A Grávida

Mariana era uma moça de vinte anos, romântica e ingênua. Namorava Marcelo, um rapaz que a amava muito.

Mariana vivia sozinha naquela cidade. Seus pais haviam morrido alguns meses antes, e por não ter família, aprendeu a se virar sozinha. Morava sozinha na casa que lhe fora deixada pelos pais. Não era uma casa muito grande, mas era confortável e bem arrumada, o suficiente para uma moça solteira como ela. Mariana tinha um emprego modesto, mas que garantia seu sustento.

Marcelo, por sua vez, era um rapaz cheio de planos. Estava se preparando para entrar para a faculdade e aceitar um trabalho oferecido pelo pai, um homem de posses.

O romance de Mariana e Marcelo ia bem, até que ela descobriu que estava grávida. Ingênua, ela acreditava que Marcelo ficaria feliz e a pediria imediatamente em casamento. Cheia de planos e muito radiante, ela escolheu seu melhor vestido para a ocasião. Era um vestido branco de tecido leve, que Marcelo lhe dera na época de natal. Ela ficava linda naquele vestido.

Mariana se embelezou toda para contar a notícia a seu amado Marcelo. Marcelo estava ansioso para saber o que a namorada tinha para contar. Mariana tinha um sorriso de ponta a ponta. Então revelou:

- Você vai ser papai!

Um silêncio se fez pela casa. dava quase para escutar as batidas do coração emocionado de Mariana.

Marcelo não falava nada. Ele estava paralisado, chocado com a revelação.

- E então? – ela perguntou – Não vai falar nada?

- O que é isso Mariana? – ele perguntou, indignado. – Você está brincando comigo?

Agora foi a vez de Mariana tomar um choque.

- Brincando? – ela não entendeu. – Eu? Eu nunca brincaria com uma coisa dessas.

- Então...

- Eu estou grávida! – ela disse, sorrindo.

- E você me diz isso assim! – Marcelo explodiu.

Mariana não conseguia entender a reação de Marcelo. Ele pegou-a pelos braços, apertando com força e sacudindo-a.

- Você tem certeza disso?

- E-eu...- ela estava trêmula – eu fiz o teste...

Ele a soltou. Mariana massageou os braços.

Marcelo estava fora de si. Não podia acreditar.

- Eu não posso ter um filho agora! – disse aflito – Eu tenho a faculdade, meu pai me ofereceu um emprego na empresa... a minha vida está só começando! – Você é mesmo uma desmiolada! – ele explodiu.

- Você não pode me ofender assim! – ela estava indignada – Eu não fiz esse filho sozinha!

- Mas eu não foi assumir o SEU filho!

- Você disse que me amava... – Mariana chorava.

- E eu te amo. Mas se quiser ficar comigo, vai ter que ser sem essa criança...

- Eu não posso!

- Então, não tenho mais nada a fazer aqui...

Marcelo saiu, batendo a porta. Mariana, chorando, correu atrás dele, implorando para que ele voltasse. Marcelo entra no carro e não dá ouvidos as suplicas da desesperada Mariana, que bate no vidro do carro. Ele arranca, fazendo-a cair no chão.

Mariana fica jogada no chão, chorando e lamentando-se de sua triste sina.

O mundo de Mariana estava desmoronando. Ela não tinha ninguém no mundo, só Marcelo e, agora, ele a havia abandonado com um filho no ventre.

Mariana chorou, chorou e quase entrou em depressão. mas, por fim, viu que não valia a pena se lamentar, e que aquele filho era uma benção. Ela o teria e o criaria com muito amor. Aquele bebê era a única coisa importante que ela tinha na vida, e ela não abriria mão dele.

Os meses foram se passando e, à medida que a barriga crescia, Mariana ia ficando mais orgulhosa e ansiosa. Havia preparado todo o enxoval do bebê e se preparava para escolher um nome. Ela era zelosa e tomava todos os cuidados, tudo para o bem do seu bebê.

Apesar de tudo, Mariana tinha amigas que a estimavam e não lhe abandonavam. Ruth era uma dessas amigas, mas Ruth era mais especial, pois era sua melhor amiga. Ruth sempre estava ao lado da amiga. Foi amiga de Marcelo também, mas agora o odiava do fundo do coração. Mariana era a melhor pessoa do mundo e ela não entendia como aquele canalha pôde abandoná-la daquele jeito, ainda por cima grávida. O safado sabia que ela era sozinha no mundo, por isso se aproveitava. Sabia que Mariana era frágil e não o obrigaria a nada.

Ruth ajudava à amiga como podia. Mariana era uma moça forte e saudável.

Os meses foram passando. Mariana estava no oitavo mês de gestação. Foi então que algo inexplicável lhe aconteceu, numa noite silenciosa. Mariana contemplava as coisinhas do bebê, quando sentiu um estranho mal-estar e desmaiou.

