O ritual de Isadora

O tempo pode ser percebido como um vento que penetra e a sombra de uma noite eterna. O tempo escorre e suplanta, sem piedades a tudo, sendo a metamorfose da vida uma constante em todos os dias, onde dentro de um universo inexplicável tudo se nasce e tudo se morre.

Mas para alguns indivíduos a amnésia chegara para amortecer a dura realidade de envelhecer e morrer, sendo o momento seu especial significado.

Para Isadora Dupret essa realidade não chegara. Era apenas uma noite após a outra viva em sua memória. E como que dentro da historia a fizera uma das mulheres mais importantes da sua geração: Isadora Dupret fora uma cantora de Bossa Nova e estaria terminando sua vida em um hospício, sedada, lesada, humilhada, longe dos palcos, dos amigos e do sucesso.

O problema psíquico a fizera esquecer-se de tudo, era agora uma mulher sombria, presa sobre as quatro paredes daquele lugar, vivendo suas reminiscências, acreditando que um belo dia aquilo iria mudar.

E poderia mudar; Isadora agora era dona de um poder e no resto de suas lembranças encontrara um ponto de partida para essa sua nova vida, um reinicio, um ritual. Entregara-se a Hecate, a Deusa do inconsciente, origem da criação feminina e teria que fugir do hospício por uma noite.

Mas quais seriam os desejos de Isadora Dupret? Ah! Ela tinha em mente a idéia de ter um corpo são, livre dos remédios, dos médicos, e possuía um forte sentimento de querer novamente a alegria, que seria rememorada através de uma apresentação artística. Sim, ela queria cantar pela ultima vez e sentir novamente a emoção do palco e dos aplausos.

E este desejo seria atendido através de um pacto com a Deusa e ela prometia que este seria o ultimo de sua vida.

Sabia que com o pacto teria condições de voltar a cantar, rever os amigos, os parentes e não ficaria mais encurralada em um

Hospício. Estava pronta, dentro de um sentimento de expectativa e atenção. Ali ela estava perdida nos limites do tempo, dos amores, do dinheiro e da fama. Queria ter mais consciência sobre as razoes que a trouxeram a um lugar tão triste e melancólico, onde a solidão e a decadência obtinham uma dualidade imparcial.

Dentro do sol fraco daquela tarde de outono ela sabia de sua expectativa e de sua importância um dia em sua via, quando através da musica conquistara os continentes, as rádios e a fama. Tudo era original em sua vida, em seu senso de trabalhar com lado emocional das pessoas. Ela não estava presa a uma nostalgia, apenas sentia-se triste por não ter mais direção e fora então que se lembrara do ritual.

Naquela madrugada, Isadora conseguira sair da clinica e perambulava pela rua sozinha, apenas carregando consigo uma sacola. Tinha que procurar um cemitério, onde evocaria os mortos, e os Deuses subterrâneos. Estava obstinada em seu objetivo e sabia que conseguiria trazer sua gloria de volta, que todo aquele pesadelo era apenas um período.

E andara pela cidade escura e sombria, onde todas as cores, todos os sons não remetiam a ela mais nenhuma freqüência conhecida. Os anos adormecidos e o isolamento a fizeram uma mulher sem passado, sem referencias e o brilho que por uns tempos a transformara em uma estrela não mais a pertencia.

Ela estava só! Apenas a sua fé a impulsionava em seguir em frente, onde o espírito da Deusa estava presente por todos os cantos. O portal se abrira, dando um aspecto de tremendo mausoléu abandonado e as estatuas, as cruzes, as sepulturas se remetia a imagem da Deusa, e ela agora patrocinava um espetáculo importante na suas concepções já mortas.

“Estou pronta.”- Afirmara para si mesma e uma ponta de esperança interagira em seu ser onde como se toda a sua vida desenrolasse naquela escuridão sinistra.

Ninguém descobria que ela era uma bruxa. Mas na verdade já nascera uma feiticeira e todo o seu sucesso, toda a sua fortuna fora conseguida através da magia. Agora que se encontrava em sua fase minguante de sua vida, já sentido-se velha, queria apenas um contato , um momento para suplicar ajuda, sentia que seria ouvida.

Com a Mao direita ela pegara o maço de velas negras e formara um circulo, escolhera uma tumba de mármore escuro onde uma enorme estatua distribuía bênçãos , e a neblina da noite e a escuridão do lugar fora dissolvida pelo acender do fogo.

- Hecate! Hecate ! Aqui estou como uma escrava pedindo vossa misericórdia. Faça-me saudável novamente, bonita e famosa, a vós Deusa dos subterrâneos, me ajude, eu ofereço a minha alma em troca da vida que tive.

Mas um estrondo foi sentido vindo das profundezas do tumulo de mármore escuro e mil vozes fora ouvidas no ar. Entre gargalhadas e gritos uma voz tomara forma e estas foram se transformando em palavras e disseram a Isadora.

- Fostes uma mulher bonita, rica e famosa. Durante décadas dominastes o mundo com sua referencia. Quantos amantes não tiveram, perdidos de paixão, quantos crimes não cometeram... mas agora que estas morta não peça mais nada, pois pela lei de causa e efeito vós serás conduzida ao limbo de onde não sairás nunca. Olhe na capela deste cemitério, lá depois do caminho escuro; é o seu corpo que esta sendo velado para um funeral restrito. Pegue o caminho do sul e siga seu destino.

Isadora conduzira-se a ate a capela e lá pode apreciar o próprio corpo sendo velado. Uma tristeza a atingira por dentro como um golpe mortal, mas prendera as lagrimas e como alma penada caminhara para o sul, sendo que seu final seria no limbo.

Fora então que dentro do limbo deitara-se sobre o vale das sombras e, analisando sua nova realidade sentira uma angustia insuportável e finalmente pos-se a chorar. Suas lagrimas expressavam sua dor, sua derrota, e no imenso vale Isadora seria apenas mais uma alma sofredora.

Muito tempo se passara ate que ela ficasse conhecida como a senhora das lagrimas e estas eram tantas que um poço fora emergido das profundezas escuras e todas as outras companheiras de sofrimento fora batizado como o poço dos esquecidos.

O escuro remetia uma zona sombria e todos os habitantes daquela esfera silenciosa e sem cores matavam sua sede no fundo do poço dos esquecidos, com as lagrimas da triste, solitária, esquecida e infeliz Isadora.

FIM

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Joaquim Dark
Enviado por Joaquim Dark em 10/12/2008
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