LUGAR COMUM - DEMÔNIOS

Você sabe como surge um vampiro? – A pergunta era direcionada ao menino que ela havia seqüestrado, a fim de que ele viesse a se tornar um seguidor de sua crença.

- Sim, mestra Sarah – afirmava o garoto – é necessário que o mortal seja brindado com o dom de um ser da noite.

- Não, aprendiz. Esses são os convertidos, eles apenas refletem a sombra dos verdadeiros andarilhos noturnos. São apenas um sopro, enquanto os verdadeiros, os originais, são como o vento forte que arranca árvores pela raiz.

- Como eles surgem então, madame?

- Da pior forma possível. Os vampiros puros originam-se de pessoas que fazem um pacto direto com o próprio Mal em troca de um benefício terreno. Quando chega o momento do pagamento, suas almas partem para os domínios dele, mas seus corpos, por serem impuros, não conseguem repousar nesta terra que pisamos, e como castigo, ou conseqüência, vivem a vagar, sem poder contemplar a luz do sol, sem alma, sem descanso. Caminham nas sombras, alimentando-se dos viventes e espalhando sua maldição entre eles.

- E para que precisamos de um ser desses?

Posicionado em uma mesa redonda, com as pernas e os braços abertos em forma da letra xis, estava um andarilho da noite, original, a prata que enlaçava seus punhos e tornozelos, impedia que se movimentasse.

- Um corpo mortal não conseguiria suportar o espírito que está para incorporar nele. Somente um desses seria capaz.

Uma fenda, com cerca de um metro quadrado, atravessava o teto, o piso, e chegava até o subsolo da casa, fazendo com que a luz do luar incidisse diretamente sobre a mesa em que estava depositado o corpo. As luzes das velas bruxuleavam nos cantos da pequena sala, nenhum sinal de eletricidade era visto.

O ser sem alma apresentava os olhos rubros queimando como brasas, exibia os caninos afiados, enquanto produzia um som distorcido, mesclado aos rosnados que saíam de sua garganta. Seria perturbador para qualquer humano, mas nem Sarah, nem o garoto, poderiam se enquadrar nesta categoria.

- Só falta mais uma coisa, você sabe o que fazer.

- Que barulho foi esse? – Perguntava o assustado garoto, enquanto abria um talho no próprio pulso com uma lâmina virgem.

- Não importa, continue.

A feiticeira entoava cânticos e proferia palavras desconexas. O menino olhava na direção do andar de cima, enquanto derramava o sangue no peito aberto do imortal.

Ruídos de passos e coisas quebrando ecoavam pelo subsolo, vindos do teto. O som se aproximava.

- Ela está lá embaixo – disse uma voz estranha.

A mulher aumentava o tom de sua voz, tentando vencer a concorrência sonora. O garoto iniciava um choro, e fora atirado ao solo por um violento tapa. Uma luz escarlate envolveu todo o corpo sobre a mesa. Pessoas desciam as escadas efetuando disparos com armas de fogo em todas as direções. O corpo se contorcia de forma incontrolável e involuntária.

- Peguem ela! Queimem tudo! Queimem!

Pequenas bombas incendiárias foram atiradas e explodiram no exato momento em que o teto desabou. O fogo se espalhou e consumiu em minutos todas as dependências da residência.

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A repórter falava ao vivo do bairro isolado, onde uma casa fora consumida por um incêndio devastador, os bombeiros haviam passado toda a manhã tentando conter o avanço das chamas, e impedir, assim, que estas chegasses as demais residências.

As autoridades afirmavam que os corpos dos policiais, que foram encontrados ao lado dos da mulher e da criança, se justificavam porque foram os primeiros a chegar lá, e morreram tentando fazer o resgate da pobre família. Um acidente doméstico, fora a provável causa do fogo.

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- O que é aquilo, Marina? – Perguntava o garotinho para a irmã mais velha.

- Acho que é um cachorro, deve estar com fome, está revirando as latas.

- Vou até lá. Vem cá totó, vem cá.

O demônio de quatro patas não levou mais do que trinta segundos para saciar sua fome. Uma vez liberto, esta aumentara consideravelmente.

* Um clichê para demônios. Leia também os contos "Um outro clichê" e "Estereótipo"

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 02/03/2009
Reeditado em 03/11/2009
Código do texto: T1464685
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