2002 - São Paulo by Night
Brasil, novembro de 2002.
Uma onda de calor envolve o globo terrestre. A maior em cem anos.
Quarenta graus na sombra!
Até mesmo os vampiros, imortais, sentem certo incomodo com a temperatura tão elevada.
São Paulo. Pouco depois das onze da noite...
Pelas ruas de Itaquera um homem corre. A parte de cima de seu corpo em carne viva sangra abundantemente.
Algo metálico rodopia no ar, cravando-se em suas costas.
O homem grita com um terror mortal na garganta.
Ele cai engasgado com seu próprio sangue. A ponta afiada da machadinha aparecendo em seu peito.
Uma moça, de longos cabelos negros corre alegremente até o cadáver ainda quente. Arranca a machadinha e lambe a lâmina afiada.
Delicia-se com o gosto do sangue.
Do alto de um dos prédios do conjunto habitacional, um jovem índio de longos cabelos compridos a observa sério.
A moça ia acenar para ele quando nota em uma das pernas do morto uma pequena tatuagem.
Resolve mostrá-la para o companheiro.
Com sua afiada unha corta a pele. Arrancando o desenho completamente.
Está tão entretida na delicada operação que não nota a aproximação da polícia blindada.
Três fardados esvaziam a viatura jogando seus fortes holofotes contra a garota.
Ângela se levanta de um salto, a luz a ofusca.
Vendo a machadinha coberta de sangue a polícia reage rápido.
- Angel... – sussurra o vulto, saltando do alto do prédio.
A polícia blindada atira com os fuzis. Os coices dos balaços jogam a garota no chão.
A moça agarra firmemente o pedaço de pele tatuada.
Apesar dos dois rombos no peito e um no estômago, um dos fardados vêm checar se ela está viva.
Outro mantém guarda perto da viatura blindada quando nota um movimento suspeito.
Joga a luz do holofote para se certificar.
Não há nada lá.
Um leve suspiro ao lado do oficial faz com que este se assuste.
Antes que possa se virar sente uma dor sem tamanho nas costas.
Morre antes que possa tocar o chão.
Atrás dele, um rapaz, cujos olhos emitem um sinistro brilho avermelhado, segura o coração arrancado. Pulsante ainda.
Os outros fardados viram-se ao ouvir o baque do corpo do companheiro que cai ao solo.
- Jorge? – chama o sargento Marcos. – Você está bem?
Neste momento repara no rapaz próximo ao seu companheiro caído, com algo estranho nas mãos.
Sem pensar duas vezes o soldado Orlando dá um tiro de fuzil no índio.
Este não se move.
Não pode ter errado, pois é considerado o melhor atirador do quartel. Mira novamente no peito e atira.
Novamente o jovem de longos cabelos negros não se mexe. Seus olhos brilham vermelhos na escuridão.
- Ah Merda!
O sargento Marcos ia atirar na cabeça do índio quando sente um calafrio percorrendo seu corpo.
Percebe um movimento furtivo atrás de si.
A garota morta havia levantado.
Ele se vira rapidamente e o que vê é medonho.
Ela tem os dentes saltados como os de uma serpente e seus olhos brilham vermelhos e mortais.
Com um golpe seco desarma o sargento. Seus dentes se cravam fundo no pescoço dele.
Apesar de se debater violentamente Marcos sabe que está a um passo da morte.
Ângela suga fortemente e só o solta quando o coração pára de bater.
Solta o corpo sem vida e o fardado cai pesadamente no chão.
Ela vê o acertar vários golpes de punhal no soldado Orlando para dilacerar as marcas das mordidas que deu corre em sua direção.
Os dois selam um beijo sangrento.
- Saturno... Meu amor... – murmura ela lambendo os lábios de seu amante imortal.
Os olhos do rapaz voltaram ao seu negro luzidio habitual.
Ele dá um leve sorriso.
- Está doendo? – pergunta ao notar os buracos dos tiros de fuzil que ainda não tinha se fechado.
