Caçada

A cada passo, atravessando o extenso corredor, de forma veloz e desesperada, a moça tinha menos esperanças. O caçador parecia ser incansável, aproximando-se sempre mais. O corredor, com seu piso escorregadio e imundo, simulava um “looping” surreal na cabeça da moça, onde obtinha-se a impressão de que, a cada dúzia de passos, todo o cenário se repetia, não dando chances de imaginar uma chegada. Nesse momento, a obstinação na luta por sobrevivência só existia por mero instinto, exigindo todas as reservas de recursos biológicos, causando cada vez mais certeza de que, para a moça, a perseguição só terminaria com a morte. Era definitivamente uma reta infinita.

No ápice da resistência humana, os músculos de suas pernas já paravam de obedecer. A perseguida previa a inevitável queda causada pela exaustão, o que não demoraria mais que alguns passos. O raciocínio sobre todas as conseqüências de sua queda parecia durar uma eternidade, mas foram poucos passos até cair. Dores musculares terríveis, acompanhadas de uma falta de ar sobrehumana, mantiveram-na presa ao chão, como se houvesse um poderoso campo magnético que a impedisse de se movimentar. Ela sabia o que estava por vir. A perseguida já mantinha uma imagem formada em sua mente de como seria seu fim, nem ao menos olhando para trás. Ela apenas o aguardava alcançá-la, sem ao menos derrubar lágrimas, as quais já nem mais existiam depois de tantas horas de desespero.

Os segundos que duraram, enquanto a moça ouvia aqueles passos lentos, acompanhados da mais fúnebre gargalhada de satisfação, foram o suficiente para encarar seu momento de maior arrependimento jamais vivido. Relembrando os fatos, ela questionava como poderia aquele momento de total descontração terminar de tal forma: sua própria risada, enquanto segurava o mais delicioso vinho já tomado, ainda pairava na sua confusa memória. Ela não conseguia imaginar onde estariam agora as queridas pessoas que se encontravam naquela sala. O som dos passos atrás de si, enquanto ela se mantinha exausta, jogada ao chão, já haviam cessado, mas ela ainda exercitava sua memória e, de tão inconformada, confrontava com a impossibilidade de voltar no tempo evitando tal situação. O som da lâmina sendo retirada da longa bainha de couro trabalhado avisou a chegada ao fim da linha. À frente, as luzes do corredor iam estranhamente se apagando, tornando as deprimentes paredes verde-musgo no mais completo breu. Na escuridão, até então sem saber quem a perseguia, ela fechou os olhos, calculando que só lhe restava mais um segundo até o fim. A respiração do caçador já não era mais ouvida, silenciando completamente a ambiente que cercava a solitária moça. O quase imperceptível tempo que ela imaginava durar até que sua vida fosse tirada já havia se passado, fazendo-a abrir os olhos intuitivamente, para então verificar o que se passava com o seu carrasco, mas nada concluía.

Iniciando leves e cansados movimentos, tateando a sua volta e nada encontrando, sua confusão foi acentuada de forma que não se sabia ser possível, onde a, até então, certeza de seu fim se misturava com a incerteza do que se passava. Já não haviam sinais de caçador. Só havia o breu. Repentinamente as lágrimas voltaram, acompanhadas de soluços e gritos. Com a pouca energia que recuperou enquanto permaneceu jogada ao chão, ela levantou-se trêmula e aos prantos, com os braços esticados para frente, como se quisesse achar algo, inutilmente.

Ao lado da cama de hospital, a mãe lia as histórias de terror que a moça tanto gostava de escrever, enquanto ela permanecia em coma:

_ Filha! Tomara que esteja desfrutando de bons sonhos. Melhore logo! – desabafou, a mãe, a chorar.

Rafael S P Valle
Enviado por Rafael S P Valle em 03/03/2009
Reeditado em 21/04/2009
Código do texto: T1466737
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