Quando Ruth apareceu no dia seguinte, estranhou todo aquele silêncio. Mariana estava de licença devido o seu adiantado estado de gravidez, então sempre que podia, Ruth aparecia na casa da amiga. Ela trazia alguns paezinhos doces que Mariana adorava e leite fresquinho.

Estava tudo muito silencioso e a porta encostada. Ruth chamou e nada de resposta. Decidiu entrar.

- Mariana? – chamou, enquanto entrava na casa – Está acordada? Eu trouxe aqueles pãezinhos com açúcar que você adora...

Não obtendo resposta, Ruth foi entrando. Entrou no quarto da amiga e não encontrou. Foi ao quarto que seria do bebê. Para seu desespero, Mariana estava caída do chão. Estava morta.

Ruth soltou um grito de desespero.

Os para-médicos foram chamados. Não havia explicação para a morte de Mariana. Disseram que ela estava morta há algumas horas e que o bebê não havia sobrevivido.

Ruth estava desolada. Mariana era sua melhor amiga. Conheciam-se desde pequenas. Ruth estava cuidando dos preparativos para o enterro de sua amiga. Outras amigas, compadecidas, também colaboraram. Ruth escolhera aquele vestido branco de tecido leve que Mariana tanto adorava. Aquele que ela ganhou daquele canalha que ela tanto amou.

- O vestido preferido dela – disse, com voz suave e uma expressão tenra – ela ficava linda com ele. Foi aquele canalha quem deu pra ela no natal...

A voz doce de Ruth deu lugar a uma voz carregada de amargura. Ruth amaldiçoava Marcelo.

- Minha amiga morreu de desgosto por causa do abandono daquele maldito... – Ruth dizia, cheia de amargura, enquanto preparava as roupas de Mariana.

- Não fica assim amiga. Todas sentimos a morte dela. Mas agora, ela está em paz com os pais dela... – disse uma das amigas, consolando Ruth.

Horas mais tarde, o velório de Mariana foi realizado. Apesar das circunstancias, optaram por deixar mãe e filho juntos, no mesmo caixão.

Mariana foi, por fim, enterrada ao lado dos pais no cemitério da cidade.

Perto do cemitério morava um homem, Pedro, e seu filho Augusto. Pedro vendia leite fresquinho, de excelente qualidade. Seu filho Augusto era um jovem de vinte e poucos anos, bondoso e estudioso. Passava altas horas da noite com a cara enfiada nos livros, em seu quarto, que ficava no segundo andar da casa. na hora do lanche, Augusto aproveitava pra dar uma olhadinha pro movimento lá fora. Tudo bem que a vista não era das melhores – ficava de frente pra uma rua que dava para o cemitério – mas ele gostava de observar a noite.

Foi então que, numa bela e calma noite, Augusto estava do lado de fora de casa, arrumando uma bicicleta. Foi então que uma bela jovem com uma caneca na mão se aproximou dele e pediu, com voz gentil:

- Por favor, você teria como me arrumar um pouco de leite? – e ela mostrou a caneca, num gesto tímido.

A moça era tão bonita e meiga que o filho do leiteiro não pôde recusar. Pegou a caneca dela e disse:

- Espere um instante. – e correu para dentro de casa. voltou com a caneca cheinha de leite.

- Muito obrigada! – ela sorriu, agradecendo e indo embora.

Augusto olhou a jovem se afastar. Não deu muita importância, embora achasse curioso uma jovem tão elegante – num esvoaçante vestido branco – aparecer àquela hora da noite para lhe pedir uma simples caneca de leite.

No dia seguinte, Augusto já havia praticamente esquecido o episódio da “moça do leite”, quando, mais uma vez, ela apareceu.

Augusto voltava da casa de um amigo, quando a jovem apareceu. Ele tomou um susto daqueles, pois não percebeu ela se aproximar.

- Por favor, você teria como me arrumar um pouco de leite? – e ela mostrou a caneca como da outra vez.

Augusto olhou intrigado para a jovem mas não fez nenhuma pergunta. Fez como na noite anterior.

Ao voltar com a caneca, a moça agradeceu e seguiu seu caminho.

Augusto achou aquela atitude muito estranha, mas mesmo assim não quis pensar muito. Foi para o quarto. Quando chegou ao quarto, olhou pela janela. Talvez pudesse ver a moça da rua. Dito e certo: lá ia ela, com a caneca na mão, atravessando a rua. Ela dobrou a esquina e depois não deu pra ver mais nada.

No terceiro dia, Augusto estava sozinho em casa. foi quando alguém tocou a campainha. Para sua surpresa e espanto, era a mesma moça das duas noites anteriores. Ele se adiantou.

- Já sei, veio pegar o leite né? – e riu.

