O Vulto


          Adriana dirigia descontrolada, estava nervosa, raivosa com o namorado que faltara a mais um encontro sem maiores explicações e havia desligado o celular para não ser incomodado.

          Pisava fundo no acelarador e fazia o carro voar na pista vazia que parecia estar à disposição dela. Mal viasualizava a lateral da pista sem acostamento com o mato alto. Suava, chorava e queria mais marchas para poder acelerar mais e mais.

          De repente passa num buraco e quase perde a direção, trazendo no braço o carro de volta para a sua mão. Com o susto deixou um pouco a raiva de lado e passa a prestar mais atenção a sua volta e se dá conta de que não sabe onde está, é uma pista totalmente
desconhecida, a escuridão é total e nenhum carro passa por ela.

          Voltando a si, não consegue mais acelerar como antes, ela não é uma pessoa insensata e desprovida de inteligência, jamais havia colocado a vida dos outros e a própria em risco
. Agora se arrepende amargamente disso, mas também começa a sentir um medo incontrolável do local sem placas de localização, do mato alto deixando-a totalmente sem visão do que tem além da longa pista. Não vê uma luzinha de casa de moradores rurais, apenas vê um céu estrelado.

          As mãos não encaixam mais as marchas no lugar certo, o carro reclama, dá trancos, e o nervosismo dela aumenta. Agora chora de medo.

          De repente sente o tranco e o barulho da roda ralando na pista. "Não! Furou o pneu!". Disse pra si mesma.     
          
          Com dificuldade e contra a sua vontade vai parando. A indecisão paira no ar. Não sabe se faz como aprendeu parando o carro de forma a lhe dar proteção no caso de alguém bater nele, e para isso precisa encostar no mato pois o pneu furado é o traseiro direito, ou se para no meio da pista para evitar ficar junto do mato aterrorizante.

          Decidiu parar no meio da pista, não teve coragem de ficar próxima do mato escuro, e com farfalhar assustador. Andou longos passos e colocou o triângulo bem distante de onde estava, mas a frente ficou desprotegida sem sinalização alguma.

          Praguejou por nunca ter querido saber como proceder para se trocar um pneu, pois quem fazia sempre era o namorado Mauro. Mesmo assim tentou tirando a caixa de ferramentas e usando tudo o que acreditou servir para o momento.
          
          Parou assustada, podia jurar que ouviu um caminhar mais intenso do que o farfalhar entre o mato bem próximo dela. Olhou para a escuridão, pois nem lanterna tinha para tentar visualizar o que ali estava. Sentiu um arrepio de medo percorrer-lhe a espinha, a mão tremia, estava quase imóvel quando algo saiu do mato na frente do carro e correu atravessando a pista entrando do outro lado. Foi muito rápido, mais rápido do que qualquer humano ou animal pudesse correr. As ferramentas que segurava foram soltas sem ela perceber tilintando na pista.

          Naquele momento pediu à Deus que passasse alguém, algum carro que pudesse acudí-la.

          O barulho continuou do outro lado. Chorando abriu a porta do carro e deciciu que sairia dali nem que fosse apenas com a roda no chão. Trancou ligeira as portas e tentou dar partida, para seu desespero o carro não ligava, nem sinal de vida no motor. Despencou num choro desabalado socando o volante do carro.

          De repente sente uma pancada lateral, uma pancada de aviso. Descabelada, quase enlouquecida se revira tentando enxergar algo ou alguém. Os cabelos grudam no rosto, nas lágrimas, entram na boca. A maquiagem escorre, o coração palpita acelerado. Adriana agarra sua enorme bolsa e com olhar estalado tenta enxergar além, até onde o farol consegue iluminar, mas não vê nada, além de uma pista sem fim. Alguns minutos se passam e não se ouve mais nada, tentando se concentrar no que fazer ela decide que vai sair correndo.

          As pernas não obedecem, estão fracas e trêmulas, o scarpin tem um salto alto, ela vai ter que correr à pé. Joga os sapatos e abre devagar a porta do carro. Coloca a ponta dos pés bem devagar no asfalto e vai saindo tremendo e atenta a qualquer barulho ou ataque. 

          Dá um... dois... três passos e começa a correr desesperada. Tem a sensação de que algo corre pelo mato do seu lado esquerdo afoga-se nas lágrimas, começa a rezar.

          O barulho para. Mas o farol do carro que ficou a alguns metros atrás começa a piscar.

          Ela paraliza de costas no meio da pista e só vê o reflexo do farol na pista fraquejar, se apagar e voltar a acender num ritmo totalmente fora do comum. Sente vontade de olhar para trás, mas não tem forças e não comanda mais o corpo. Com esforço vira devagar o pescoço e o farol alto se acende deixando à mostra um grande vulto negro de forma indefinida, não sabia precisar se era um homem ou uma mulher, podia dizer apenas que tinha forma humana, tinhas pernas e braços, era alto e carregava algo na mão direita que pendia no chão.

          O peito estufava com a força que ela fazia para tentar respirar. O farol piscou mais uma vez e o vulto sumiu. Piscou mais uma vez e se apagou não voltando a piscar mais. A escuridão tomou conta de tudo, apenas a lua iluminava o chão e a faixa que divisava a pista. Buscou forças para correr, mas os pés pareciam ter grudado no chão, o peito estufava numa tentativa de buscar ar para continuar a viver. Conseguiu correr e metros adiante sentiu um golpe enlaçando seu pescoço e desabou na pista soltando a bolsa e espalhando todos os seus pertences. Sentiu as costas se dilacerando nas pedras da pista, o ar já lhe faltava, e um cheiro forte indescritível lhe invadia as narinas, o farol se acendeu novamente e ela se viu sendo arrastada em direção ao carro, fez um esforço para ver quem a puxava, e se aterrorizou com a visão de um rosto disforme, não humano, parecia que a pele pendia em pedaços dilacerados.

          Ao ser visualizado enforcou-lhe com mais violência e adentrou o mato iniciando uma corrida sobrenatural, ela ouviu o farfalhar das folhas adentrando seu ouvido, com a velocidade os galhos e capim alto lhe cortavam a pele. 

          A vida foi lhe deixando segundo a segundo, até não sentir mais o ar entrar nos pulmões e a dor do sofrimento lhe abandonar.

          O carro de Adriana foi encontrado no dia seguinte.

          E o corpo jamais fora encontrado.   
 

 

Conto Selecionado para o Livro:
 Contos de Outono
Edição Especial 2009

Lançamento: Maio de 2009
                                                                                              

Anne Valentine
Enviado por Anne Valentine em 12/03/2009
Reeditado em 20/09/2009
Código do texto: T1482468
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