A VOLTA

O homem mal precisa encostar o dedo na campainha que a porta se abre.

-Meu Deus, mas é uma honra!, exclama o anfitrião, sem conter o entusiasmo. O homem retribui a euforia com um sorriso gentil, mas não sabe quem é o anfitrião. Nunca tinha visto o sujeito na vida, nem tampouco entende a estranha intimidade das palavras do falastrão sorridente.

-Mas você tá ótimo! Lurdes! Olha quem chegou! Meu Deus! A casa é humilde, mas é sua! Vamos entrando, vamos entrando...

De humilde, a casa não tem nada. É um casarão, onde se amontoam mais de cem convidados, todos usando black-tie. O homem repara que está de jeans e chinelo. Mas ninguém liga pra aparente gafe. Pelo contrário: na festa, todos acenam como se ele fosse uma celebridade. E o mais incrível é que o homem não conhece ninguém. Uma senhora, visivelmente emocionada se dirige a ele. “Como você cresceu” é o que ela diz, mas ele não sabe quem é aquela velha.“Desde quando você não aparece? Um ano, dois?” Ele não sabe responder. Na realidade, ele poderia jurar que nunca havia pisado naquela casa durante toda a sua vida. Que história era aquela de "um ano ou dois"? Há dez anos que ele estava fora do país, na... qual era mesmo o nome do país?

- Você não tem vergonha?

Seus pensamentos são interrompidos por uma mulher. Muito ressentida, aparentemente.

-Te esperei durante todo esse tempo e agora você me aparece assim...

Ele tenta explicar, mas ela se antecipa. O que é bom, já que ele não sabe o que dizer.

-Canalha!

Ela joga uísque na cara do homem. O escândalo é geral. Uma dupla de seguranças se encarrega de botar porta afora a autora da agressão. O anfitrião surge com uma toalhinha.

-Lamento, lamento. Todos nós sabemos que ela é uma mulher desequilibrada, mas nunca pensamos que as coisas iriam chegar a esse ponto.

O homem começa a ficar bem nervoso. Não sabe onde está, o que está fazendo naquela festa, não sabe quem é o anfitrião que lhe cobre de gentilezas, não sabe quem é a velha que se emocionou e nem conhece a mulher que jogou o uísque na sua cara quanto mais o que fez no passado para merecer aquilo. Há tempos não tinha envolvimentos com mulheres . A última tinha sido a ... qual era o nome da moça, meu Deus?!

-Mas me contaram e eu não acreditei! Você! Você!

Agora é um gordo careca, meio bêbado e absolutamente eufórico. Ele fala bem perto do homem e seu hálito não é nada agradável.

-Vamos festejar os velhos tempos. Tá todo mundo aqui! O Oto, a Laura , o Fred, o Cris e até a Julieta!

E aproximando o bafo de onça:

-Ela nunca te esqueceu, rapaz...

O homem em desespero sente as lágrimas brotarem. Uma mistura de pânico com tristeza. São todos tão amáveis e ele não se lembra de ninguém. Alguém no fundo, provavelmente o Oto, grita : “Ele tá emocionado” e uma chuva de aplausos percorre o salão. O vocalista da banda anuncia a próxima música dizendo que ela será dedicada a uma pessoa muito especial. Todos olham para o homem. Uma canção que ele nunca ouvira antes percorre o ambiente. É quando a mão de uma mulher toca seu ombro.

-Lembra de mim?

Ele não lembra. Mas dá um chute:

-Julieta?

Ela não responde. Abraça seu pescoço e o tira pra dançar.

- Essa música... sua musica..., ela sussurra.

“Minha por que?”, pensa o homem. “Eu nunca ouvi essa música antes. E meu Deus, como eu danço mal.”

A mulher parece não se importar. Sua cabeça está aninhada no peito do homem. Ela é de baixa estatura por isso tem que ficar na ponta dos pés pra beijá-lo. “Eu estava com saudade” ela diz, enquanto se aninha de novo. O homem já começa a achar a festa um pouco mais agradável. Mas a alegria dura pouco. Um garçom que servia os canapés deixa cair a bandeja com um estrondo e grita no meio do salão:

-Finalmente voltamos a nos encontrar!

Julieta, ou seja lá quem ela for, dá um grito:

-Por favor, vai embora!

O homem não sabe se quem tem que ir embora é ele ou o garçom, por isso fica parado. E depois, ir embora pra onde? Ele já não lembrava onde era sua casa. O garçom está vermelho.

-Eu era milionário e por sua causa virei um garçom de merda, porra!

Os seguranças vem correndo. O anfitrião esbraveja, num lamento sentido:

-Outra confusão! Desse jeito ele não volta mais!

E antes que o garçom possa ser detido, ele saca um revólver e aponta para o homem. Julieta , ou a mulher que ele achava ser Julieta, mesmo sem saber quem tinha sido a Julieta na sua vida, entra na rota da bala e cai morta instantâneamente com um tiro na cabeça. O pânico toma conta do salão. Muitos se lançam sobre o homem para proteger sua vida. O garçom agora quer se matar, mas os seguranças o impedem. O anfitrião aparece com um paninho pra limpar as manchas de sangue.

-É somente um desocupado. O senhor aceita sua bebida preferida?

O homem chora. Como se não bastasse tudo isso, ele ainda não faz a mínima idéia de qual é a sua bebida preferida.

Leonardo de Faria Cortez
Enviado por Leonardo de Faria Cortez em 01/12/2008
Código do texto: T1312321
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