-O buquê perfeito- Giselle Sato

 
 
Ela estava apaixonada. E quando as pessoas sentem-se desta forma, enxergam a vida mais bonita. Um brilho nas ruas tristes e vazias. O sorriso da criança sentada na calçada. Até quando esta sensação,  manteria o ar mais leve? Ela não sabia. Apenas flutuava e era feliz.

Do outro lado da cidade, o homem sisudo comandava a reunião. Pauta pesada, assuntos urgentes e táticos. Assistiu a pequena explanação de um dos assistentes. Sonhava com Rosa e o jeito suave. Quase podia sentir o perfume de flores. Por muito pouco não perdeu o raciocínio. Pensou que nunca encontraria a perfeição. Ela fazia jus ao nome adocicado. Rosa...


                                     *****

Juntos caminhavam pelo gramado recém cortado. O jardim era estonteante, milhões de espécies de plantas vindas de todos os lugares do mundo. A tarde findava e a brisa suave, aproximou o casal. Seguiram abraçados, sem pressa alguma:

-  Você acredita em destino? 

-  Não. Sou um homem prático.

-  Mentira. Você disse que estava escrito nas estrelas.

- Sim. E agora, vou mostrar meu pequeno paraíso.

-  Nossa! Nunca vi tantas flores  juntas, devem ter mais de duzentos  botões....

- Aqui é meu lugar especial . Gostou?

- Muito. Estou em um mar de rosas. Que mais poderia desejar?


                                         *****


O dia amanheceu chuvoso e frio. Várias ruas alagadas, guarda-chuvas disputando espaço na multidão apressada. Em um beco esquecido: um corpo jovem, hematomas , queimaduras e cortes desfiguraram o rosto.

O detetive e o capitão chegaram ao local. Grupos de curiosos, indiferentes à chuva, assistiam :- Mais uma, não deve ter mais de vinte anos. Foi nosso assassino. Deixou a assinatura de sempre, choques e pétalas de rosas.

- Ele está  mais ousado. É a primeira vez que encontramos  um corpo na cidade.  Vamos tentar encontrar alguma testemunha. Se haviam evidências, a chuva destruiu...

- É a segunda  moça,  em apenas três meses. Ele está ficando descontrolado. O intervalo entre as vítimas diminuiu. Com esta, são onze mulheres.

- Precisamos encontrar uma falha. Alguma coisa que nos leve ao assassino. Esta coitada,  está embaixo de uma montanha de rosas.

- Já checamos todas as floriculturas, depósitos e importadores . É uma quantidade muito grande para passar despercebida. De onde estão vindo estas flores?

- Não podemos deixar chegar à mídia. Estes detalhes precisam permanecer em segredo.

- Até quando detetive? Até quando ele vai continuar matando? 


                                    ****

 
Ele atravessou a recepção e entrou na sala confortável. O céu negro e ameaçador. Observou durante algum tempo o contorno da cidade. O impulso que o obrigava a  matar, era mais forte.   De alguma forma, incontrolável, apesar de ter amado todas. Cada uma, de uma forma especial, tinha trazido sensações deliciosas.

O bem estar de um momento para outro, transformava-se em ódio. Não entendia como podiam ser tão boas e atenciosas. Apaixonavam-se tão depressa, acreditavam em promessas  e faziam planos.  Queriam mudar a vida que ele havia traçado. Ser parte, ficar junto e controlar seus passos. Ciumentas e possessivas. Então, era hora da partida, com direito a uma noite de puro deleite.

O fato de serem, os maiores importadores de flores da Colômbia, facilitava tudo.  Subornos, documentos forjados, clientes fantasmas, tudo planejado com perfeição. As rosas eram essenciais, lindas e  em todos os tons. Ele também as cultivava, em pequena escala, na residência de campo. Mantinha a  casa afastada da cidade, sem vizinhos ou estradas próximas. Uma estufa, em proporções gigantescas, enfeitava a propriedade. A construção belíssima, era bem afastada e garantia total privacidade.

A câmara de horrores enfeitada com a  beleza. Era em meio às rosas, que ele prolongava as torturas por dias e dias.  Mantinha as vítimas presas e suspensas, como pedaços de carne em frigorífico.
Começava aplicando seguidos choques elétricos. Os gritos excitavam, como nenhuma outra forma de prazer.
Lembrou  a última namorada, Rosa apaixonada e crédula:

- Como você conseguiu  ser tão burra? Porque acreditou em um estranho, olhe como está agora...olhe bem.

