A dama
A Dama
Oh, pálida figura que me ronda
Como um monge de negro só trajado,
Trazendo nos meus sonhos o prelúdio
Do túmulo e do pranto derramado.
Vivendo sob as sombras do sepulcro
Da agonia da perda e desencanto
Até que venha arrebatar-me a alma
Ao medo inconsolável de seu canto.
E, alem, repousarão o meu cadáver
Ao pé d’alguma cruz, n’alguma campa,
Abandonado ao tempo que me invade
E à negra podridão que se adianta
A doença que o acometera veio pesada e forte, minando suas energias e suas defesas de maneira incrivelmente rápida. No início, aquele ligeiro mal estar, depois, seguindo um crescimento geométrico, veio a convalescença e a prostração definitiva.
Posto é que não tinha mais forças para falar, via apenas... E há quantos dias estava naquela cama, sem ter coragem nem força para mover um dedo que fosse? O tempo havia se tornado uma cosa abstrata, meio secundária diante de seu mal estar e de sua impotência.
A prostração não é muito diferente de um grilhão ou de uma cela de cadeia... quando as horas vão se acumulando umas sobre as outras, qualquer detalhe torna-se uma distração bem vinda à mente que se acha presa no corpo. Uma vez que ainda movia os olhos, observar havia se tornado seu passatempo. Agora, observava tudo o mais que podia; já havia vasculhado cada fresta e cada sombra de seu quarto, havia contado cada vidro do pequeno lustre que se pendurava sobre ele com uma luz fraca e desfalecente, recontando-o inúmeras vezes, verificando o resultado. Observava o teto, cada mancha na tinta bege que o deixava em uníssono com as paredes, contava-as também, dava-lhes formas variadas que surgiam na imaginação; analisava os móveis, sua disposição estranha e, às vezes, distraía-se simplesmente lembrando, transportando-se para um passado em sua memória e, realmente, permanecendo lá, até que uma sensação exterior o trouxesse de volta à sua cama.
De início, cria piamente em sua plena recuperação; um dia, porém, seus olhos turvaram por completo e ele teve, pela primeira vez, aquela sensação de fim.
Havia muitas visitas que o vinham ver, mas em que isso importava? Impedido pela paralisia até mesmo de expressar seu terror pela cegueira ele se sentia uma ilha em meio à escuridão.
Dias depois a visão lhe retornara... se pudesse sorrir, ele sorriria. Percebeu, entretanto, uma pessoa estranha que estava parada sob os umbrais da porta: uma mulher vestida de um longo vestido negro e um capuz como o de um monge, que lhe tapava os olhos na sombra, mas permitia que se visse os lábios azulados e a pele branca de marfim. Ela não se movia, permanecia apenas, com as mãos unidas diante de si, numa pose singela e suave.
Não achou estranho, talvez fosse uma guardiã... mas as pessoas que cruzavam a porta o faziam sem notar sua presença, como se ela não estivesse ali e nem nunca tivesse estado. Ela, impassível, não se movia, não falava e nem se perturbava, como se fosse uma estátua ou alguém que, simplesmente, aguarda.
Quando se deu conta de quem era a mulher, um pânico que jamais se vira neste mundo abateu-se sobre ele... Ele a olhava com os olhos arregalados, a respiração febril de presa encurralada no abismo... chorava, tentava gritar, emitindo um gemido surdo semelhante ao de dor, mas o anestesiavam e ele dormia, sofrendo os seus horrendos pesadelos.
Três dias se passaram, a dama negra permaneceu todo o tempo.
Certo instante, ela ergueu lentamente a cabeça... o coração do enfermo metralhou-lhe no peito... com um sorriso tão suave e tão tênue que mal se percebia, a dama fitou-o, no leito em que estava... o enfermo gritava na alma, debatia-se em espírito, mas o corpo não podia corresponder.
Como quem pede licença sem dizer palavra alguma, ela caminhou lentamente, adentrando o quarto e chegando cada vez mais perto dele, que arregalava os olhos banhados em lágrimas convulsivas. Nesse instante a empregada chegou, trazendo toalhas – talvez fosse a sua salvação! Pensou ele – mas, atravessando a morte como quem atravessa uma nuvem, veio e foi-se, não notando os olhos suplicantes de seu patrão.
Fez-se noite.
Quando o encontraram, jazia morto, rígido e frio, com as mãos unidas em forma de súplica...