CAÇADA NOTURNA

Ele apontava a arma para baixo, estava trêmulo, um filete se suor gelado escorria pelo seu rosto, a temperatura das mãos não estava diferente. Tentava controlar a respiração ofegante, mas não conseguia, não deveria estar armado, mas o fato de estar, o deixava um pouco mais confortável, apesar do nervosismo. Ele não imaginava que seria assim, sua iniciação, precisava assegurar o seu lugar dentro da família, mas tudo estava demorando demais, e ele não entendia a razão, precisava enfrentar o maior dos desafios, entrar nos domínios do caçador daquela floresta, e trazer um dos seus para sua casa, provar para sua família que era merecedor do lugar que lhe seria destinado.

Estava no alto de uma árvore, e de lá, pouca coisa enxergava, no céu, nem a lua aparecia para quebrar a escuridão. Sentia que havia sido localizado, seus inimigos se aproximavam, eram os batedores que o farejavam, não poderia desperdiçar sua munição com eles, seu alvo ainda estava oculto. Saltou da árvore e correu, os animais vinham atrás dele, com os dentes à mostra, prontos para dilacerá-lo, eles eram mais rápidos, o alcançariam logo, por que sua passagem demorava?Não conseguia entender.

Chegou até um descampado que precedia um rio, fim da linha para ele. Os animais surgiram logo a seguir, e atrás deles vinham ou outros, foi quando aconteceu. Ele não sabia se fora por causa do horário, ou do posicionamento no céu, mas havia começado, não precisaria mais de sua arma, era uma dor horrenda, indescritível, seus ossos começaram a estalar, sentia seu corpo queimar, seus olhos ardiam em brasa, os membros se contorceram de uma forma inexplicável e sua mandíbula se projetou, fileiras de dentes imensos e afiados surgiram, garras retorcidas apareceram em seus dedos, rasgando a pele e vertendo sangue, posicionou-se como um quadrúpede, pêlos espessos e negros lhe cobriram o corpo, a mutação estava concluída, um uivo infernal ecoou pela mata.

Os cães, que até então o perseguiam, hesitaram ao notar a besta que estava diante deles, mas ao comando do caçador, saltaram sobre ele, o primeiro foi rasgado ao meio pelas garras que cruzaram o ar, o segundo estraçalhado pela gigantesca mandíbula. A fera hedionda focalizava com seus olhos amarelados o seu alvo, ele não queria os outros caçadores, ele queria o líder, aquele por quem buscava e que seria o passaporte de sua iniciação, não se importava com os disparos que eram desferidos contra ele, em seu caminho não se importaria com quantos teria de mutilar e matar, seu prêmio estava ali, seria recebido com honras.

O caçador municiava sua arma, parecia frio diante da cena que se apresentava, num movimento incomum, a fera saltou sobre ele, seus olhos notaram todos os detalhes daquele gigante de pêlos, garras e dentes que voava em sua direção, caíram no rio. No dia seguinte...

- Como eu estava dizendo – falava o caçador – até que esse deu trabalho, parecia bem jovem e inexperiente, mas era determinado.

- Pode ser – comentava um amigo de caçada – mas a carne dessa fera está deliciosa...

- É verdade, a cozinheira acertou em cheio no tempero, aproveitem – disse para todos à mesa, naquele almoço de sábado – a melhor comida é aquela que a gente trás com as próprias mãos.

Quem visitasse a residência do caçador, encontraria uma sala refrigerada, e em seu interior, presos por ganchos de aço, estavam várias carcaças, todas em estado de fera, ele não retirava as balas de prata com as quais as abatia, evitando assim que voltassem ao estado humano. Ele gostava de apreciar a carne da caça desse jeito, no estado de predadores da noite, ficava mais suculenta, assim falava.

Dava ânimo para conseguir mais troféus para sua sala de estar...

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 09/02/2009
Reeditado em 28/10/2009
Código do texto: T1429760
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