A mulher  bastante machucada, mal conseguia enxergar o espelho posicionado. Ângulo exato para refletir toda a agonia. O  castigo de assistir cada maldade:

- Por favor...mate...

-  Ainda temos tempo,mal começamos. A outra durou três dias.

- Outra...

- Uma tonta como você, em uma semana veio morar comigo.  Com você,esperei um mês. Menina burra. Um mês!

Ela parou de gritar e vez por outra, gemia  uma espécie de reza. Ele aproximou-se, tentando entender a ladainha irritante. Rosa orava, pedindo que a Morte , trouxesse alívio ao seu destino.

Ele intensificou os choques e os gritos recomeçaram. Subitamente, ela sofreu um ataque epilético e tombou sem vida. Esmurrou  o corpo da moça, seguidas vezes. Desconhecia a doença:- Maldita mentirosa! Se soubesse, jamais teria escolhido você. Não agüentou nada.

O escritório começava a ganhar vida, os funcionários chegavam apressados e ansiosos. Gostava de acompanhar o movimento, de sua sala, através da divisória de vidro. Não tinha nada a esconder, eles podiam vê-lo a qualquer momento.

Sabia que a aparência causava excelente impacto. Usava todos os trunfos em qualquer situação. Era um jogador. Sentia-se quase um Deus:  ele decidia a hora, escolhia quem merecia e podia morrer.

Neste instante, recordando a agonia da moça, sentiu a forte ereção. Respirou fundo e absorveu a energia da excitação. Todo o corpo formigava, em  uma espécie de transe. 

Lentamente, se aquietou e tudo voltou ao normal.
Mais uma vez, havia sublimado as imundícies do sexo. O corpo era um templo imaculado e fonte de sua força. Nunca havia sido profanado por nenhuma mulher.

Jamais fez sexo com as namoradas. Alegava que precisavam esperar até que fossem viver juntos. Sob o mesmo teto, como um casal, teriam a primeira noite de amor. Algumas choravam, emocionadas diante de tanto respeito.

Abriu a agenda e consultou as reuniões. Precisava encontrar a última rosa. Compor o buquê perfeito. Talvez devesse adiar algum tempo antes de sair em campo.

Normalmente,  a hora do almoço era um imenso aquário. Ia de uma ponta à outra da cidade, vasculhando pequenas lanchonetes.  Observava atentamente, acompanhava a escolhida durante semanas. A perfeição exige paciência e tempo. Nunca se arrependeu de nenhuma escolha.



                                     *****


A chuva  caía forte. A estrada era muito bem sinalizada e a pista em ótimo estado. Não havia com que se preocupar. Gostava de dirigir ouvindo uma bela  ópera. O carro ainda tinha o cheirinho de fábrica. Relaxou.

 Logo depois da curva principal, os faróis iluminaram um  vulto parado na pista. Uma mulher acenava, pedindo socorro. Provavelmente algum defeito ou pneu furado. Para ele, as mulheres não tinham habilidade e  eram negligentes.

Freando devagar, aproximou-se contrariado. Não queria socorrer ninguém. A mulher que se danasse! Num impulso, desviou  e pegou a pista contrária.

Uma carreta descia a serra.  Pesada, transportando combustível.   Abalroou  o Peugeot, arrastando-o por alguns metros.  Ele sentiu  o volante esmagando o peito e os ossos estalando, enquanto se partiam. Urrou,  a dor além do insuportável.

Instantes que pareceram uma eternidade. O compartimento de carga virou, espalhando a gasolina. Ocorreu a primeira explosão e a carreta voou aos pedaços.  Estranhou o fato de manter a consciência e assistiu o corpo arder em chamas.

Aspirou  o cheiro da carne queimando  e viu  a barriga estufar-se até romper a pele. Entrou em desespero: -  O que está acontecendo? Porque não morro? Quero morrer!

A Morte ainda sob a forma da mulher da estrada, observava. Havia  enormes buracos negros no lugar dos olhos.   Os rostos de todas as mulheres mortas, surgiram  nas labaredas  que rodeavam a figura.  Finalmente entendeu o verdadeiro significado da morte. Tarde demais, não haveria clemência...

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 13/12/2008
Reeditado em 19/12/2008
Código do texto: T1334183
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.