Ceifador - Eu Só Quero Brincar
--- Mamãe, mamãe, porque não quer brincar comigo? Era o que eu sempre perguntava, ela nunca respondeu, NUNCA. Tive uma infância horrível sim, papai também se negava a brincar, diziam que eu era um garoto esquisito, me deixaram em um orfanato com sete anos de idade, me abandonaram. Você consegue imaginar como me senti?
Mas superei isso, superei sim, decidi que, se eles não me queriam, eu teria que procurar outras pessoas para brincar. Acha que aceitaram? Não, eu fui odiado naquele orfanato, as outras crianças se afastavam de mim, as irmãs chegaram a me isolar em um quarto dizendo que era para o meu bem. Não era, era para o bem deles, todos eles, porque nunca se importavam com o que eu sentia, nem com as minhas necessidades. Anos depois, já na adolescência, não podiam mais me controlar tanto, então, arranjaram outra maneira de me maltratarem, o reformatório.
Sai de lá após três anos, decidido a nunca mais deixar que fizessem o que fizeram comigo, ia me explicar e eles entenderiam. Primeiro meus pais, tinha certeza que deviam sentir falta do filho, iam me ouvir e eu poderia então ser feliz, ter uma família que desse o que eu precisava.
Os velhos ainda moravam no mesmo velho sitio isolado, a única diferença era que agora possuíam energia elétrica. Viviam ainda os dois, não tiveram nenhum outro filho. Atravessei a porteira e me aproximei da casa, bati à porta e senti passos se aproximando, minha mãe. Ela abriu a porta e nem mesmo perguntou o que eu desejava, me reconheceu de pronto, ao invés do brilho da felicidade que eu tanto esperava, vi um terror imenso no único olho que ela possuía.
--- Mamãe, porque me olha assim mamãe?
--- Por favor, vá embora, vá embora.
--- Mamãe, eu só quero brincar.
Ela tentou bater a porta, mas fui mais rápido, segurei com força e empurrei de forma tão brusca que mamãe caiu no chão. Ajudei-a a levantar-se e a sentei em uma cadeira, ela tinha que me ouvir, era a obrigação dela, então eu peguei algumas cordas e a amarrei para obrigá-la a me dar o mínimo de atenção.
--- Mamãe, onde está o papai?
--- Ele foi comprar cigarro, logo volta, por favor, me solte filho.
--- Não mamãe, hoje a senhora terá que me ouvir, e papai também, teremos uma reunião em família, algo que nunca foram capazes de me dar.
Amordacei-a para que não gritasse e esperei meu pai trás da porta. Quando ele chegou, também o dominei e amarrei em uma cadeira ao lado de mamãe.
--- Pronto. Agora vocês poderão brincar comigo, vamos recuperar o tempo perdido.
---- Seu desgraçado, você não é meu filho, que o diabo te amaldiçoe.
--- Papai, não fale assim comigo papai, sou seu filho, eu só quero brincar, sempre eu quis apenas brincar. Porque você não me entende?
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--- Então você enfiou o canivete no braço de seu pai?
--- sim, ele não me ouvia, eu fui obrigado.
--- Assim como foi obrigado a furar um olho de sua mãe quando tinha
7 anos de idade?
--- Sim, ela não queria brincar.
--- Eu também não brincaria se fosse ela, suas brincadeiras sempre
consistiram em sangramentos, torturas e coisas do gênero.
--- Mas eles brincaram comigo no final, por isso agora eu amo muito meus pais.
--- É, mas eles não gostaram nada de serem retalhados.
--- Eles não me entendiam cara, ninguém me entendia, mas você me entende não é? Do contrário não estaria conversando assim comigo de forma normal, parece que a morte realmente não te assusta.
--- Realmente a morte não me assusta, o que é algo bem útil, do contrário eu seria impedido de me olhar em espelhos, o que comprometeria bastante meu visual.
--- Que bom cara, que bom. Agora se me dá licença, eu preciso fugir, estou sendo perseguido, o carro bateu, mas eu vou continuar a fuga a pé mesmo, apesar de sentir algumas dores.
--- Ai é que está o problema, não posso deixar você ir. Vou te levar comigo.
--- Que história é essa cara, você é um policial?
--- Não, é uma profissão admirável, mas não faz meu estilo, digamos que eu não atendo os requisitos mínimos para exercê-la. Não vou deixá-lo fugir, essa é a notícia ruim, mas tem uma boa também, a polícia não vem mais atrás de você.
--- Por quê? Você subornou eles?
--- Não, na verdade eles não vão te seguir porque você está morto.
--- Morto? Está brincando cara? Espere, você vai me matar? Quem te mandou me matar?
--- Ninguém me mandou te matar, você morreu na batida do carro.
--- Claro que não cara, eu sai vivo do carro, estou aqui inteiro.
--- Então dê uma olhadinha ali no carro batido, está vendo aquela massa mole e sanguinolenta escorrendo? Pouco tempo atrás aquilo era seu corpo?
--- Aquilo era meu corpo?
--- Era sim, agora é uma imensa panqueca caro cidadão. Você que tanto brincou com as pessoas, agora a lei de Murphy resolveu brincar um pouco com você.
FIM