Procurados
Procurados
O que vou tentar contar para você é algo que jamais esqueci. Aconteceu há anos e até hoje tenho pesadelos e o que mais me assusta é que o mal ainda sobrevive.
28 anos atrás...
Meu nome é Fernando, 18 anos, garotão, filho único morava com meu viúvo pai, o Seu Jorge, gente boa. Perdemos mamãe dois anos antes num acidente de carro. Ela foi atropelada por uma mulher desvairadamente embriagada. Lazarenta!
Nossa vizinha, d. Tânia, senhora branquinha e simpática adorávamos ela! Era amiga de mamãe. Fui apresentado a ela quando tinha 15. Mamãe morreu quando eu tinha 15. Sempre dava uma passada em casa levando doces ou salgados. Gostava de cuidar da gente e ver como estávamos. Adotei-a como minha avó. Era dona de Kiskie. Uma linda cadela Akita. Branquinha e com os olhos azulados. Dócil e brincalhona, nos adorávamos! Fui com a vovó adotiva buscá-la num abrigo para animais. Pobrezinha. Estava doentinha e muito maltratada. Cuidamos muito bem dela. Hoje super-saudável!
Vovó viaja de vez em quando e advinha quem cuidava de Kiskie?
Uma semana para cá percebi que seus vivos olhos azuis demonstravam uma opacidade sugerindo uma pequena morbidez.
- Você está com vermes minha amiguinha? – Acariciando-a.
Rosnou. Baixinho e me encarando. Aquele rosnado profundo de gelar os ossos. Estaquei. Levantei-me devagar. Kiskie me encarando friamente. Fui andando de costas bem devagar. Era um cachorro grande e com um rosnado daqueles o melhor era ir embora.
Nunca imaginei uma coisa dessas! Kiskie não rosnava nem para os gatos! A gente era muito ligado. Intrigado e pensativo fui para o meu quarto.
- Isso é um sintoma de maus tratos com o animal, ou pode ser sintomas de raiva. Mas, foi vacinada mês passado!
Falei com vovó, ela não reparou nada. Apenas que Kiskie estava mais dorminhoca.
Compreendi a razão mais tarde e sinceramente gostaria de ter ficado sem entender.
Numa dessas sextas feiras, dia nacional da cervejada, depois da faculdade saí com os amigos. Bebemos, conversamos, rimos e flertamos com as garotas, como estava meio cansado decidi ir para casa. Era mais ou menos 1:30 da matina. Nosso bairro era muito calmo e estávamos sempre por ali. Na avenida ficavam os bares que freqüentávamos e nunca nada acontecia de mais gravidade a não ser algumas brigas de bêbados por garotas e era só. Estava eu caminhando para casa que fica a dez minutos da avenida.
Pressenti que algo estava no ar. Não sei se acontece com você, mas sentir algo diferente no clima, no ambiente.
Num canto escuro da viela que dava para minha casa vi algo muito grande se movendo, não podia ser um homem, se o fosse deveria estar indo a uma festa a fantasia. Era enorme e branco como neve. Devorava algo. Era um imenso animal desconhecido. Paralisado nomeio da rua rezei para a coisa não me ver, não adiantou, de alguma forma a parede de neve medonha sentiu a minha presença levantou a cabeçorra e me olhou.
Bem devagar começou a caminhar em minha direção. Eu não consegui correr. Estava congelado. As presas eram enormes e amarronzadas, seu andar era fofo, não fazia nenhum barulho. Parecia de pelúcia. Cada passo e o couro, muito peludo em neve, balançava. Olhos azuis. Cara a cara. Senti o hálito apodrecido quando ela me cheirou. Fechei os olhos e esperei a morte. Segundos agonizantes. Decidi abrir os olhos, bem devagar, cadê o demônio?! Olhei para cima e vi a coisa dando saltos fofos e silenciosos por cima dos telhados. Minha respiração estava difícil, quando me dei por mim senti que tinha molhado as calças e tinha um peso do lado de trás da cueca... ops! Ainda bem que estava perto de casa.
