SERVIÇO COMPLETO

- Há quanto tempo ele trabalha com você, Palhares?

Minha pergunta era direcionada ao barbeiro, ele havia sido um investigador, como eu, mas já estava aposentado e agora trabalhava aparando o cabelo e fazendo a barba de outros homens, clientes como eu.

Nesse momento, ocupo a cadeira própria para o serviço e utilizo os novos préstimos de meu antigo colega de trabalho. Na verdade, estou aqui porque os caminhos da investigação me levaram até este local.

- Há uns seis meses, Braga – respondeu o homem, enquanto espalhava uma espuma com cheiro de menta em meu rosto – qual o motivo da pergunta, meu amigo?

- Em nome dos velhos tempos? – Questionei.

- Parece que você não me conhece.

- Certo. Sabe o caso dos assassinatos? O das mulheres estripadas?

- Claro! Quem não sabe? Pegaram o maldito?

- Ainda não. Mas, de repente, você pode me ajudar.

- Claro, amigo. Como? – Ao notar a possibilidade remota de ser útil em uma investigação novamente, os olhos do barbeiro se acenderam, pude notar o seu antigo entusiasmo retornar.

- Pois bem, apenas uma vítima conseguiu sobreviver ao ataque do maníaco. Ela está protegida, sob aquele velho esquema que você conhece.

- Você é o responsável pela sua segurança?

- Claro! Também estou nessa. A central está tratando o assunto com um cuidado precioso. Ela não fica mais de uma semana no mesmo local, inclusive estou aguardando as instruções de transferência. Mas, decidi dar uma olhadinha na minha linha de raciocínio. Você sabe que não desisto fácil dos meus instintos.

- Evidente! E não deve mesmo. Você é um dos melhores nisso. Mas, me diga, seu palpite leva ao rapaz?

- Leva sim, Palhares, me desculpe.

- A vítima não consegue reconhecer o responsável?

- Ela afirma que sim, mas não podemos correr o risco de pegar o suspeito e perdê-lo novamente por falta de provas. Precisamos ser convincentes.

- E como você pretende fazer isso? – O barbeiro fez uma pausa no serviço, mostrando realmente estar empolgado com o relato.

- Ela disse que o sujeito usava um sobretudo negro e um chapéu, ele fugiu após perceber o movimento de algumas pessoas se aproximando, e antes de perder os sentidos, ela poderia jurar tê-lo visto entrando adivinhe em que lugar?

- Aqui na barbearia?!? Mas, que miserável!

- Sshhhhh, fique quieto, Palhares! Mais de uma vez já vi o seu funcionário sair daqui vestido daquela forma. Eu o tenho acompanhado de perto, mas ele não voltou a atacar. Eu estou preparado para pegá-lo em flagrante, mas, não tem dado certo.

- E o que você vai fazer?

- Você já percebeu algo estranho nele?

- Ele é um garoto calado, mas, achei que fosse só.

- Já estou sem tempo, acho que vou prendê-lo e partir para um reconhecimento, é melhor do que nada.

- Espere, já estamos na hora de fechar. Deixe o último freguês ir embora.

Um velho, vestido com um espesso casaco de lã, fora o último a deixar o estabelecimento, encarando o frio daquele princípio de noite de inverno.

- Ricardo – o barbeiro chamava pelo ajudante suspeito – feche a loja, já estou terminando aqui com o meu amigo.

O rapaz virou-se de costas e eu o segui com o olhar, mas, não pude fazer mais nada, porque não tive tempo, não tive oportunidade. A lâmina afiada com que Palhares fazia a minha barba, produziu um corte longo e profundo em minha garganta, meu sangue jorrava e manchava o manto alvo que me cobria do pescoço para baixo.

Caí de joelhos e recebi um golpe com um objeto pesado e pontiagudo, o qual não pude precisar o que era. Mas, não importava, não pude impedir que meu antigo colega se apoderasse de minha arma e com um tiro certeiro silenciasse Ricardo, o meu inocente suspeito. Antes de abraçar para sempre a escuridão, visualizei a expressão dos olhos arregalados do rapaz e o sangue mesclado aos seus cabelos.

O barbeiro direcionou o olhar para o ajudante e disse:

- Idiota, eu dando um tempo para esfriar as coisas e você usando os meus trajes sem autorização. Agora tenho vocês dois, corpos inúteis para me livrar.

Não se pode precisar o que levou o antigo policial a cometer atos tão desprezíveis, talvez sempre tivesse possuído o dom maligno no coração, ou quem sabe a monotonia e falta de ação causadas pela aposentadoria, ou até mesmo um surto de loucura.

Não fazia a menor diferença para ele naquele momento, após sumir com os corpos teria outra missão. Revirou novamente os bolsos do policial morto, e achou o que procurava, um aparelho celular. Como a polícia era previsível, continuava com os mesmos hábitos. Uma mensagem de texto explicava o novo endereço da vítima que escapara e que poderia reconhecê-lo.

Olhou para o interior do armário e lá estavam eles, o sobretudo e o chapéu.

- Lá vamos nós de novo – começou a assobiar, sua cliente não poderia esperar, ela merecia serviço completo.

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 01/03/2009
Reeditado em 03/11/2009
Código do texto: T1463853
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