A DOR MORA AO NORTE
O brilho do mar estava naquela noite majestoso, refletindo todo o esplendor da lua cheia.
A maré baixa e a larga faixa de areia mostrava aquela silhueta inerte como uma ramagem em pé a beira mar.
Beliza perdera tudo, filhos, marido, vizinhos, todos desaparecidos em pouco tempo, desde que fortes estrondos foram ouvidos ao norte de onde moravam, mas uma coisa era comum ao desaparecimento de todos:
O amanhecer. Todos sairam ao amanhecer para voltar 2 horas após e ficaram no mar.
A dois meses que aquela cena se repetia, Beliza ia ao anoitecer para a praia e voltava ao amanhecer, na esperança de encontrar uma resposta para o estranho desaparecimento de todos.
Esta manhã ao largo da enseada, algo chamou sua atenção, um pedaço de madeira flutuava em direção a praia.
Um pedaço de barco, vermelho, a cor do barco de seu marido, seria uma esperança?
Pois não tinha mais esperanças de encontra-los vivos, apenas queria que de alguma maneira o mar restituisse os despojos de todos.
Após o desparecimento das pessoas, os estrondos cessaram, o que era mais estranho que ao longe dali ninguem jamais havia ouvido tais estrondos, somente eles ouviram.
Pela manhã andou pelo menos 5 kilometros em direção norte para ver se via algo.
Apenas solidão na infindáveis areias, que não eram maiores que a solidão vivida naquela comunidade desde que todos partiram.
Outra noite....outra manhã, quase o desanimo.
Faria hoje um passeio a tarde, iria mais longe.
Exatamente aos 12 km de caminhada ao norte, quando lentamente ergueu a cabeça que trazia baixada visualizou:
Era uma pequena fragata de guerra deslocando-se em direção a praia, a uns 1000 metros de onde estava.
A fragata sem desviar o rumo seguiu em direção a praia e desapareceu.
Beliza se arrepiou, seria o cansaço, estaria ela a ver miragens?
Seguiu em direção ao local em que a fragata desapareceu, e ao chegar a uns 500 metros, teve a certeza que ali havia uma entrada, como se fosse uma pequena enseada em que
a fragata aportou.
Afastou-se da praia para melhor observar aquela enseada do alto.
A uns 300 metros de altura sobre um altiplano, dois olhos fitaram o que seria um treinamento militar.
Perguntou-se, o que teria isso a ver com as mortes?
A direita de onde estava em alto mar, deslocava-se uma outra fragata em direção àquele local.
Com a aproximação viu o que a embarcação rebocava...um pequeno barco de pesca, que ao entrar na enseada, após uns 200 metros foi solto da fragata.
Na boca da enseada, barcos praticamente um ao lado do outros faziam uma barreira para
que o barco trazido não pudesse voltar ao mar, mas porque ? Perguntou-se.
A resposta não tardou....Alinhadas ao fundo da enseada, 2 fragatas manobraram e ficaram com seus obuses virados para a saida da enseada, para o barco.
Lentamente os barcos que bloqueavam a saida da enseada foram para os lados dela, deixando somente o pequeno barco na direção dos obuses.
E da maneira mais impactante ela teve todas as suas respostas.
O disparo dos navios estraçalharam a pequena embarcação, gritos de horror, e a mancha vermelha no mar não deixava dúvidas, todos os seus estavam no fundo daquelas águas.
Já tinha uma definição para tudo em sua mente, até para o ato daqueles fascinoras.
O crepúsculo da tarde viu aos passos lentos Beliza, voltar ao sul, o caminhar lento, próprio daqueles que não tem mais fé em nada, só tinha uma certeza em sua vida agora.
Neste país pobre, de gente miserável, onde guerrilheiros assombravam o governo a todo o momento, um lugar em que pegavam barcos de inocentes para treinarem suas tropas, era uma país onde sua dignidade não poderia habitar.
Amanheceu...Ao largo, o vento norte daquela manhã levava uma silhueta pousada sobre um pequeno barco rumo ao sul, rumo a paz!