Mijado, cagado e me cagando arrastei-me para casa sempre olhando para trás e para cima. Cheguei, fui me limpar e tomar um banho frio para recobrar as forças. Não consegui dormir, pensei já estar dormindo e que acordaria. Pensamentos desordenados.
- O que diabos era aquilo?! Colocaram alguma coisa na minha cerveja? Estou ficando esquizofrênico? Psicótico?
Sábado, oito da manhã...
Estava me sentindo um trapo, não preguei os olhos. Meu pai tinha saído e eu fui ouvir um CD novo que tinha acabado de comprar era o Nostradamus do Judas Priest. Quando deu uma dez horas decidi ver Kiskie. Lá fora d.Tânia varria a calçada.
- Oi vó! Tudo bem?
- Oi Fernando, tudo bem e você?
- E a Kiskie tá legal?
- Ah! Está sim, está lá nos fundos acabei de por ração para ela, deve estar comendo.
- Vou lá ...
- Claro filho!
Entrei. Chamei por ela. Nada. Enfiou-se na casinha e não saiu mais. Mas eu sim.
- Acho que ela está com preguiça, se enfiou na casinha e não quer sair de lá.
- Depois que ela come costuma dormir um pouco mesmo.
- Tá bom, depois eu volto então.
- Tá bem. Mais tarde vou levar biscoitos para vocês.
- Obrigado vó.
- Tchau. – Continuou varrendo a calçada.
Quando me virei para ir embora senti um arrepio que começou na nuca e desceu pela espinha. De novo em casa, fui ouvir Motorhead, de novo o arrepio, de novo a lembrança. Sentei-me na cama e fiquei calado, ouvindo e pensando. Passei o dia assim.
Da janela do meu quarto eu conseguia ver o quintal da vovó. Kiskie saiu da casinha e foi aí que reparei que a coisa que vi na noite anterior parecia-se com ela. Tinha os olhos azuis e o pêlo totalmente branco. Será que...não! Não pode ser! Aquilo foi uma assombração ou algo da minha cabeça. Infelizmente a realidade era outra.
Sábado, onze horas ...
Estava na janela do meu quarto quando vi Kiskie sair da casinha. De repente a coisa salta pelo portão ganhando a rua. Me encarou. Pulou para os telhados das casas da frente. Novamente virou-se, olhou-me, balançou o rabo e se foi. Desci correndo e fui atrás de bicicleta, tive a impressão que estava me esperando. O monstro saltava pelos telhados e eu de bicicleta a seguia pelas ruas até que desapareceu. Alguns minutos depois ouvi um grito abafado. Era na rua de cima. Fui para lá. Vi o monstro debruçado sobre um corpo caído. Abriu uma bocarra elástica e abocanhou a cabeça do corpo estirado no chão. Vi quando as pernas do homem balançaram quando foi engolido inteiro parecia um camaleão devorando um inseto. Lambeu os beiços, olhou-me novamente, pulou para os telhados fofamente e desapareceu assim como toda minha razão. Acho que fiquei parado ali vários minutos sem me mexer.
Domingo, oito da manhã...
Na madrugada eu consegui dormir um pouco e sonhei que estava dentro do monstro. Fazia muito frio, congelante, sentia-me vazio e flutuava numa densa escuridão que mais parecia gelatina negra. Um burburinho chegava aos meus ouvidos, gemidos. E eu flutuando feito um balão naquela gosma negra mas não pegajosa e impossível de pegar.
Pesadelos. Sempre assim até hoje. Levantei-me e fui ver a cachorra.
- Vó! – Gritei.
- Entre.
Chamei por Kiskie. Ela veio com o mesmo olhar triste, não rosnou. Passei a mão na cabeça dela abaixei-me e perguntei baixinho o que estava acontecendo. A resposta foi um olhar pesado. Retirou-se.
Alguns dias se passaram e eu ficava de campana, mas Kiskie não saiu durante várias noites, pelo menos eu não vi. Uma destas noites, a última em que vi o monstro, ouvi passos muito pesados na garagem da vovó e a porta batendo forte. A cadela choramingou calando-se em seguida. Estava muito escuro e o ar estava mais pesado. Algo de mal estava no ar. O clima tinha uma densidade doente meio amerelado-verde. Desci.