A garota balança a cabeça negativamente. Ela passa a mão no peito atlético do índio.
Os furos já haviam sumido.
- Seu corpo se cura tão rápido...
Ela fez beicinho.
- É porque tenho mais de quatrocentos anos. Você chega lá!
Apesar dos abafadores de som, Saturno escuta com sua audição aguçada, a aproximação de três blindados.
Agarrando a vampira pela cintura o imortal dá um grande salto caindo para o lado de dentro de um conjunto.
Ele pôs o dedo nos lábios pedindo silêncio.
Ângela fica completamente imóvel como só os filhos da noite conseguem.
Os fardados jogam as luzes dos fortes holofotes em todas as direções.
Quando encontram os companheiros mortos os fardados chamam reforços e começam a correr em todas as direções.
Aproveitando a agitação, Saturno e Ângela fogem saltando de sombra em sombra.
Sobem em um vagão de carga que vai a direção ao centro.
Os dois começam a tirar a roupa com sofreguidão sentindo os contornos um do outro.
Ficam deitados, nus, sobre o trem em movimento. Embalados pelo leve balanço dele.
A jovem vampira começa a relembrar o inicio da sua primeira caçada sozinha...
Duas semanas antes alguns imortais estavam em um bar na Penha, esperando o show de uma banda chamada Rigor Morthiz, que faz um som estilo Black Sabbath quando um servo humano se aproximou com uma notícia:
- Cês sabem da Cíntia? Foi estrupada e tá quase morrendo no hospital!
Todos lamentaram o ocorrido, pois a garota era uma humana muito interessante e cheia de vida.
Ângela quase esganou o sujeito para saber o endereço do hospital.
Fora Saturno, todos os imortais na mesa estranharam a atitude da vampira, afinal não é comum um filho-da-noite ter tanta afeição por humanos, fonte de seu alimento.
O índio e a garota saíram pela noite e de táxi foram até o hospital Santa Marcelina em Itaquera.
No momento em que chegaram foram direto ao balcão de informações, onde uma recepcionista mal educada informou o quarto onde Cíntia estava, mas começou a discutir com eles dizendo que como não eram da família não podiam visitá-la.
Ângela ia armar o maior barraco quando seu companheiro apertou seu ombro levemente.
- Escute moça. Olhe nos meus olhos... – pediu o vampiro suavemente.
A atendente revirou os olhos com visível enfado e o encarou.
Minutos depois alguém a chamou, tirando-a do transe e ela não se lembrava dos dois vampiros que acabara de atender.
Eles subiram as escadas rapidamente. Ao chegarem ao andar espreitaram por entre as sombras.
Entraram no quarto onde estava Cíntia sem serem vistos.
Quando Ângela a viu entubada se assustou muito com seu estado.
Sua cor lembrava a dos imortais. Branca, opaca e sem vida.
Saturno segurou a mão fria de sua amada e a apertou, confortando-a.
- Ela está morrendo... – disse o índio baixinho.
A jovem vampira grunhiu baixinho. O ódio transbordava em sua voz:
- Salve-a. Transforme-a em uma de nós e leia a mente dela para saber quem fez isso. – ordenou a garota.
O jovem de longos cabelos negros a olhou nos olhos com uma tristeza de um jeito que ela nunca tinha visto antes.
- Se eu a transformar, ela vai perder algo da memória e se eu tentar ler sua mente... Ela pode morrer...
Ângela piscou as longas pestanas. Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo.
Seu ódio a levou a tomar uma decisão precipitada.
- Leia a mente dela! – ordenou.
- Tem certeza?
Apesar de um pouco balançada pela pergunta, foi com frieza que respondeu:
- Nós precisamos pegar esse desgraçado!
O índio assentiu com a cabeça.
Tocando o rosto inerte de Cíntia começou a fazer a garota relembrar os momentos terríveis que havia passado.
A garota gemia e contorcia-se. Seu coração batia descompassadamente.
Saturno passava por todos os tormentos observando como um frio espectador.
