratador.

E o menino, que se sentia tão exultante como se fosse novamente natal ou seu aniversário, foi convidado a começar sua participação nos bastidores. Sua mãe, que antes havia enfrentado outra pessoa para dar-lhe este privilégio, hesitou sem saber exatamente o por que mas por fim, cedeu à animação da criança, que correu para o picadeiro e foi conduzido pelo palhaço para além da lona.

Vários minutos se passaram e logo, quase uma hora assistindo a números bobos para a maioria dos adultos - o que parecia tornar a espera mais longa. Ela, a mãe, estava ansiosa e roía suas unhas bem pintadas enquanto assistia as crianças puxarem a barba de uma mulher esquisita. Não conseguia prestar a mínima atenção, ocupando-se a imaginar o que seu filho estaria fazendo, quando finalmente foi anunciada a atração principal. Três homens adentraram o picadeiro arrastando uma enorme gaiola de ferro e a nervosa mulher pôde ouvir o apresentador dizer que dentro daquela gaiola não se tratava de um homem mas sim de uma fera, um legítimo canibal capturado em algum ponto das florestas da América do Sul. Desnorteada, percorreu todo o picadeiro com os olhos e a última coisa que distinguiu antes de desmaiar foi o rosto daquele homem, coberto de sangue, e preso entre suas mãos, um pedaço de tecido azul estranhamente familiar.

Delirium
Enviado por Delirium em 15/03/2009
Reeditado em 06/11/2009
Código do texto: T1487952
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