No portão chamei pela d.Tânia. Nenhuma resposta. O portão estava aberto. Entrei.
- D.Tânia! D.Tâniaaaa! – Nada! (?)
A porta estava aberta. Entrei. Escuridão total. Anormal. A luz não funcionava. E em nenhuma fresta emanava a menor das luzes. Pura treva. Senti-me tragado por um aspirador de pó gigante, silencioso e sem vento algum, com violência fui puxado para dentro. Blam! A porta trancou-se atrás de mim. Estatelei-me de bruços no chão. Mais um puxão, só que para cima. Me senti um boneco de pano nas mãos de um garoto atormentando a irmã! Lentamente fui levado a uma poltrona. Meu corpo enrijeceu. Somente os olhos eu podia mover. Lentamente o cômodo clareava, luz que começou a aparecer era vermelha e arroxeado parecia que eu estava dentro de um rubi. Na poltrona em oposição a minha uma forma demoníaca formava-se. A cara do monstro era como se fosse uma máscara da látex inflada e com seis chifres. O queixo fendido como a pata de um touro. Os olhos tão azuis como um topázio e orelhas pontudas como de um elfo. Todo coberto de pêlos fininhos, espessos e negros. A coisa abriu um sorriso na carranca e começou a falar.
- Muito bem, muito bem. – Era uma voz gutural, profunda, grave que fazia o sangue querer fugir.
- O q-q-q-que v-v-você quer?! – Consegui gaguejar.
- Apenas conversar.
- Conversar!? Conversar o quê e cadê a d. Tânia? O que você fez com ela seu filho da puta? – Vociferei enfrentando a coisa. Reuni forças? Não sei, talvez desistência, sabendo que iria morrer que fosse de cabeça erguida!
- Ah! A Taninha. Hummmm, sei. A velha Tânia que você chama de avó? Que você tanto admira e ama?
- É! Cadê ela?! – Desesperado!
- Ela está aqui. – Apontou para si mesmo.
- Você a comeu não foi! A devorou com fez com o mendigo, MALDITO!
- Eu sou a dona Tânia, idiota.
- O quê ... ? – Sussurrei fracamente para mim mesmo ...
- Mas,... o q .....quem é você? O que quer?!
- Adoro quando me chama de vó! Sei que pareço com um dos personagens de livros de terror, mas, eu sou o que sou e não sou o que sou, para você sou um monstro, para outros sou humano como você, há alguns minutos eu era a d.Tânia, agora sou realmente o que sou. Um ser solitário que se alimenta de tempos em tempos, e olha que é uma fome dos diabos! A carne alimenta meu corpo físico e a alma meu poder. Elas vagueiam dentro de mim e alimentando-me eternamente. Habito num lugar chamado Tártarus onde outros seres semelhantes. Uns estão presos. Outros, como eu, são livres. Há muito tempo fui banido por seguir Lúcifer. Hoje não o sigo mais. Fui para o Tártarus por vontade própria. Sabe, decidi contar para você tudo isso por que eu tinha escolhido o corpo da sua mãe para o meu disfarce, só que ela morreu antes. Fui até o cemitério e devorei seu corpo morto. Sua alma está comigo agora bem como a de seu pai.
- Meu pai?! Você o matou?!
- Não era um mendigo que eu devorei!
Meus pensamentos acabaram. Minha vida acabou. Minha alma estava paralisada. Não tinha mais nada a dizer nem o que pensar ....”
Seu Jorge havia andado muito naquele dia. Foi em quase todas as delegacias da zona em que morava e nas outras. Nada! Foi nos bares perguntando. Nas escolas que ainda não fora. Nunca perderia as esperanças.
Voltando para casa decidiu passar na casa de um colega que ficava próximo a sua. Saiu de lá era 1:15 e nunca mais chegou em casa.
Na entrada da viela, onde foi engolfado pela coisa, os papéis que carregava estavam caídos.
Eram folhetos com dois retratos e um apelo: Pessoas desaparecidas, Letícia e Fernando, 15 e 45 anos, esposa e filho do Seu Jorge, notícias ligar para .... .