Via a garota sendo violentada ininterruptamente. O sofrimento e a humilhação. O índio viu o rosto do assassino pouco antes de ele a estrangular.
Uma súbita escuridão envolveu Saturno como uma onda. Assustado ele tentou mover seu corpo astral para fora da mente dela.
Algo o puxava para o nada e foi preciso uma força de vontade férrea para conseguir escapar.
O vampiro caiu no chão quando conseguiu se soltar da garota. Ela imediatamente teve fortes espasmos até que parou.
Do canto da boca entreaberta de Cíntia um longo fio de saliva escorreu.
- Transforme-a! AGORA! – gritou Ângela desesperadamente.
Saturno a olhou. Com seu habitual modo gélido avisou:
- Ela já esta morta. A alma abandonou o corpo.
Mal acabou de falar, o equipamento começou a apitar indicando que o coração dela parou.
A vampira cerrou as mãos e soltou um grito de agonia.
No corredor, um enfermeiro se assustou com o grito e correu em direção ao quarto.
Abrindo a porta, a primeira coisa que o profissional notou foi a janela aberta.
A cortina verde balançava embalada pela leve brisa da noite.
Ele olhou para fora. Se não estivesse no sétimo andar, juraria que alguém tinha saído por ali.
Após algumas tentativas de revivê-la Cíntia foi declarada morta.
O tornozelo de Saturno estava quase cicatrizado. Ele o tinha quebrado durante o salto, carregando Ângela.
- Eu vou matá-lo! – avisou o indígena.
Desde que fora iniciada, a vampira nunca havia discordado de seu criador e amado em nada.
Aquela noite foi diferente:
- Não! Eu vou caçá-lo como o animal que ele é! – grunhiu a jovem.
O imortal a observou com seriedade e respeito. Não ousou discutir a decisão dela.
Beijou-lhe levemente a boca, transmitindo para a mente dela tudo o que havia captado nas memórias de Cíntia.
Com ódio redobrado Ângela ficou firmemente determinada a arrancar o couro do estuprador.
Nas semanas seguintes tomaram o cuidado de obter o máximo de informações possíveis sobre o caso.
Para isso não hesitaram em invadir delegacias e hospitais.
Descobriram que o assassino já tinha matado mais quatro garotas, atuava dentro do distrito de Itaquera. E sempre matava as vítimas do mesmo modo, estrangulamento.
Os dois filhos da noite começaram a fazer um trabalho de campo. Sem dúvida a parte mais monótona.
Foram noites e noites com Ângela se expondo como isca.
As pessoas do bairro sabendo do maníaco a solta e do pouco empenho da polícia em prendê-lo evitava sair à noite. Um tipo de toque de recolher voluntário.
Isso tornava a caçada mais fácil, pois menos gente nas ruas, mais probabilidades de se tornar uma vítima.
Esta noite, quando estavam prestes a desistir, a garota é abordada por um rapaz em um EcoSport do ano.
Ele tem o perfil de jovem de classe média. Rico e mimado.
A vampira percebe imediatamente que se trata de sua presa.
- Quer uma carona, gatinha? – quer saber ele fingindo docilidade.
Ângela teve que ter muita força de vontade para não estripá-lo naquele mesmo momento.
Segurando seus ímpetos assassinos entra no carro.
Após rodarem um pouco pelas ruas vazias o riquinho entra em um beco mal-iluminado.
Exibe sua face perversa segurando um Tauros calibre 38:
- Se quiser viver vai fazer o que eu mandar!
É com amargor que a garota responde:
- Você assassinou minha melhor amiga...
Um pouco impressionado pelo que julga ser apenas uma coincidência, o rapaz logo se recobra e com crueldade avisa:
- Azar o dela! Mas você vai morrer se não me satisfizer agora!
Ângela começa a gargalhar.
O maníaco fecha a cara irritado.
- Tá rindo do quê sua piranha? Tá afim de morrer é?
Com dificuldade ela consegue conter o riso.
- Morrer? Eu já estou morta. Agora é sua vez!