Ela assentiu com a cabeça e mostrou a caneca.

- Moça, você é muito estranha... de onde você vem?

A moça parecia apressada e aflita. Olhava para trás o tempo todo.

- Tudo bem, já vou buscar seu leite.

Logo depois, Augusto voltou com a caneca de leite. Entregou a moça, que agradeceu como de costume e foi embora.

Augusto estava curioso e disposto a saber qual era a daquela moça. Decidiu segui-la.

Augusto seguiu a jovem. era incrível como ela não reparava que estava sendo seguida, pois Augusto não fazia o mínimo esforço para manter-se oculto. Era como se ela o ignorasse totalmente.

Para o espanto de Augusto, a moça entrou no cemitério. Um calafrio subiu-lhe a espinha, mas ele não hesitou. Iria até o fim.

Ele seguiu a moça. Era estranho, mas ele sentia que ela o estava atraindo para algum lugar.

Por fim, a moça parou num túmulo mais à frente.

- Ei rapaz!

Augusto teve um susto daqueles. Ele virou em direção à voz. Uma luz veio bem em cima da sua cara.

- O que cê tá fazendo aqui rapaz? – dizia a voz por traz da luz.

A luz estava ofuscando a visão de Augusto que não conseguiu ver o dono da voz.

- E-eu... eu vim atrás da moça...

- Que moça rapaz? – o homem então abaixou a lanterna e Augusto pôde ver seu rosto. Era o coveiro, muito enfezado. – Ce tá de brincadeira com a minha cara né? Como é que cê entrou aqui?

- O portão estava aberto...

- Não é possível, eu mesmo tranco o portão. Você veio violar os túmulos não é rapaz?

- Não, eu juro que não. – disse Augusto, com firmeza – Tinha uma moça aqui, uma moça de vestido branco, o senhor não viu?

- Olha rapaz, é melhor você ir embora antes que eu perca a paciência...

Augusto viu que não tinha jeito mesmo e foi embora.

Augusto passou a noite toda em claro. Ele estava decido a tirar aquela história a limpo.

No dia seguinte, ele foi ao cemitério. Lembrava exatamente de onde a tal moça tinha parado.

Quando avistou o túmulo onde a moça parou, viu uma moça que depositava flores. Ele não perdeu tempo e apressou o passo. Pôs a mão no ombro da moça, crente de que era a tal moça de branco. Ele a virou bruscamente e Ruth teve um sobressalto.

- Você é louco – ela indagou, desnorteada com a reação do rapaz. Augusto estava com uma aparência horrível, devido às olheiras.

Augusto ficou em silêncio. Ruth estava indignada. Então o coveiro da noite anterior apareceu.

- Você aqui de novo rapaz? – disse, com voz áspera.

- Eu posso explicar.

- Não há nada o que explicar! Ponha-se daqui pra fora! – sentenciou o coveiro, já pegando o braço do rapaz.

Nisso, algo rolou para junto dos pés de Augusto. Era uma caneca. Ele sentiu um calafrio que só foi intensificado por um choro de criança.

- Vocês ouviram? – perguntou Augusto, de olhos arregalados.

Outra vez o choro, agora mais forte.

- Está vindo daqui de dentro! - Augusto apontou para o túmulo.

- Sim, eu estou ouvindo! – confirmou Ruth.

O choro ecoou mais forte ainda.

- Minha nossa senhora! – o coveiro se benzeu.

- O choro vem daqui de dentro, sim! – Ruth estava convencida. – O senhor tem de abrir esse tumulo!

- O quê?

- Não está ouvindo! – perguntou Augusto – Tem uma criança VIVA aí dentro!

- Será? – Ruth não podia acreditar. Algo surreal lhe passava pela mente.

Augusto e coveiro puseram força e conseguiram remover a pesada tampa de mármore do túmulo. O caixão apresentava sinais violação na tampa. O coveiro exclamou.

- Deus! Parece que tentaram quebrar o caixão, de dentro para fora!

Usando um pesado objeto, finalmente o coveiro conseguiu destravar o caixão. Ao abrir a tampa, uma macabra surpresa chocou a todos... O coveiro tirou o chapéu, levou ao peito e se benzeu.

- Sangue de Jesus!

Ali, entre as pernas ensangüentadas de mariana, um bebê forte e perfeito chorava a plenos pulmões... Ruth, mais que depressa, pegou o bebê nos braços.

Augusto, por fim, reconheceu a moça das noites anteriores, em seu vestido branco e sua face, agora serena. Enquanto Augusto refletia, mais uma vez, o coveiro disse, horrorizado:

- Ela ainda estava viva...

Augusto abaixou-se e pegou a caneca. Olhou Mariana pela última vez. Agora sim, Mariana poderia descansar em paz...

Dama dos Mistérios
Enviado por Dama dos Mistérios em 30/10/2008
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