Desafio Macabro- O roubo dos ossos
 
Uma da manhã.Caminhava apressada, com uma mochila nas costas e uma lanterna na mão. Agora não tinha mais volta.Era uma loucura, sabia disso, mas o sentimento que a movia era maior que seu medo.Rua deserta.Os grilos cricrilavam quebrando o silêncio sombrio.
 
O muro era baixo, pulou-o sem muita dificuldade.Seu coração batia apressadamente.Suava mais que o de costume.Respirou fundo: já estava dentro do cemitério.A lua cheia ajudava a iluminar seu caminho na procura da lápide que havia escolhido dias antes.
 
Ouviu um barulho e virou-se rapidamente, soltando um grito medonho.Os olhos do homem brilhavam como os de um gato e aquilo a deixou ainda mais perturbada:
 
-O que fazes aqui, senhora?
 
Depois de ouvir a explicação dela:

 -Sou coveiro.Sei o que tu queres, posso te ajudar.
 
Danúbia seguiu o homem que a conduziu até um túmulo abandonado.
 
-Eu te dou os ossos que precisas, mas o que eu ganho em troca? – disse o velho passando a mão nos braços dela.
 
- Posso pagar...quanto você quer? – respondeu tentando disfarçar o nojo que sentia.
 
- Não quero dinheiro, guria.Quero passar a mão nos teus peitos.
 
Ela saiu de lá carregando na mochila dois ossos humanos e as marcas das mãos sujas de terra do coveiro em seu colo.
 
Em casa, dormiu profundamente depois do banho.Havia deixado os ossos na lavanderia.
 
Assim que acordou, foi mexer na sacola de ossos.Sentiu um calafrio tomar seu corpo.Todo aquele sacrifício haveria de valer a pena.Teria o amor de Sirvan de volta, assim prometeu Madame Derly.
 
Terminada a raspagem dos ossos, misturou-os aos demais ingredientes da macabra poção e entregou tudo à feiticeira:
 
-Daqui uma semana ele a procurará!
 
No dia da suposta “volta” de Sirvan, Danúbia perfumou a casa, trocou os lençóis, encheu a geladeira de bebidas e a dispensa de comidinhas gostosas.
 
Assistia à televisão quando ouviu a campainha.Abriu a porta e Sirvan tomou-a nos braços, beijando-a e declarando seu amor eterno.
 
As roupas dele rapidamente voltaram ao guarda-roupa, em seus respectivos lugares.
 
Contudo, conforme os dias passavam, Sirvan tornava-se mais ciumento e agressivo, coisas que nunca havia sido. Implicava com todos, homens, mulheres ou crianças.Danúbia era dele e a atenção dela mais ainda.
 
A mulher começou a sentir medo do companheiro, que arrumava confusão em qualquer lugar que fosse movido pelo sentimento de posse.Ela era refém em seu próprio apartamento, pois ele a havia proibido de sair para trabalhar.
 
Um dia, após acordar de um sono intranqüilo, ela tomou um banho e ao se enxugar diante do espelho, algo completamente estranho havia acontecido em seu colo: as marcas de mãos sujas de terra deixadas pelo coveiro estavam lá, iguaizinhas, como tatuagem. A região estava dolorida.
 
Correu para o médico com Sirvan ameaçando-a, pois nenhum homem tocaria nela, ainda que fosse um profissional da saúde.
 
As dores aumentavam absurdamente com o passar de minutos. O médico assustou-se com o que viu: seu corpo estava gangrenando a olhos vistos.Ele não sabia mensurar quanto tempo de vida ela teria: talvez fossem dias, ou horas.
 
Danúbia sentiu que a morte talvez fosse a única maneira de libertar-se de Sirvan e conformou-se com seu destino: queria morrer em casa e não em um hospital.
 
Horas depois, estava morta.Sirvan, ao ver o corpo da amada sem vida, não pensou duas vezes: ela era dele, nem a morte seria capaz de afastá-la de si.Deu um tiro em sua cabeça e caiu morto ao lado de Danúbia.
 
Foram enterrados no mesmo cemitério onde Danúbia havia roubado os ossos.
 
Anos mais tarde, o fantasma do coveiro que vagava pelo cemitério, entregava a uma outra apaixonada desequilibrada alguns ossos de Danúbia, depois de amaldiçoá-la apalpando-lhe os seios.A alma de Danúbia nunca encontrou a paz: sempre atormentada pela alma de Sirvan e a sina de ter seus ossos roubados gradativamente.
 
Era assim que o coveiro-fantasma se vingava de todos que faziam com os cadáveres o mesmo que fizeram com seu corpo um dia.
 
 
(Maria Fernandes Shu – 09 de março de 2009)


 Este texto faz parte do 1º Desafio Recantista de 2009.

O tema definido desta vez foi o de Contos Macabros, contemplando textos sobre horror sobrenatural ou realista, densos e sérios ou divertidos e
leves.

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Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 09/03/2009
Código do texto: T1477672
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