Ângela cujos olhos começam a emitir um brilho avermelhado arranca o revólver da mão do rapaz.
O assassino fica muito surpreso quando a imortal joga a arma pela janela e começa a rasgar sua camisa de seda muito fina.
Com medo pela primeira vez na vida, o jovem tenta estrangula-la com as mãos fortes de lutador de artes marciais.
Ela parece não sentir dor alguma.
No peito do assassino uma dor lancinante e entre as unhas afiadas de Ângela uma comprida tira de pele sangrenta.
Neste momento o maníaco sente o mesmo desespero que costumava inspirar em suas vítimas.
Em segundos a garota despela boa parte do tronco nu do desesperado playboy.
Ele abre a porta do carro e foge implorando ajuda pela noite.
A vampira deixa o maníaco escapar por querer. Agora sim a caçada fica excitante.
Ela segue o rastro de medo ágil como uma felina.
O ataca de tempos em tempos roubando pedaços de pele.
Depois de ele fugir um pouco mais ela voltava a atacá-lo.
O assassino solta gritos pavorosos de dor e desespero.
O índio de longos cabelos negros acompanha de longe, feliz por ver sua amada massacrar aquele desgraçado.
O maníaco deixa um rastro de sangue enquanto implora socorro nas escuras ruas dos conjuntos habitacionais de Itaquera.
Apesar de se divertir muito, Ângela resolve dar um fim aquilo com sua machadinha afiada.
Horas depois do ocorrido os dois chegam ao centro de São Paulo.
Vestem-se e saltam do trem cargueiro em movimento.
Pulam o muro da estação de trem do Brás e enquanto caminham pelas ruas sujas e escuras do antigo bairro italiano a garota se lembra do pedaço de pele tatuado.
Comenta com seu amado que pede para ver a peça.
Depois de observar bem o filho-da-noite devolve a pele para Ângela pensativamente.
Ela lambe o sangue seco sob a tatuagem e resolve jogar fora quando Saturno pede para observar novamente.
Virando a pele de ponta-cabeça, o índio sente uma leve premonição.
- Isso tem cheiro de problemas... – resmunga baixinho.
Mal sabem eles, mas aquela tatuagem é o mais sofisticado sistema de comunicação que gravava tudo o que o maníaco via e sentia.
Inclusive sua morte fora gravada e agora uma equipe analisa freneticamente os dados.
Esses dados são passados para um homem de meia idade, que fuma um fedorento cachimbo.
- Malditos vampiros... Vão pagar caro por essa intromissão!
Ele disca um numero em seu celular de última geração e passa as coordenadas dos imortais para alguém.
Olha para o monitor uma última vez e se retira da sala desligando seu terminal e o celular.
Precisa preparar o enterro de seu filho que eles acabaram de matar.
Os dois andam abraçados calmamente quando ouvem o barulho de no mínimo seis carros aproximando-se.
Rapidamente são cercados por quatro carros de um lado e dois do outro.
As portas dos blindados se abrem e diversos homens de ternos escuros começam a atirar com armas de grosso calibre.
A primeira ação de Saturno é proteger Ângela e ele fez isso a empurrando para a calçada.
Em seguida o índio é cravejado de balas e cai no chão. Os tiros quase não fazem barulho, pois as armas têm silenciadores.
Os homens suspendem os tiros, e quando a procuram, a vampira havia sumido.
Em instantes ela escalara rapidamente dois andares de um sobrado.
Encontra no alto da laje restos de materiais de construção.
Seis homens, um de cada carro, se aproximam do indígena morto no chão.
Certificam-se de que ele não tem pulsação, e um deles avisa no celular que ele não sobreviveu:
- Alvo Um abatido. Alvo Dois desaparecido.
Uma voz chiando berra do outro lado da linha:
- Encontrem e eliminem alvo dois AGORA!
O vampiro levanta derrepente sem aviso e com seu afiado punhal desembainhado mata instantaneamente três dos homens próximos.
Os outros tentam reagir, mas nem de longe é páreo para a velocidade e fúria do jovem de longos cabelos negros.
