SUZANA
Era para tudo estar perfeito, mas não estava. Aquela viagem até a floresta amazônica era tudo o que o grupo queria nos últimos tempos. A luz da lua refletida nas águas escuras daquele riacho transmitia a ela uma falsa sensação de tranqüilidade, e essa sensação a incomodava. Suzana, a única garota do quarteto que acampava ali, estava desconfortável. Nem mesmo o calor da fogueira, o céu estrelado e o fato da cidade grande estar a quilômetros de distância, nem mesmo a realização de um sonho e a companhia de seus amigos, nada disso fazia com que se sentisse relaxada.
Ao contrário dela, seus amigos estavam totalmente desligados das inquietações do dia-a-dia. Diego, o mais novo deles, tocava um violão, enquanto os outros cantarolavam uma canção dos anos oitenta.
- Pessoal - chamou a garota - vocês não acham que isso aqui está estranho?
- Relaxa, Suzi! Nós estamos no meio do mato, não era para estar desse jeito? Afinal, queremos sossego, não é?
- É isso mesmo, garota - disse Beto - beba um pouco...
A jovem tentava seguir as recomendações, enquanto sorvia um gole da bebida oferecida pelo amigo, mas na verdade, não conseguia se livrar da estranha sensação que lhe acometia.
- Pessoal - falou Diego - vou ao "banheiro", sabe como é, muita cerveja...
- Também preciso ir - interrompeu Caio - o quarto componente do grupo.
A dupla se afastou do acampamento, os garotos resolveram seguir até a margem do riacho, foi quando algo estranho aconteceu.
- Ei, Diego, você está ouvindo isso?
- O quê?
- Silêncio, ouça - colocou a mão em forma de concha, próxima do ouvido.
- Não ouço nada Caio...
- Não é possível, acho que vem dali...
Caio caminhou em direção a margem, seu amigo ficou incrédulo quando o viu mergulhar nas águas escuras do rio.
- Ei, ei, volte aqui - não obteve resposta. O rapaz, assustado como estava, tratou de correr em busca de ajuda.
- Suzi! Beto! Ajudem! O Caio...o rio...
O rapaz não dizia coisa com coisa...
- Calma Diego! O que houve?
- O rio Suzi! O Caio caiu no rio e...
Sem esperar por uma explicação mais detalhada, os dois correram na direção da margem, sendo seguidos pelo confuso garoto. Lá chegando, Beto se jogou nas águas em busca do amigo. Dois, três, quatro minutos se passaram sem que qualquer sinal surgisse, nem de Caio, nem de Beto. Não havia palavras que pudessem traduzir o que Suzana sentia, ela só não sabia que tudo ainda se tornaria pior. O garoto ao seu lado, Diego, começou a agir de forma estranha.
- Esse barulho...
- Que barulho Diego? - Falava a moça enquanto chorava.
- Não sai da minha cabeça...
O ruído que ele ouvia era distorcido no início, mas gradativamente foi ficando mais claro, era uma voz, uma voz melodiosa, mas ao mesmo tempo firme, era cativante, envolvente, terrivelmente irresistível e...feminina!
Suzana nada ouvia, tudo o que se limitava a fazer era evitar que seu amigo, o último que restara e que impedia que ficasse completamente só naquele lugar que a atormentava, se jogasse naquela maldita água. Tudo em vão, Diego fora tragado pelo rio, como se puxado por um ímã de força descomunal. Ele descia mais e mais, sentia como se flutuasse, estava feliz na busca da origem daquela voz. Nada enxergava naquelas águas escuras, teve apenas a impressão de ter visto reflexos prateados dando voltas logo abaixo dele.
Era de lá que provinha a voz, era lá que queria estar. Mas, antes que pudesse chegar até ela, sentiu-se agarrado pelas costas, era Suzana que havia mergulhado atrás dele e o puxava para fora, ele queria resistir, mas seu corpo não o obedecia, foi quando sentiu a carne de suas pernas ser atravessada por algo semelhante a lâminas, a poderosas garras, como as de uma fera.
A canção havia cessado, e agora só sentia dor e desespero. Já estava quase fora da água, parecia que Suzana conseguiria, sim, ela o salvaria. Ela já esvava fora do rio, puxando o amigo pelos braços quando sentiu uma mão em seu ombro, e o que viu quando virou-se a fez largar o rapaz. Diego, então, entendeu o que acontecia, e pensou ainda, antes de ser levado para as profundezas das águas pela dona da voz, que sua amiga também não teria chance.
Suzana estava diante de um homem impecavelmente vestido, usava um chapéu que ocultava um segredo, um discreto artifício que o possibilitava respirar quando em sua forma original, nas ocasiões em que cruzava as águas escuras dos rios amazônicos. Ele não disse uma só palavra, não precisava, a moça já havia perdido a vontade própria.
Desde aquela noite, Suzana nunca mais foi vista.