Estrada maldita
A tarde era sombria, a estrada vazia e um longo caminho pela frente, o caminho pelo qual todos temiam em seguir.
Havia um senhor que morava na última curva da estrada e era obrigado a atravessá-la todo o final de expediente. E as vezes preferia dormir na vigilância do cemitério do que passar pela estrada. Nunca aconteceu nada, mas sempre ouviu barulhos nada agradáveis, como de pessoas gemendo. O senhor que atendia pelo nome de Albert e era coveiro nunca avistara nada nos gramados sombrios, apenas os gemidos o atazanavam.
Em uma tarde de outubro estava o senhor Albert em mais um dia de trabalho; o dia que teve de enterrar o padre da cidade. Seus parentes choravam muito e comentavam de como morreu jovem.
Uma mulher estava em prantos ao lado do túmulo recém fechado. Parecia ser a mãe, tinha a aparência de seus cinqüenta anos.
O coveiro curioso para saber a idade do falecido aproximou-se da lápide para avaliar os anos. Trinta anos, realmente era novo para morrer. Persistindo em sua curiosidade caminhou até um dos parentes e perguntou a causa da morte.
_Foi ontem. Disse uma mulher derrubando lágrimas._A noite houve um exorcismo...na estrada, ele foi chamado com urgência, pois o homem estava tentando arrancar a própria língua com as mãos. Chegando lá Padre Vicente começa suas orações e quando toca na testa do possuído fica paralisado e sem ação cai no chão; Seus olhos começam a avermelhar e sua boca a rachar. Com os olhos arregalados seu último suspiro resplandece. Mesmo que os frades tentavam reanimá-lo nada se mexia. E o cara possuído também morreu...Morreu com sua própria agonia. O coitado era sozinho da vida, olha o túmulo dele ali. Disse ela apontando para um local próximo de má aparência.
Albert caminhou até lá e focou sua visão nas escrituras da lápide que assim diziam _Aqui jaz o corpo de um homem que surpreendeu muitas pessoas com suas atitudes, mas sua bondade fez a sua morte e assim de todos se afastará para sempre. Ao senhor Thiago Rústico.
Sem entender muita coisa, senhor Albert saiu de perto do túmulo e foi para sua casinha de vigilância que ficava a uns vinte metros de distancia dos recentemente falecidos. Só ficou a pensar se aquela ocasião poderia vir a acontecer com ele. E assim trava um medo ainda maior de passar ao longo da estrada, então resolveu se mudar.
No dia seguinte saiu um pouco mais cedo de casa e foi até a residência do patrão. Chega verifica a hora e decidido bate na porta.
_Pois não. Disse um senhor de meia idade por cima dos óculos redondos e um traje de dormir.
_Senhor Joaquim, eu gostaria de pedir uma semana de folga para que eu possa me mudar.
_ E por que tomou essa decisão tão de repente?
_Para poder ter acesso a minha casa é preciso passar pela estrada e nessa estrada morreu um padre e um outro homem.
_Entre, por favor. Disse o senhor arreganhando a porta e convidando o empregado a entrar. Albert entrou, se sentou, retirou a jaqueta e colocou ao lado. Enquanto isso seu patrão pegava duas xícaras de chocolate. Sentou-se e ofereceu uma xícara ao Albert, ele pegou e agradeceu.
_Você sabe o porquê deles terem morrido na estrada?
_Sim, o padre foi até a estrada para fazer o exorcismo do homem e ambos morreram. Disse Albert com expressão de medo no rosto.
_Hoje é sexta, na semana que vem você pode tirar de folga... Mas já achou a casa?
_Não senhor, tenho em vista uma casa, só que ainda não está garantida.
_Isso já é com você. Disse senhor Joaquim com indiferença. _Pode ir, já está no seu horário e na segunda não precisa ir, apareça só na segunda que vem.
_Muito obrigado, desculpe pelo incomodo.
Pegou a jaqueta, se encaminhou à porta e abriu entrando no incomodo frio de inverno. Foi para o cemitério e no longo do dia foram enterrados quatro mortos. Com a medonha curiosidade perguntou a cada família onde haviam morrido e o motivo. Ambos eram na estrada ou perto, por mortes que ninguém conseguiu identificar.
Já eram seis horas, hora de fechar e ir embora. Quando estava saindo resolveu pegar a faca do vigia para passar na estrada.
Saiu em disparada com a faca no bolso.
O caminho do serviço para casa era, normalmente, de trinta minutos.
A estrada, como sempre, estava deserta. E o senhor Albert mesmo ouvindo os ruídos continuou em frente sem olhar para os lados.
Quando já estava no meio do caminho ouviu um longo e agudo grito. Ele não sabia se corria para longe ou se socorria quem estava em perigo.
Se fosse embora ia se sentir culpado pelo resto da vida. Então resolveu procurar da onde vinha o grito.
Suas pernas tremiam e ele suava frio. A cada passo, mais agonizante o grito ficava.
No chão encontrou rastros de sangue, adentrava no canavial.
Tomando toda sua coragem, senhor Albert aproximou-se da cana e começou a andar em direção ao centro, que de longe dava para ver um espaço com terra.
Tentou correr, mas com uma cambaleada caiu no chão. Rapidamente se levantou e tirou o mato da roupa. Novamente quando ia continuar seu caminho ouviu o grito, só que desta vez dentro dos seus tímpanos.
Se havia alguém em perigo estava ali.
Ainda estava claro e alguma coisa podia ver, mas não estava avistando ninguém.
Percebeu que aquilo não era alguém em perigo e sim a própria morte... Uma armadilha.
Quando finalmente caiu a ficha, suas pernas não o obedeciam mais, seu corpo congelara e apavorado se joga no chão. O grito ecoou novamente. Ele fechou os olhos, começou a sentir enjôo e começou a vomitar.
O medo já havia lhe dominado. Não conseguia fazer mais nenhum movimento se quer. E com um esforçado suspiro sentiu como se alguém tivesse lhe enfiado a mão na memória. Em sua cabeça vinham seus piores pesadelos. Do dia em que seus pais morreram às mortes do mesmo dia.
Sua vida toda fora um desastre e agora mais do que nunca percebeu isso.
Sua agonia começou a sufocá-lo. Em poucos minutos estava estirado e morto no chão do canavial da estrada... A estrada maldita.
E assim foi nomeada a estrada. Daquele dia em diante mais ninguém se aproximou dali.
E a sua morte foi a última... O coveiro que morrera ali.