Dos carros seis outros homens de ternos saem pelo teto solar. Começam a descarregar uma saraivada de balas contra o índio.
Ângela aparece na borda da laje do sobrado, têm nas mãos dois pesados sacos de cimento.
O material está velho e o cimento está duro como pedra.
Ela atira com sua força considerável sobre o carro mais próximo e o atirador morre com o crânio esfacelado.
A jovem atira o segundo saco contra outro carro blindado e o impacto do saco de cimento faz o capô do carro afundar. O veículo capota matando todos os passageiros.
Um homem aparece com um lançador de morteiros.
A vampira mesmo baleada nas pernas joga uma pá, degolando mais um.
Ela não nota que está na mira de um morteiro.
Saturno vê e mesmo com o corpo cravejado de balas atira seu punhal com perfeição.
Atingido no pescoço o homem deixa cair o lançador que dispara.
O morteiro atravessa a rua escura. Saturno levanta a perna e o projétil passa por baixo indo bater em um carro que explode ruidosamente.
O índio avança no último homem no teto solar do carro.
Os blindados começam a dar a ré, fugindo em disparada. O vampiro ainda agarra no pescoço do homem que saca sua arma, apavorado.
Dá um tiro na boca de Saturno.
O imortal sente os dentes saltando nuca afora.
Franze a testa, aborrecido e com uma mão quebra o pescoço do homem.
O carro em disparada faz uma curva fechada atirando o vampiro longe. Ele bate violentamente contra uma loja, amassando a porta de aço.
Ângela corre até seu amado ajudando-o a levantar.
- Famos empora, asho que acapou. – disse Saturno com a voz fanha onde faltavam os dentes.
- Mas... O que aconteceu?
O vampiro sacode os ombros, tão perdido quanto ela. Os dois imortais saem correndo o mais rápido possível do local.
As sirenes da polícia blindada cortam a noite.
Em um bairro longe de lá, o pai do maníaco bate na mesa e xinga toda a equipe em volta.
- Incompetentes! Dois vampiros! Dois! E vocês não conseguem abatê-los?
Os agentes na imensa sala de conferência abaixam a cabeça em um momento de silêncio constrangedor.
- Chamem o Tales! – berra o velho batendo a mão na mesa de carvalho Luis XV.
Meia hora depois um italiano de cabelos negros cacheados na altura do ombro entra na sala.
O velho ordena que todos deixem o aposento xingando-os enquanto saem.
Sem ser convidado Tales pega um charuto cubano em uma caixa laqueada e aspira o aroma sem hesitação.
- Para você me chamar deve ser algo muito importante...
O velho olha por um instante para dentro dos escuros olhos frios do homem estranho.
- Quero que você mate alguém.
Tales sorri.
- Considere-o morto.
O velho liga um monitor onde passa uma gravação de Ângela e Saturno.
Tales se espanta por um momento. Observa a gravação e logo começa a rir.
- Você sabe quem é esse? – pergunta o italiano cruzando as pernas e colocando os pés sobre a mesa.
O velho dá um forte tapa, derrubando os pés do móvel.
- Ora seu insolente! Eu sei quem ele é! Não pense que você é tão importante assim!
Tales sorri mostrando seus longos caninos e levanta.
- Para essa presa, meu preço dobra... – avisa virando-se para deixar a sala.
Quando o vampiro italiano chega próximo à porta, para subitamente e avisa:
- E tem uma coisa: sou muito mais importante do que você. Não se esqueça: a morte caminha em sua direção.
O homem de cabelo cacheado bate a porta maciça com estrondo.
O velho sua frio.
Quinze minutos depois Tales é deixado próximo ao local, onde havia acontecido o que a imprensa chama insistentemente de “Massacre do Brás”.
Com a multidão se aglomerando o italiano não corre o risco de suspeitarem dele.
Tales fareja o ar com vontade e logo isola o cheiro de suas presas.
Começa a persegui-los. É irônico, ele, um vampiro, perseguindo outros de sua mesma raça.
