3250 – Resgate

Estamos caminhando a seis semanas através de planícies verdejantes e desfiladeiros traiçoeiros.

Apesar de passarmos fome e privações, não podemos abandonar nossa missão. Não quando estamos tão próximos.

O caminho se torna cada vez mais difícil com escarpas íngremes e passagens perigos entre grutas e antigas habitações abandonadas, povoadas pelas mais sórdidas criaturas.

O calor infernal nos sufoca. O vapor brota do chão embaçando nossa vista e triplicando o perigo de caminhar em uma trilha quase suspensa no ar de tão fina.

Apenas Sobral, o Mago, parece não se incomodar com o calor. Além do mago, nós temos ao nosso lado, Mimenoto, um imenso oriental de cabeça completamente raspada, que usa um arco com flechas do tamanho de um homem adulto.

Segue conosco também, um ser com uma leve aparência humana. Sempre nos encontra após o sol se pôr. Seu nome não nos foi revelado e ele apenas conversa com Sobral e pouco.

De tão magro, parece um feixe de lenha enrolado em trapos sujos. Seus cabelos revoltos são de um ruivo apagado, quase alaranjado e seus olhos sombrios têm a morte dentro deles.

Não digam ao mago que eu disse isto. Aliás, não digam nada...

Lilian, a única mulher no grupo é uma moça delicada. Aprendiz do mago... Só não sei o que ele tem na cabeça calva para trazer uma moça em uma missão tão perigosa. Apesar de sentir uma atração imensa pela sua pele negra com um tom quente de canela, não ouso me aproximar.

Vai que ela me fulmina!

Quem sou eu? Não me apresentei? Oras, sou apenas um ladrão. Vou tentar entrar e sair da fortaleza inimiga vivo. Se não conseguir... Fazer o que né? Agora, se conseguir, terei alguns pequenos “deslizes”, tais como roubar a coroa do príncipe, perdoados pelo reino!

Quem sou eu? Já não disse? Um ladrão! Ah sim! Eu sou Tot. Apenas o melhor ladrão do Reino do Brasil!

Estamos agora indo para as terras amaldiçoadas, além da Torre Branca, buscar nosso amado soberano.

Ele foi raptado pelo ser vivente mais poderoso daquele lugar: Arkron, o bruxo.

Há duas gerações ele foi banido da capital do reino, na cidade do Novo Rio de Janeiro e jurou vingança contra Sobral e a família real.

No final da cerimônia de coroação, quando o jovem príncipe foi agraciado com a maior honra que um humano pode receber, foi brutalmente raptado.

Com uma explosão de fumaça ardente, o bruxo apareceu diante de todos. Gritando injúrias contra os convidados, sumiu, levando o jovem regente consigo.

Isso foi a trinta luas atrás e o irmão do rei assumiu interinamente o trono, protegendo nossa gloriosa nação da invasão dos selvagens Argentinos, do País vizinho.

Precisamos de um rei que garanta a força de nosso país!

Do ponto onde estamos já vemos a fortaleza de Arkron. É um lugar escuro e medonho.

Um prédio comprido como o dedo de um morto. Suas pequenas janelas, de tempos em tempos acendem, como para comprovar que alguma criatura maléfica transita em seu interior.

- Eu “acha” que é mentira! “Acha” movimentos muito sistemáticos para ser gente. – avisa Mimenoto após observar a fortaleza por algum tempo.

- Neste lado do mundo nós falamos “Eu acho”, e não, “Eu acha”! – implica Tot.

- Qual seu palpite mago? – pergunta a doce Lilian.

O velho responde pensativamente.

- “Eu acha” que Mimenoto está certo.

Todos riem. Menos Tot, que se sente desconfortável e a criatura ruiva que parece nunca fazer ruído algum.

Ao sinal do mago, todos carregam seus mantimentos e equipamentos, pois querem chegar o mais próximo da fortaleza antes do amanhecer.

Seguem por um caminho estreito, cercados pela floresta escura. Escutam uivos próximos cercando-os cada vez mais.

A um sinal do ser ruivo, todos param.

Grandes lobos cinzentos começam a se aproximar, rosnando baixo.

O ruivo começa a balançar os braços freneticamente e a rosnar em uma língua desconhecida para a mata escura.

Após alguns momentos de um silêncio aterrador, um grunhido assustador pôde ser ouvido por todos e os lobos param de avançar. No breu da floresta, passos ecoam e um par de olhos vermelhos se aproxima muito rapidamente.

Mimentoto tira uma flecha e estica o arco.

