O VOO DA MORTE

Em um vôo rasante, o pequeno avião com seus cinco tripulantes, passou rente a copa das árvores até finalmente cair em uma pequena clareira mais a frente. Logo após o impacto, seguido de um estrondo ensurdecedor, uma densa fumaça negra  se espalhou pela mata e depois de alguns segundos apenas o silêncio imperou. Por incrível que pareça, assim que a fumaça se dissipou, cinco pessoas saíram dos destroços e completamente apavoradas não conseguiam entender ainda o que havia acontecido. Mal haviam saido ouviram um chiado, como se algo estivesse fervendo e de repente as labaredas envolveram completamente os destroços do avião. Um deles, Marcelo, gritou:

----Vamos sair daqui que esse troço vai explodir.

Embrenharam-se na mata na tentativa de se protegerem. Logo em seguida ouviram uma explosão e novamente o silêncio. Não conseguiam entender ainda como tinham conseguido sobreviver a queda do avião e por incrível que pareça sem nehnum arranhão. Um verdadeiro milagre.

Decidiram caminhar pela mata na esperança  de encontrarem um rio ou uma trilha que os levassem para qualquer lugar onde pudessem entrar em contato com alguém que os viessem resgatar daquele lugar.

Já haviam caminhado quase cinco horas quando resolveram acampar em um local próximo a um pequeno riacho, e esperarem o dia clarear para continuarem a caminhada.

Antônio foi o primeiro a acordar. O dia  já vinha nascendo lá longe por entre os morros, escondidos pela mata fechada, que quase impedia a penetração dos raios solares. Sacolejou o Patrik que dormia encostado a um tronco caido junto a uma  árvores. Em poucos minutos todos estavam acordados e continuaram a caminhada. Já era quase três  horas da tarde, e pouco tinham evoluído devido a dificuldade de se caminhar por aquele local de mata serrada e terreno acidentado, quando o Gustavo avistou uma trilha logo a frente.

----Tem uma trilha aqui! -gritou eufórico.

O Maurício foi o primeiro a se aproximar.

----Agora resta saber qual dos lados nos leva a algum lugar?

----Qualquer lado chega em algum lugar! Respondeu o Gustavo.

----Nem sempre! Geralmente uma trilha sai de alguma aldeia e se perde no meio da mata, distante quilômetros as vezes! -Retrucou o Maurício, que era quem tinha mais  experiência de sobrevivência em florestas.

----E como vamos fazer para saber qual o lado que devemos seguir? Será que tem alguma placa indicando? -Brincou o Antônio.

----Vamos escolher um lado! Se a trilha começar a se fechar é porque escolhemos errado. Pela lógica a trilha se alarga conforme vai se aproximando do seu ponto de partida. -Explicou o  Maurício.

Pela posição das montanhas e do riacho que haviam encontrado lá atrás, resolveram em comum acordo seguirem pelo lado esquerdo da trilha. E realmente acertaram, pois após quase duas horas de caminhada encontraram uma cabana.

A porta estava aberta, porém parecia não haver ninguém ali dentro. Maurício aproximou-se e gritou:

----Ô de casa! Tem alguém ai?

Não houve resposta. Maurício resolveu entrar e logo em seguida os outros fizeram o mesmo. Parecia ser mais um abrigo de caçadores que uma moradia.

----Eles devem usar essa cabana vez ou outra quando vem para estes lados caçarem. -Argumentou o Maurício.

----Parece que estão por perto! O fogão a lenha está morno e tem algumas brasas ainda acesas. -Falou o Antônio pondo a mão sobre o fogão.

----Já esta quase anoitecendo, é bom a gente recolher um pouco de lenha e nos ajeitar-mos por aqui até amanhã. -Propôs Marcelo.

Os outros concordaram, pois além de cansados, logo anoiteceria, e não seria muito aconselhável andar por aquelas matas no meio da escuridão. Depois de trazerem a lenha para dentro, se acomodaram e começaram a conversar. Admiravam-se por terem sobrevivido a queda do avião, e não conseguiam entender ainda como não tiveram nenhum tipo de arranhão.

Começaram a relembrar fatos acontecidos em suas vidas, em que muitas das vezes não damos  a mínima atenção, ou nenhum valor por acharmos não haver a menor importância, e somente depois, em uma situação como essa pela qual passaram com a queda do avião, é que realmente valorizamos os mínimos detalhes em nossas vidas. E apesar de ainda estarem vivos, não tinham certeza, ainda, do que o futuro rezervaria a cada um deles nas próximas horas.

