-Perdição-

A estrada pareceu longa demais e a noite densa como os pecados que ele carregava. Um espectro de angústia vagando sem rumo, a história perdida  em algum momento.
 Noite sem lua, caminhos torturantes, corrompidos pelas incertezas.  O mal impregnou a pele, marcou aquela alma e a única certeza é que precisa seguir adiante.
A memória vazia,  as mãos sujas de sangue e o cheiro do suor de vários dias. Caminhava  pela estrada de terra ladeada pela vastidão da mata fechada. O silêncio absoluto trouxe maus presságios. Alguma coisa ruim esgueirava-se  na noite, algo apavorante  que calou a floresta.
Finalmente chegou em uma grande encruzilhada. Parado no meio do nada, tremendo de medo e sem conseguir decidir. Cansado demais, as pernas amoleceram e o corpo tombou pesado. Ouviu sons e não conseguiu  distinguir se eram  vozes ou algum ruído desconhecido. Um imenso cão aproximou-se e farejou sua face com o focinho gelado.
Tentou enxergar os vultos, eram tantos e pareciam agitados, moviam-se como um grupo  compacto.  Um ser bizarro com  mil olhos e faces. O instinto forçou a rastejar em busca de algum apoio, não havia uma única árvore ou pedra.
Na beira do caminho uma cruz imensa era a única opção. Estranhou, até então não havia percebido sua existência.  Culpou a madrugada escura e os olhos doloridos.
Encostado no grande bloco de madeira, assistiu os estranhos desmembrando-se  lentamente em várias pessoas. Formaram uma grande fileira murmurando frases desconexas.  A cabeça começou  a doer ... abriu a boca e constatou a mudez.
Começou a entrar em agonia...Sou um pedaço de carne largado ao pé de uma cruz tosca, jogado na beira da encruzilhada no meio do nada. Mudo, sem forças e confuso. O que sou? O que estou fazendo aqui?
Subitamente violentas visões surgiram em jorros, cenas de mutilações e horror. Eram  fragmentos de muitas memórias em seus últimos momentos de vida. Em todos, ele aparecia praticando diferentes métodos de tortura.
 Seu maior desafio era prolongar  os suplícios em dias e dias. As vítimas imploravam  pela morte, mas ele não se importava- Eu sou a morte, eu controlo a morte,gritava para os moribundos ....as cenas sucediam-se em um caleidoscópio surreal.
Enquanto isto, o grupo avançava em sua direção. Mãos estendidas, garras prontas a arrancar cada naco de suas carnes.  Estavam famintos e queriam vingança. Tudo escureceu e a visão apagou-se completamente.
 

-O mal que habita a alma-

A primeira coisa que ele sentiu foi o cheiro de rosas , depois a maciez dos lençóis brancos e a certeza que estava tudo  bem. Abriu  as cortinas e o jardim continuava perfeito, a piscina espelhando o sol das montanhas e a natureza respondendo ao dia bonito de verão.
Abriu a agenda e verificou os horários . Uma pequena correção de pálpebras ao final da tarde. Bobagem corriqueira para um cirurgião plástico. O pesadelo não foi forte o suficiente para impedir que visitasse o porão recém -reformado da ampla residência. Isolada o suficiente para que nenhum vizinho  incomodasse.
As três  mulheres presas em camas hospitalares, arregalaram os olhos quando ele entrou. Cada uma em diferente estágio de mutilação. Moças sozinhas que poucos sentiriam a ausência imediata.
Perfeitas assistentes selecionadas após muitas entrevistas e investigações:- Bom dia queridas meninas,  sentiram minha falta? Claro que sim, minha noite não foi muito agradável, tive pesadelos. Hoje vou modificar um pouco o rosto de Carol. Perfeito demais, agradável em excesso. Não se preocupe, não é nada muito complicado...vai doer um pouco mas não há risco de vida.  
 
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 12/09/2008
Reeditado em 21/09/2008
Código do texto: T1174732
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