Antes que sobral possa impedi-lo, o oriental solta a corda e o projétil voa em direção a figura sinistra.

Um rapaz de aparência sombria sai da escuridão da floresta para a estrada esburacada iluminada levemente pela lua cheia.

Ele apara a flecha milímetros antes de ter o peito perfurado. Quebra a madeira flexível com apenas dois dedos. Parece nem se dar conta de que fora atacado.

O velho mago ordena que todos abaixem as armas.

- Ó grande Saturno! Rei das Matas, Senhor dos vampiros! – ajoelha-se o ruivo, prestando homenagem.

A voz é grave, quase gutural. Muito sério interroga o ser esquelético:

- Corta essa, Joseph. Está andando com humanos agora é?

- Eu... Devo um favor a sobral... – sussurrou o ruivo em uma língua desconhecida de quase todos os integrantes do grupo. É inglês.

Finalmente uma demonstração de emoção atravessa o rosto pálido do índio.

- Sobral? O mago? Ora, ora ele ainda existe depois de tantos séculos? Vamos lá, vou dizer oi para ele! – sorri Saturno mostrando os longos caninos.

Antes que o grupo possa piscar um olho, os dois vampiros estão entre eles.

- SOBRAL, meu velho! – grita o imortal alegremente.

O mago fala e escreve fluentemente todas as línguas do planeta, inclusive o inglês em que eles se expressam responde a altura.

- Amigo antigo! Como vai a busca pela sua companheira?

O filho da noite sorri ao ouvir o comentário sobre Ângela, pois pensa nela ininterruptamente há muitas décadas.

- Terei que rumar ao velho mundo em breve, pois sei que ela está em algum lugar por lá!

Após conversarem banalidades, Saturno dá instruções pêra que eles entrem pelo lado leste da fortaleza, onde o perigo é menor.

Quando os viajantes iam se pôr em marcha novamente, Saturno aponta para Tot e fala:

- Avisem este ladrão que ele vai passar pela minha floresta apenas em respeito a Sobral. Se algum dia ele passar sozinho nos meus reinos, será triturado como uma pulga!

O velho mago, sabendo que o indígena entende a língua geral dos brasileiros, traduz suas palavras sem mudar uma vírgula ao ladrão que quase desfalece de medo.

O antigo imortal se despede e vira as costas sumindo na escuridão da floresta. Os lobos carniceiros se metamorfoseiam em lobisomens o seguem rosnando.

Aquele encontro ficará marcado na memória dos viajantes para sempre. Não desprezam a dica do Rei das Matas e passam a noite inteira atravessando o terreno traiçoeiro e acidentado que muitos de nós conheceríamos como o campo de marte.

É alta madrugada quando eles chegam ao sopé do penhasco, que dá acesso para a entrada oeste.

Sobral ordena a todos que descansem.

Com a proximidade do amanhecer, o vampiro ruivo deixa a companhia deles e mergulha em um lodaçal, onde a luz do sol não toca na lama escura. Sanguessugas e outras criaturas entram e saem de seus orifícios.

Um pequeno desconforto que lhe garante a manutenção da não-vida.

Todos se arrumam da melhor maneira que podem e tentam dormir.

Com o cair do sol são acordados pelos gritos estridentes de Joseph.

- Seus idiotas! Acordem antes que morram!

De um salto todos acordam e se vêem cobertos por trepadeiras como se que os sufocam pouco a pouco.

Mimenoto se levanta, libertando-se das plantas como se não passassem de trapos velhos.

Também pudera!

O oriental tem quase dois metros de altura e seus três braços, um atrofiado, mas útil, são de uma força colossal.

As plantas fazem a volta no corpo esquálido do ruivo, como se o contato deles com tal criatura lhes repugnasse. Como se isso fosse possível em se tratando de vegetais.

Mesmo puxando freneticamente as trepadeiras o ser estranho não consegue livrar os dois companheiros de viagem, devido ao volume de tentáculos verdes que não para de crescer.

Tot e Lilian que são muito mais fracos que Mimenoto. Não conseguem se soltar.

Sobral gira seu longo bastão uma das extremidades se acende. Ele toca a ponta luminosa no chão, recitando algumas palavras místicas.

As trepadeiras viram imediatamente um pó espesso e escuro.

Após se refazerem do susto, os viajantes começam a fugir em direção a fortaleza de Arkron.

A fome é grande, porém o desejo de acabar com tudo isso com certeza é bem maior e a isso se junta à raiva crescente de quase terem sido assassinados covardemente.