Continuaram a dialogar por mais algum tempo, com cada um deles recordando várias passagens de suas vidas, quando ouviram  passos vindo do lado de fora da cabana. Perceberam que alguém se aproximara e parou por alguns segundos do lado de fora. A porta, que estava apenas encostada, abriu-se repentina deixando  que o vento gelado adentrasse àquele local quase apagando o fogo.  O Marcelo levantou-se cautelosamente e aproximou-se da entrada da cabana. Não havia ninguém. Caminhou lentamente até a cobertura do lado de fora e correu com os olhos toda extensão que a vista alcançava e não viu nada além da mata que rodeava a cabana. Olhou para o relógio que marcava seis horas da tarde. O dia ainda estava claro e se houvesse alguém por ali daria para ter visto perfeitamente, porém não havia uma alma viva além deles. Os outros saíram também e perguntaram se ele havia visto alguma coisa.

----Estranho! Eu tenho certeza que ouvi passos do lado de fora! Só que não vi nada! - Argumentou o Marcelo.

----Eu não só ouvi os passos, como também tenho certeza que alguém abriu a porta! -Afirmou o Gustavo.

Dividiram-se em dois grupos e fizeram uma busca ao redor da cabana, porém não encontraram nada.

----Rapaz! Estou até arrepiado! Eu tenho certeza que havia alguém aqui fora! - Falou o Patrik.

----Se tivesse alguém aqui fora não teria dado tempo para ele ter sumido assim tão de repente! -Retrucou o Marcelo.

Voltaram para a cabana e continuaram discutindo sobre o ocorrido.  Acabaram concordando que havia sido apenas um engano coletivo. Talvez fosse apenas algum animal que estivesse caçando por ali. Continuaram conversando até altas horas e depois resolveram dormir. Já passava das duas horas quando o Patrik acordou com um ruido dentro da cabana. Ele havia se deitado junto a uma das paredes , do lado oposto a porta. Levantou a cabeça e percebeu uma pessoa em pé junto ao fogão acendendo um cigarro, com um lampião em uma das mãos, depois caminhou em direção a porta e sumiu. O Patrick acordou todo mundo, e com os olhos arregalados tentava explicar o que havia visto. Acharam que fosse apenas sua imaginação. Talvez, devido ao fato misterioso ocorrido horas antes, ele tivesse sonhado e imaginou ter visto alguém ali dentro.

----Não foi imaginação não! Eu vi perfeitamente um cara aqui dentro!

Mais uma vez procuraram do lado de fora e novamente não encontraram nada. O Maurício e o Gustavo seguravam dois tições acesos para clarear em volta da cabana e após uma rápida busca nas imediações voltaram sem terem encontrado coisa alguma.

----Eu juro que vi um cara aqui dentro! Eu não estou ficando louco não! - Gritou o Patrick.

----Por onde o cara entrou? Quando nos levantamos a porta ainda estava travada com aquele tronco que eu coloquei junto a ela! Não tinha como o cara entrar e depois travar a porta novamente pelo lado de fora! -Argumentou o Gustavo.

----Por onde ele entrou eu não sei! Mas que eu vi eu vi! E estava bem claro aqui dentro por que o sujeito estava com um lampião aceso bem ali perto do fogão. E quando ele saiu ainda deu prá ver o clarão lá fora. -Retrucou o Patrick, já se alterando por perceber que não acreditavam no que ele estava dizendo.

Por fim voltaram para dentro, assustados, agora, com o que havia acontecido. Continuaram conversando por mais alguns  minutos até que adormeceram novamente e o silêncio mais uma vez se fez predominante ali naquela velha cabana.

Já estava quase amanhecendo, quando desta vez, o Antônio despertou repentinamente ao ouvir vozes do lado de fora. Cautelosamente acordou os outros que levantaram-se e expiaram em silêncio pelas frestas da parede da cabana. Avistaram quatro pessoas conversando do lado de fora junto a uma fogueira. O Marcelo resolveu abrir a porta na esperança de conversar com aquelas pessoas, no intuito de conseguirem ajuda. Talvez estivessem procurando por eles, pois a essa altura já deviam ter começado a busca pelo avião que havia desaparecido. Porém espantou-se ao abrir a porta. Ficou ali paralisado por alguns segundos até que os outros chegaram próximos a ele e perplexos não acreditaram no que viam, ou melhor no que não viam. Simplesmente não havia nada lá fora.

----O que está acontecendo aqui? Gritou o Maurício.

----Agora não foi só o Patrik que viu! Eu também vi! Tinha uma fogueira aqui fora e quatro pessoas em volta dela! -Falou o Gustavo.

----Só pode ser brincadeira! Alguém está querendo nos assustar! -Argumentou o Marcelo.

----Se tem alguém querendo nos assustar... ele conseguiu! Pois eu estou com medo! Ou nós imaginamos tudo isso, ou esse lugar é assombrado! Falou o Antônio.

Mais uma vez dividiram-se em dois grupos e vasculharam toda a área a procura de alguém que estivesse querendo assustá-los ou coisa parecida. Depois de uma longa vistoria pelas imediações voltaram sem nada terem encontrado.

