Adivinha quem vai morrer amanhã?

Ele odiava aquele maldito pássaro. Chamava-o de bicho agourento. Força do mal. Filho do diabo.

Toda vez que flagrava o pássaro sobre o telhado de alguma casa, pronto, podia contar que nos próximos dias alguém daquele local morreria.

— Mas que pássaro é esse, Kalu? — perguntavam para ele.

— Eu não sei o nome dele não! Eu nunca vi esse bexiguento em livro nenhum escrito pelo homem! Já procurei e não consegui encontrar! Ele é todo preto e tem o cantar tão fúnebre que se assemelha com as noites de céu fechado quando a gente não vê nem lua e nem estrelas — respondia ele.

O gozado é que ninguém nunca tinha visto o tal pássaro. O único que vez ou outra dizia tê-lo visto era o Kalu. As pessoas achavam-no meio estranho. Alguns até tinham medo dele, diziam que ele mexia com feitiçaria. Muitos dizem tê-lo visto várias vezes na madrugada vagando pelas ruas com seu inseparável cachorro preto, que atendia pelo nome de Capeta.

Quase não conversava, e quando abria a boca era para falar sobre o tal pássaro. E, por incrível que pareça, ele nunca errava em suas previsões. Não falava direto para a pessoa, mas sempre comentava com alguém.

— Essa madrugada eu vi o agourento sobre o telhado da casa de fulano, pode contar que a gente vai ter notícia ruim nos próximos dias!

E não dava outra. Passavam-se alguns dias e morria alguém ali daquela casa, ou algum parente de alguém que morava ali.

— Caramba! Antes de ontem o Kalu comentou comigo que tinha visto o tal pássaro no telhado da casa do Moacir. Quando foi hoje cedo veio a notícia que o pai dele tinha falecido — dizia um.

— Besteira! Eu não acredito nisso não! Foi só coincidência! — falava outro.

Era sempre assim, toda vez que morria alguém, surgia a conversa de que o Kalu tinha visto o tal pássaro naquela casa. Uns acreditavam e defendiam com unhas e dentes as previsões agourentas de Kalu. Outros torciam o nariz e diziam que era tudo besteira. Nada daquilo era verdade, diziam.

— Vocês lembram quando o Betão morreu afogado? Pois o Pedrinho da gráfica disse que alguns dias antes o Kalu comentara com ele que havia visto o pássaro no telhado da casa dele!

— Eeee! Aquilo é mais mentiroso que mulher de língua descontrolada! Eu não acredito em nada que o Pedrinho fala!

As opiniões sempre se dividiam. Uns acreditavam, outros não. Só sei que o Kalu acabou se tornando quase que uma lenda viva ali no bairro. Aquelas figurinhas carimbadas que fazem parte do dia a dia do farto folclore brasileiro, cheio de lendas, magias, assombrações e personagens carismáticas iguais ao Kalu, que sempre suscitam comentários polêmicos e contraditórios.

Em uma certa manhã de outubro, o Kalu parou em frente ao bar da dona Quita e ficou ali caladão, como sempre. Perceberam que ele estava meio inquieto dando a impressão que queria falar alguma coisa.

— Fala Kalu! Parece que você está querendo nos contar algum segredo! E por falar nisso, você não viu mais o seu amigo agourento?

O Kalu não respondeu. Manteve-se calado, apenas prendendo com os olhos todos que ali estavam. O pessoal continuou a conversa e acabaram por se esquecer do Kalu. Já fazia um tempinho que estavam conversando quando foram interrompidos por ele.

— Essa noite eu vi o pássaro. O excomungado estava no telhado de uma casa aqui perto — resmungou o Kalu.

Apesar de alguns não acreditarem nele, um silêncio quase fúnebre pairou no ar, seguido de um friozinho aterrorizante que percorreu morosamente a espinha daquela meia dúzia de pessoas que conversavam ali no bar.

— De quem era a casa? — perguntou um deles.

Novamente ele se manteve calado. Suspirou profundamente, limitando-se apenas a olhar para aquelas pessoas que agora demonstravam uma mistura de incredulidade e de medo.

Virou as costas e foi embora. Por algum motivo não quis dizer em qual casa ele havia visto o maldito pássaro. Um silêncio quase patético se apoderou daquelas pessoas, que agora se entreolhavam desconfiadas, pois perceberam que o Kalu não quis falar nada porque, com certeza, havia visto o pássaro no telhado da casa de um daqueles que ali estavam.

— Pode contar que a gente vai ter notícia ruim nos próximos dias! — comentou um deles quebrando o silêncio.

— Larga mão de ser besta! Vocês acreditam nessas coisas? Onde já se viu... Um passarinho que vem avisar um retardado que alguém vai morrer! — retrucou outro.

— Sei lá! Quando acontece só uma vez a gente nem dá atenção, mas o pior é que eu conheço esse cara já faz uns trinta anos, e toda vez que ele diz ter visto esse maldito pássaro, pode contar que morre alguém — disse outro.

A dona Quita também entrou na conversa:

— Eu mesma já presenciei umas três ou quatro vezes ele prever, aqui na minha frente, a morte de alguém e realmente acontecer.

— Gente, o que é isso? Que conversa mais sem pé e sem cabeça! Desculpem-me, mas eu também não acredito nisso não! Pra falar a verdade, como já dizia o avô do meu tataravô, quem dá trela pra louco é mais louco que o próprio louco — zombou um deles.

— Eu acredito sim! Esse cara tem parte com o diabo! — bradou categoricamente outro.

A conversa prolongou-se por mais alguns minutos, com uns dizendo que acreditavam e outros dizendo que era tudo imaginação. Apesar dos contras e dos prós, no fundo, no fundo, todos ali tinham medo das previsões fúnebres do Kalu. E, por incrível que pareça, mais uma vez ele acertou. O seu Agenor, que era o que mais duvidava do Kalu, passou mal no outro dia e tiveram que levá-lo às pressas para o hospital. Logo depois do almoço, veio a notícia de que o homem havia falecido. Não é preciso nem dizer que aquilo serviu de comentários para vários dias.

As pessoas passaram a evitar o Kalu. Toda vez que ele chegava, disfarçavam e saíam de fininho, deixando-o sozinho.

Até que um dia o Kalu apareceu ali na rua de mala nas mãos, despedindo-se de todo mundo.

— Ué, Kalu, pra onde você vai? — perguntou dona Quita.

— Pernambuco — respondeu ele.

— Pernambuco? Vai fazer o que lá?

— Tá com quase quarenta anos que eu deixei a minha cidadezinha. Nem sei se ainda tenho parentes vivos por aquelas bandas — comentou.

— E o que foi que te deu na cabeça de querer voltar pra lá?

Ele não respondeu nada. Apenas olhou para as pessoas que estavam à sua volta, acenou com uma das mãos e foi embora.

Assim que ele sumiu lá no fim da rua, o seu João sapateiro contou:

— Hoje cedo ele me confidenciou que durante a madrugada ouviu um barulho estranho no quintal e quando saiu deu de cara com o pássaro em cima do telhado da sua casa. O pássaro cantou o seu canto maldito por alguns minutos, depois num voo rasante passou feito um corisco sobre a sua cabeça e desapareceu.

Nenhum vizinho sabia em que cidade de Pernambuco morava a sua família, e tampouco se preocuparam em querer saber. Na verdade, sentiram-se até aliviados quando ele foi embora. Uns acreditavam, outros não. Porém uma coisa era certa: todos tinham medo dele. E, depois que ele partiu, assim que o maldito pássaro previu a sua própria morte, ninguém mais teve notícias do Kalu.