Passam grande parte da noite escalando o alto do penhasco e lá se deparam com sólido muro de pedras imensas.

Mimenoto amarra uma grande pedra a ponta de uma corda, e girando-a velozmente a atira por cima do muro.

Um a um todos escalam para dentro, menos sobral que para espanto de todos, flutua e pousa calmamente do outro lado.

O vampiro também desdenha do artifício, e escala a parede íngreme com as unhas afiadas.

Surge um problema quando o oriental tenta subir pela corda. Seu peso é tamanho que a pedra levanta a cada tentativa dele de escalar.

Joseph segura a corda firmemente e Mimenoto pôde finalmente subir.

Quando o oriental chega ao alto do muro, se espanta por ver apenas o ruivo segurando a corda.

Pula do alto caindo com um estrondo e inclina o corpo em um agradecimento silencioso com a cabeça.

O imortal dá de ombros.

O grupo segue caminho por entre os destroços que enchem a fortaleza.

Tot vai enchendo uma sacola com pequenas peças de metal e plástico. Algo que poderá vender por um alto preço na capital do império.

O ruivo e Mimenoto seguem alerta.

Sobral anda em linha reta, não se dando ao trabalho de desviar dos destroços, que são pulverizados em sua passagem.

Lilian segue alguns passos atrás, respeitosamente.

Em uma parede castigada pelo tempo, há um aplique de um anjo que um dia fora Neon com alguns traços dourados.

Tot começa a tentar arrancar o arranjo com seu punhal enferrujado. A parede parece se mover e uma mão grossa emerge da pedra sólida.

O ladrão grita enquanto a gigantesca figura de pedra o aperta com as duas mãos.

Todos se viram para o lado onde Tot está, mas enquanto tentam ajudá-lo, novas figuras começam a surgir dos destroços.

Um a um eles vão sendo imobilizados.

Joseph, o vampiro ruivo, agarra um dos braços rochosos e o quebra com um puxão.

Além de não sentir dor, outro braço começa a se formar imediatamente no lugar do que foi arrancado anteriormente.

O tronco magro de sobral já está imobilizado, mas seus braços estão livres.

- Fechem os olhos agora! Ou ficarão cegos para sempre! – grita o mago.

Mesmo sem ter certeza de que todos fecharam os olhos, o velho bruxo solta sua poderosa mágica.

Seu bastão libera uma energia fortíssima e todos sentem os cabelos arrepiados até a raiz.

Sentem a torrente de pó cair no chão e alguns segundos depois do silêncio Tot pergunta:

- Eu posso abrir os olhos?

- Sim. Claro... – responde o idoso ofegante.

Quando descerram as pálpebras eles se espantam com o nível de destruição. Algo em torno de um quilômetro a volta deles fora reduzido a pó.

Em silencio eles seguem caminho, certos de que Arkron sabe de sua presença naquele local maldito.

Andam até os destroços. Um vento frio levanta uma nuvem de poeira. Fora o vampiro e o mago, todos os outros tossem em contato com o pó que arde em suas gargantas.

Uma fina risada sinistra põe todos em alerta.

Quando a poeira abaixa o Bruxo está lá, sentado em seu trono flutuante. Todos se colocam imediatamente em guarda.

- O que este grupo tão molambento, tão ridículo, quer comigo?

Mimenoto atira uma flecha contra Arkron.

O homem maléfico nem se dá ao trabalho de desviar; a flecha passa através de seu corpo, sem lhe causar dano algum.

Ele ri com desprezo.

- Tenta me ferir mortal? Pois sofra com seus atos impensados!

Mãos invisíveis agarram o oriental. Ele é jogado sobre os destroços e ao chão diversas vezes, inclusive é arremessado contra seus companheiros que são protegidos pela mágica poderosa de Sobral.

Apesar de extremamente machucado, Mimenoto ainda está vivo.

O homem corpulento é novamente levantado por mãos invisíveis.

- Salve-o! – implora Lilian.

- Não. Ele está além de minha salvação agora... – lamenta o Mago.

Horrorizados, o grupo vê Mimenoto ser massacrado, espancado como uma bola de carne.

Com todos os ossos quebrados, ele não resiste.

Arkron abre a mão vazia e o morto cai do ar como um saco de cimento.

- Não se mexam – ordena Sobral – Vou torná-los invisíveis.

Todos ficam parados e só se movem quando o mago permite.

O grupo segue às pressas, evitando lamentar a sorte do colega que eles ainda podem ver, sangrando abundantemente pela boca, olhos e nariz.

