Ceifador - Sábado e Domingo
Dos muitos inconvenientes que minha ocupação possui, acredito que o principal deles seja a inesgotabilidade do serviço. Certas coisas não se consegue mudar em pouco tempo, uma delas é a sensação de extremo esgotamento que se experimenta após 12 horas seguidas de trabalho, mesmo que você não tenha mais nada que seja capaz de se cansar.
Todas as pessoas, a não ser algumas que considero os mais inteligentes dos humanos e os próprios humanos chamam de excêntricos, possuem uma rotina claramente definida para cada dia da semana. Acordam, ingerem um gordo café da manha, as que podem é claro, vestem-se para algum compromisso costumeiro, colégio, afazeres domésticos, trabalho, etc. Vão para esse compromisso, param ao meio dia para o sagrado almoço, continuam com outro ou o mesmo compromisso, voltam para casa a noite e curtem alguns momentos de algum entretenimento inútil como tolos programas de televisão, até acordarem no outro dia para começar tudo de novo. Claro, existem as exceções, mas a maioria delas não são verdadeiras exceções, são apenas variações desse modelo geral.
Enfim, isso é a grande regra dos dias da semana, é algo tão comum que nunca consigo diferenciar uns dos outros, é como se de segunda a sexta fosse apenas um único e tedioso dia. A coisa só muda nos finais de semana, nele as pessoas alteram os programas, os objetivos e expectativas. A mesma coisa funciona com meu trabalho, na semana uma coisa, nos finais de semana algo bem diferente.
Assim como em conjunto se diferenciam do resto da semana, sábado e domingo têm cada um suas próprias características. Na semana ocorrem mortes de todos os tipos, um verdadeiro caos de assassinatos, acidentes, ataques cardíacos e coisas do tipo. Já os finais de semana se caracterizam por apresentar uma certa homogeneidade na natureza dos falecimentos.
Comecemos pelo sábado. O sábado é o dia da violência gratuita. Não que haja necessidade de haver um dia apenas para isso, porque os homens estão sempre prontos para serem violentos sem motivo algum em qualquer dia ou lugar, mas no sábado a falta dos afazeres costumeiros lhes fornece bastante tempo para a prática do esporte favorito da humanidade: a autodestruição.
Brigas, brigas, é só o que assisto nesse dia. Uma festa entre amigos, um churrasco, tudo vai bem até alguém lembrar uma velha desavença, o álcool esquenta o sangue e em pouco tempo tenho um “de cujus” fresquinho para cuidar. Interessante ter citado o álcool, em meus delírios sinestésicos o sábado sempre teve cheiro de álcool e o álcool sempre teve cheiro de defunto. É realmente triste observar a tola surpresa nos olhos de quem estava brincando com amigos e de repente se vê arrebatado da vida, a única coisa que supera tal tristeza é o terrível trabalho que se tem para convencer um bêbado de que ele está morto.
Falemos agora do domingo, dia idealizado e eternizado em música e poesia. Para uns o domingo é o dia da praia, para outros, do almoço em família. Há também aqueles para quem o domingo é o dia do “shopping” ou de um entretenimento alternativo. Já para mim, este é o dia do suicídio, e não posso ser culpado por dar um significado tão fúnebre pra tal dia, porque afinal não sou eu quem comete suicídio, são todas aquelas pessoas do almoço em família, banho de mar, “shopping” e tudo mais.
Suicídio é talvez o tipo de morte mais patético que existe, mais ilógico. Como alguém resolve sair de um mundo sem saber como é o outro? É trocar o certo pelo duvidoso, pular em um buraco escuro sem saber onde fica o fundo, enfim, uma típica atitude desses descendentes dos primatas que se autodenominam Homo sapiens.
Os suicídios ocorrem principalmente entre os mais abastados
materialmente. É interessante que os pobres sonham em ficar ricos, e os ricos sonham em morrer, é como um tolo que vive aos pés de uma montanha sonhando em um dia chegar ao topo dela, um dia ele consegue fazer isso, só que ao chegar lá em cima percebe que não há nada melhor para fazer além de pular no vazio. Apesar de ser lamentável, alguns episódios interessantes ocorrem, como o caso daqueles muito poderosos que acham que vão passar para o outro lado com o mesmo poder que aqui possuíam. Falando disso lembro-me de um desses casos, uma chata tarde de domingo, o sol castigando o calçadão da praia, uma egocêntrica celebridade em sua mansão sentada diante de um frasco recheado de drogas. Eu a observo de um canto da sala, enquanto ela vai tomando os comprimidos um após o outro, até que eles começam a fazer efeito e ela pode me ver.
-- Quem é você? Como entrou aqui?
-- Sou alguém que odeia clichês, apesar de não conseguir me livrar desse: “sou aquela que nunca falha”.
-- Então, você é a morte?
-- Não, não sou a morte, sou UMA morte.
-- Uma morte? Uma morte veio me pegar? Sozinha?
-- Sim, uma morte, umazinha só. Não quero abalar sua auto-estima, mas estou certo de que é mais do que suficiente para dar cabo de você.
Sei que meu comentário foi muito cruel, mas tenha a meu favor o fato de que não se pode exigir muita paciência de quem passa sábados e domingos trabalhando sem cessar e sem hora extra.