- Éééééé Saturno, suas noites vão terminar por aqui... – sorri ele.
Fica tentando imaginar quem era a vampirinha com o índio. Dá de ombros, afinal.
- “Será uma ótima companheira para mim!”.
Ele fica sorridente enquanto corre sobre os fios de alta tensão.
Alguns quilômetros a frente Saturno e Ângela caminham sem pressa.
- Putz! Que loucura! Porque será que nos atacaram?
O rapaz de longos cabelos negros está silencioso, as feridas em seu corpo quase cicatrizadas.
Pouco a pouco seus dentes voltam a se formar.
- Será que tem alguma relação com o maníaco? Ou será que era um grupo de caçadores que resolveu nos atacar? – a jovem tece suas teorias em voz alta.
- Sei lá...
Ela lhe dá um grande beijo na boca.
- Meu vampirão!
Saturno sorri timidamente, os dentes quase no lugar.
Derrepente sua boca explode e ele caiu de joelhos.
Quando passa a mão na boca cheia de sangue, o imortal fica furioso, acaba de levar um tiro na nuca.
Ângela olha para trás, vê um homem alto de sobretudo, correndo em direção deles com a arma em punho.
Com muita raiva a vampira parte para cima dele.
O indígena se levanta e olha quem o tacou. Quando vê Tales tenta alertar sua amada, mas sua voz não sai.
- “Ah merda!”
Começa a correr em direção a eles, porém sua garota alcança o italiano primeiro.
Ela gira a machadinha no ar e tenta atingi-lo na cabeça.
Qual não é sua surpresa, quando ele se desvia e com um toque dos dedos médio e indicador esticados a atira contra uma parede.
O italino saca uma arma com cabo de madrepérola.
Saturno acerta a mão de Tales, fazendo sua arma voar longe.
- Ora ora, se não é meu amiguinho índio?Que acha de morrer hoje?
- Não acho nada interessante, Italiano... E porque você quer me matar?- quer saber Saturno.
Ângela levanta. Está um pouco tonta pelo forte golpe que recebe.
- Bem... Já que você vai morrer, não importa se eu disser: você matou o filho do líder da seita. - esclarece Tales.
A vampira pretende voltar a atacar o italiano, porém com um olhar de seu amado ela para.
- Quem é esse filho? Já matamos muita gente nestes dias... E que raio de seita é essa?
O homem de cabelo cacheado balança a cabeça divertidamente, e é com tom de deboche que responde:
- Você é mesmo patético!! O maluco matador de garotas era o filho e o líder da seita está aqui em Sampa rodeado de seguranças.
Em instantes o vampiro índio, rouba da mente dele a localização exata do líder.
- Sei onde ele está. E antes que a noite termine vou visitá-lo...
O vampiro italiano ri como se ouvisse uma piada.
- E eu vou pegar sua companheira para mim! Amore mio! – Tales manda um beijo para Ângela e emenda – Depois que te matar, claro!
O imortal mediterrâneo saca um afiado sabre.
- Tente. – desafia Saturno com o punhal na mão.
O italiano avança e o rapaz de longos cabelos negros se surpreende com sua velocidade e força.
Pouco a pouco ia sendo ferido e dilacerado pela arma afiada de Tales.
Em um golpe de sorte cortou profundamente o italiano.
O italiano sorri e enquanto o ferimento fecha, comenta:
- Você parece desesperado amigo. Se desistir agora, corto sua cabeça rapidamente. Vai ser praticamente indolor!
Dolorosamente ciente de sua fraqueza e mortalidade Saturno apenas rosna de frustração.
Tales continua a torturá-lo com aquele jogo. Sabe que é muito mais forte que seu oponente, mas não o mata de imediato.
Ângela aproveita o momento em que pensa que o inimigo está distraído. Ataca com a machadinha sem fazer ruído.
O italiano acerta um forte chute no filho da noite brasileiro jogando-o longe.
Quando a machadinha está próxima do seu crânio ele apara o golpe. Desarma e puxa Ângela contra si e lhe dá um forte beijo de língua.