Caminham pelos corredores escurecidos até que escutam as risadas estridentes de Arkron, quando o bruxo fala, sua voz parece vir de todas as direções:

- Não vão se esconder por muito tempo!

Eles correm rapidamente, escoltados pelo mago.

Lilian tem que se escorar por um momento em uma parede, para arrumar a aça de uma pesada bolsa. A parede tem uma textura grudenta e a garota mal tem tempo de gritar antes de ser sugada.

- Joseph! Salve-a! – ordena sobral desesperado.

O vampiro ruivo dá de ombros:

- É apenas uma humana. Nossa missão é resgatar o novo Rei.

O Velho suspira.

- Salve a vida dela e eu o liberto de nossa dívida de honra...

Os olhos do feixe de ossos brilham.

Sem discutir mais as ordens, corre para o ponto em que a moça havia sumido.

Junto a Tot, Sobral segue por um longo corredor, deixando o ser sombrio para trás.

Joseph dá fortes murros na parede de rocha maciça. Com as costas das mãos raladas, o máximo que consegue é arrancar lascas da parede.

Perto dali, o ladrão, tendo o mago ao seu lado estacionam junto a uma porta de madeira de lei.

- Abra. – ordena o ancião.

Tot não replica, mesmo sabendo que o poder do mago poderia muito bem fazer o serviço em um instante. Pega seus equipamentos e começa a desmontar a fechadura.

Joseph encosta as mãos na parede, sentindo-se derrotado pela magia estranha do lugar e imediatamente é sugado.

Por alguns instantes o vampiro fica sem reação até cair do outro lado, em um comprido corredor, sujo e semi-escurecido. Olha para os lados e fareja o ar, tentando descobrir para que lado ela fora.

Tot tenta desesperadamente desmontar a fechadura de um modelo muito antigo, enquanto o Mago fica cada vez mais impaciente ao seu lado.

- Saia da frente! – ordena o velho.

Tão logo o ladrão deixa a frente da porta, Sobral dispara um poderoso raio, que arranca a sólida porta junto com seu batente ao chão.

Dentro do aposento, o novo rei está sentado em sua cama desfeita.

- Vocês demoraram um bocado! Eu já estava ficando entediado! – reclama o soberano.

O poderoso mago se curva como um reles serviçal.

- Desculpe meu senhor, é que tivemos pesadas baixas...

O rei faz um gesto exasperado:

- Que se dane! Só eu sou importante! – reclama o nobre.

Tot não acredita no que ouve. Esse novo rei é um imbecil!

Espreguiçando-se com enfado, o rei sai do quarto expondo-se ao perigo.

- Tot! Proteja-o! – grita Sobral.

O ladrão corre atrás do rei, alcançando-o bem quando este chega a um enorme salão empoeirado.

Dentro do corredor escuro, o vampiro ouve os gritos de Lilian. Em poucos segundos a alcança.

Pequenas lacraias de metal, saindo de buracos na parede, sobem sobre o corpo negro da garota. Os insetos têm minúsculas lâminas e ao mesmo tempo em que cortam o grosso manto dela, também retalham sua pele escura.

Ela desmaia de medo e antes que chegue ao chão é amparada pelo imortal.

Após amassar alguns deles, pega Lilian no colo e começa a correr rapidamente pelo corredor comprido, procurando uma saída.

Um grosso tentáculo de metal sai do chão.

Enrolando o corpo do vampiro, o puxa para o buraco, junto com a humana.

O rei está parado no grande salão, quando grandes tentáculos de metal rasgam o chão e uma grande criatura, com o aspecto de uma lula mecânica aparece.

Tot grita de susto e cai sentado.

Em um dos tentáculos está enrolado Lilian e Joseph.

Sobral alcança o grupo antes do ser mecânico sair completamente do chão e se espanta com o que vê.

- Que ser infernal é este? – murmura para si mesmo.

Na cabeça do bicho, um tipo de bolha de vidro e dentro dela, Arkron.

O bruxo ri e sua voz sai amplificada de dentro do monstro de metal:

- Agora vou concretizar minha vingança! Primeiro você, que me destituiu de meu cargo no Novo Reino e depois este ridículo Reizinho!

Com apenas um comando mental, um poderoso tentáculo desce sobre o Mago.

Tot, mais por impulso do que por vontade própria, empurra o velho, sendo atingido de raspão em seu lugar.

O ladrão rola ao chão. Muito ferido.