Sentaram-se ali na cobertura da cabana e ficaram conversando sobre tudo que havia acontecido nas últimas horas. Por mais que tentassem não conseguiam chegar a um acordo. As opiniões estavam divididas. Antônio e Patrick insistiam em afirmar que o lugar era assombrado. O Maurício e o Gustavo diziam que só podia ser alguém querendo assustá-los,  pois não acreditavam em assombrações. Já o Marcelo dizia que tudo aquilo fora criado por suas mentes, devido ao cansaço, a falta de água, e a falta de alimentação. Tudo não passara de alucinações.

Estavam discutindo a alguns minutos quando ouviram o latido de cachorros  vindo na direção da cabana. O Gustavo e o Antônio se armaram com pedaços de paus.

----Calma gente! Não vamos nos precipitar! -Argumentou o Marcelo.

Logo em seguida avistaram três cachorros que se aproximaram deles e ficaram latindo, distantes alguns metros, tentando atacá-los. O Antônio e o Gustavo que estavam armados com pedaços de paus, mantinham os animais a distância com estocadas curtas, no intuito apenas de afugentá-los.

Logo em seguida chegou um grupo de pessoas, que pelas vestes  pareciam ser do pelotão de resgate. Um deles, que parecia ser o comandante, gritou com os cachorros:

----Quietos! Quietos! O que foi que vocês viram? Eles estão assustados com alguma coisa! Tomem cuidado que pode haver alguma cobra por aqui! -Alertou o comandante.

Assim que prenderam os cachorros o Marcelo se aproximou do grupo, aliviado por eles os terem encontrado. Agora poderiam voltar para casa.

Porém quando estendeu as mãos para o comandante, que caminhava a frente , este inexplicavelmente passou direto como se não o tivesse visto. O mesmo aconteceu com os outros, passaram por eles como se não tivessem notado que estavam ali.

----Ahhh... tá bom! Vocês conseguiram nos assustar! Agora chega de brincadeira! -Falou o Marcelo.

De repente de dentro da cabana sairam quatro pessoas. As mesmas que eles haviam visto em volta da fogueira momentos antes. Tanto o comandante como os soldados os cumprimentaram

.

----Encontraram o avião a algumas horas daqui! -comunicou o comandante.

----Tem sobrevivente? -Perguntou um deles

----Não! O avião explodiu ao cair! Morreram carbonizados!

Gustavo aproximou-se deles enfurecido.

----Que brincadeira mais idiota é essa! Não tem graça nenhuma!

Porém parecia que eles fingiam não escutá-lo. Gustavo tentou puxar o comandante pelos braços. Levou um susto tremendo. Sua mão passou direto como se ele fosse invisível.

----Que foi isso? -Gritou o Patrick, que assim como os outros, viram aquilo acontecer.

Marcelo aproximou cautelosamente daquelas pessoas  e tentou tocá-las. Porém foi em vão. Assim como o Patrick sua mão passou direto como se eles não estivessem ali.

----Esquisito! Estou sentindo uma sensação estranha, como se estivéssemos sendo observados! -Comentou o comandante.

----Os cachorros parecem estar sentindo a mesma coisa! Eu nunca os vi tão agitado dessa maneira! Parece que estão vendo assombração.

O comandante reuniu os soldados e ordenou:

----Vamos voltar para o helicóptero! As buscas já foram encerradas!

 O Antônio tentou impedi-los de irem embora.

----Vocês são cegos? Não estão vendo que nós estamos aqui? Se isso for uma brincadeira eu os processarei, idiotas!

Porém foi em vão eles desceram a trilha que se embrenhava mata a dentro e desapareceram, deixando para trás os cinco amigos, que perplexos não conseguiam entender ainda o que estava acontecendo.

Depois de alguns minutos um helicóptero pairou sobre a velha cabana, por alguns segundos e depois arrancou sobre as copas das árvores, desaparecendo logo em seguida.

Patrick, completamente alucinado, embrenhou-se pela trilha gritando feito um louco, tentando em vão que eles voltassem para retirá-los daquele lugar.

Marcelo e Maurício a muito custo conseguiram trazê-lo de volta. Sentaram-se, os cinco, próximo a cabana e ficaram ali completamente imóveis o resto do dia, na esperança de que tudo aquilo não passasse de uma brincadeira de mal gosto e  que logo voltariam para resgatá-los. A noite chegou envolvendo a velha cabana em meio a selva inóspita e quase intransponível, distante quilômetros de qualquer lugar civilizado. E diante de um silêncio quase mortal, vigiados por uma lua cálida e  preguiçosa, eles adormeceram envolvidos por uma luz ténue que se lançou mansamente das alturas, e sublime caiu sobre eles, acariciando suavemente suas almas. Pouco a pouco foram se desprendendo do plano terrestre, levitaram sobre as copas das árvores e em seguida foram subindo, subindo até desaparecerem plenamente por entre as estrelas, deixando aquele lugar mais uma vez entregue a solidão.