Saturno arregala os olhos gritando de espanto.
- Seu “Macarrão” filho da puta!
O índio levanta e começa a correr pronto para morrer por sua amada.
Imediatamente o italiano empurra a jovem e apesar do corte feito pelo punhal do indígena, enfia seu aguçado sabre profundamente no peito de Saturno.
Uma grossa gota de saliva ensangüentada escorre de sua boca. Saturno fala com dificuldade:
- Você... Não parece desesperado... Mas vai perder a cabeça... Mesmo assim!
Tales levanta a cabeça intrigado.
- Ângela! AGORA! - berra o índio.
Ele abraça o italiano com toda a força que tem nos braços, imobilizando-o.
O imortal estrangeiro se espanta e tenta se livrar do abraço.
Ele não é rápido o bastante.
A jovem vampira pula sobre ele e agarrando seus cabelos cacheados, decepa a cabeça com um único golpe.
O italiano urra de dor e seu corpo cai flacidamente sobre Saturno.
O indígena desaba ajoelhado. O rombo em seu peito está custando a fechar.
Ângela ajuda seu amado a levantar. O dia se aproxima e eles precisam fugir para o abraço da escuridão.
Entram em um casarão semi destruído no bairro da Luz. Carregam consigo a cabeça de Tales com eles.
Na noite seguinte colocaram a macabra peça em uma bacia repleta de sangue fresco, quente ainda.
Segundos depois a cabeça do Italiano ressuscita e por três noites consecutivas os dois o torturam.
Furam seus olhos, cortam fora os lábios e orelhas e, por fim, já entediados resolvem exterminá-lo.
Saturno pega um martelo que está jogado em um canto e lhe despedaça por inteiro o que resta do crânio.
Jogam o que sobra dentro de uma lata de tinta vazia e colocam sob a luz solar.
Na noite seguinte há um amontoado de cinzas na bacia.
Dezembro de 2002.
Os especialistas não têm previsão de quando a temperatura vai baixar.
Os inevitáveis racionamentos de água começam nas classes baixas.
Nada que importe para o velho.
Está em um prédio de temperatura regulada por computador e a única coisa que quer é a confirmação que Saturno e Ângela estão mortos.
Tales sumiu a um mês, provavelmente morto pela dupla.
Centenas de olheiros andam pelas ruas de São Paulo procurando os imortais.
O velho observa os monitores atento a alguma informação; praguejando ordena que lhe busquem um uísque on the rock´s.
Não tem resposta alguma.
- Será que algum incompetente pode me trazer um uísque? – ordena ele pelo viva-voz.
A grande porta de carvalho se abre e um rapaz encapuzado entra carregando um balde.
- Onde está minha bebida?
O homem de meia idade está visivelmente irritado.
O jovem levanta o balde e sorri, deixando a mostra um par de enormes caninos.
Saturno se aproxima mais e mais do homem.
- A noite é loooonga e temos muito que fazer! – avisa em sua voz gutural.
O velho grita quando Ângela que está silenciosa atrás dele, arranca uma comprida tira de pele das costas dele.
Na manhã seguinte quando o primeiro funcionário entra na sala do chefe berra de horror.
O chefão da seita está amarrado na cadeira, seu corpo foi despelado e semiderretido.
Jogaram ácido de bateria sobre ele e pela expressão de dor no rosto, foi-se derramando pouco a pouco.
Dentro da boca escancarada os olhos intactos observam a parede ao lado.
Assustado o funcionário olha para o lado que os olhos apontam e vê a seguinte mensagem:
- “Parem de me caçar ou terão o mesmo fim dele”.
Muito longe daquele local, no cemitério do Araçá os dois imortais passam o dia dormindo.
A mão de Saturno passeia pelo corpo pálido e nu da amante.
Interrompe seu passeio no meio das pernas frias de Ângela.
Ela sorri dormindo e sussurra:
- Eu também te amo...
O índio sorri. Com certeza ele tem o mesmo sentimento em relação a ela.
Fim.