Com uma fúria vinda das profundezas de seu ser, Sobral aponta seu cajado na direção do monstro de metal.

Um poderoso raio de energia atravessa o curto espaço entre o mago e o maquinário de Arkron.

O monstro solta um lamento mecânico ao ser atingido. Lilian e o ruivo são arremessados ao solo.

A garota cai desacordada e o velho sente uma pontada de medo de ela ter sido assassinada. Quem mais cuidaria dele?

Lilian é a única humana que pode salvar sua vida, caso ele sofra algum dano.

A moça geme e põe as mãos na cabeça. Viva.

O mago suspira aliviado.

Arkron abre o globo de vidro e flutua ao chão, rindo muito.

- Você é muito previsível velho, e agora, vai morrer!

Apavorado, o rei vira as costas e sai correndo, deixando o grupo para trás. Ele vê uma porta fechada com correntes e cadeados enferrujados. Com sua força tremenda arranca o cadeado e entra.

É um lugar branco e asseado. Diferente do restante daquele edifício tão peculiar.

É um banheiro.

Assombrado com o objeto no canto daquele aposento, o Rei senta na privada, acreditando ser uma espécie de trono. É um trono, mas não do jeito que ele imagina.

Joseph avança ferozmente sobre Arkron. O Bruxo revida o ataque do vampiro com uma explosão de luz concentrada.

O magricela cai no chão empoeirado, o corpo coberto de queimaduras sérias. Sobral tenta atacar seu inimigo, mas está quase sem forças.

Arkron abre um largo sorriso de satisfação e contra ataca com força devastadora.

A explosão alcança o mago, mutilando-o contra as rochas da parede.

O velho jaz no chão, sem condições de se mover. Seus braços foram arrancados na explosão.

Mas à medida que se aproxima do inimigo caído, pouco a pouco o bruxo franze a testa.

Do corpo dilacerado de Sobral não escorre uma gota de sangue sequer. Pequenas faíscas saltam dos fios rompidos, nos pequenos tocos de metal retorcido que foram sés braços.

Lilian é a única pessoa que pode salvá-lo nesse momento, mas ela continua desmaiada.

O velho tenta falar algo, porém com seu modulador de voz danificado, tudo que diz é ininteligível.

- Vou te mandar para o inferno! – avisa Arkron.

O bruxo encosta seu bastão contra a cabeça do indefeso Robô, pronto para explodi-la.

Arkron não percebe a sombra que aparece subitamente atrás de si. Vira-se assustado quando a mão fria toca seu ombro.

- Quem é você? – esquiva-se assustado.

Os olhos puxados se estreitam mais ainda, soltando um fulgor vermelho.

- Saturno... – apresenta-se o vampiro.

O bruxo estremece. Ele conhece o nome ”Saturno”.

Tenta atacar com uma explosão de luz, mas um vampiro milenar não se deixa atingir tão fácil.

Dá a volta no lento humano e com as duas mãos espalmadas, esmaga o crânio do bruxo que não tem tempo nem de gritar.

O corpo de Arkron cai pesadamente no chão.

Saturno pula o corpo do bruxo debruça-se sobre o seu amigo mago.

Rasga o grosso manto como se fosse um pedaço de papel. No peito do mago um pequeno monitor de 7,5 polegadas e um teclado com antiqüíssimos caracteres portugueses do século XXII, quase apagados.

Acessa o programa básico do Robô, digitando habilmente, acaba se lembrando de Caronte. Ele sim ia adorar essa tecnologia!

Roda um comando para que Sobral recupere os dados que possam ter se perdido e auto-desligue em seguida.

Passa pelo ladrão, a quem dirige um olhar um pouco menos severo, por Lilian e Joseph.

O vampiro ruivo ainda está desacordado, mas seu corpo cura as queimaduras sofridas rapidamente.

O índio escuta um ruído vindo do fim de um comprido corredor.

Em instantes chega ao local do barulho. Uma porta entreaberta.

Abre a porta de uma vez, assustando o Rei lá dentro do banheiro.

No mesmo momento, entende o que aconteceu no lugar.

- Você fugiu como um covarde! – acusa com raiva.

O Soberano hesita.

- Eu não fugi, eu... Vim tomar o trono de Arkron!

Ele estufa o peito com um orgulho fingido.

Saturno fala com desprezo:

- Isto não é um trono, seu imbecil. Isso é uma latrina!

Vermelho de raiva e vergonha, o rei levanta de um pulo e com o dedo no rosto do imortal, grita, sem saber realmente quem ele é:

- Seu idiota, eu sou o Imperador do Brasil! Seu dever é morrer por mim e não fazer acusações falsas!

O vampiro se irrita.

Pega o Rei pelo pescoço, e suspendendo-o, fala exalando ódio:

- Eu sou SATURNO! – e observando o medo que cresce nos olhos do Rei, continua:

- Você tem um irmão caçula, não?

Apavorado, o resgatado balança a cabeça afirmativamente.

- E seu irmão é correto e generoso, não?

Tentando se desculpar, o soberano acaba concordando.

Saturno deixa o homem cair no chão.

- Mas... Você é o Rei. Ele só ficaria em seu lugar se você morresse... E você está vivo.

Ele tosse e após recuperar o fôlego, observa com arrogância:

- Mas eu estou vivo, e ele não é NADA!

O vampiro estava quase saindo do banheiro. Para na soleira da porta.

Em um instante se vira e volta a curta distância entre os dois. Com um estalo seco, quebra o pescoço do pretensioso reizinho.

Deixa o corpo cair pesadamente no chão.

- Acho que seu irmão será uma escolha melhor para a nação... – murmura o imortal consigo mesmo.

Quando se vira para sair, fica muito surpreso, o mago observa acena com muita atenção.

Após um profundo silêncio, Saturno toma a iniciativa de dizer algo:

- Eaí? O que achou do que fiz?

O mago parece ponderar por um momento e logo responde:

- Um ato condenável...

Após essa resposta, o vampiro sabe que terá de destruir seu velho amigo metálico.

O imortal se aproxima ameaçadoramente do velho que está em franca reconstrução, os nano-robôs em seu interior trabalhando freneticamente.

- Arkron assassinou o Rei, mas como você mesmo disse, o caçula será um soberano bem melhor para a nação!

Saturno sorri nervosamente.

- É. Ótimo.

O ser mecânico se auto-desliga em seguida.

Olhando em volta, o vampiro índio guarda na memória a visão do banheiro luxuoso de uma época perdida.

Um chuveiro cromado com detalhes filetados em ouro exibe a seguinte inscrição.

[Modelo comemorativo 2082].

Saturno lembra-se daquele ano, com uma onda de nostalgia.

- Um ano bom... – sussurra o imortal.

Pondo Sobral em um ombro, puxa o cadáver do rei morto pela mão até chegarem ao grande salão.

Saturno acorda Lilian e lhe dá instruções específicas sobre como refazer os braços e o bastão do mago mecânico.

Apesar de surpresa, por alguém saber mais sobre o robô Sobral do que ela mesma concorda com tudo.

Saturno some na escuridão da noite.

A bela moça acorda um por um, até Joseph, que parece surpreso e constrangido por estar vivo.

Tot sente muita dor, mas a ganância fala mais alto, e mancando muito, ele coloca em um saco mais do que agüenta carregar.

- Saturno esteve aqui? – pergunta o ruivo para Lilian.

Apesar de não entender a língua do vampiro esquelético, a moça sabe que ele quer saber sobre o imortal que eles encontraram na floresta.

- O rei dos lobos, Saturno, salvou a todos nós. - diz ela com um brilho no olhar.

Joseph sai para um canto xingando em uma língua antiga, que só ele pode entender. Após se organizarem, partem em direção ao reino.

O ruivo carrega o cadáver do rei, e o mago Sobral que está desligado.

Tot leva uma sacola cheia de quinquilharias, que espera vender e obter bons lucros.

Lilian carrega a cabeça decepada de Arkron em um saco, e seu poderoso bastão na outra.

Saem pelo portão de ferro enferrujado na entrada do que eles acham que foi a fortaleza do Bruxo.

Após passarem pelo arco de pedra na entrada, Tot se vira e vê uma estranha inscrição. Caso não fosse completamente analfabeto, teria lido a seguinte inscrição.

[HOTEL SÃO PAULO PALACE]

Tot se benze e corre para alcançar o grupo. Três dias depois, eles chegam ao reino, onde o Rei assassinado é enterrado com toda a pompa.

E o caçula, após um breve período de luta, toma posse da coroa.

Sobral é reconstruído, e sua pupila e Técnica, Lilian atinge o status de cientista.

Joseph volta para a floresta, liberado de seu juramento cujko teor, apenas o mago conhece.

E Saturno, o rei dos lobos? Saturno foi atrás de Ângela, seu amor imortal, mas isto... Isto é outra história!

Transcrito por Tot, Ex-Ladrão e atual escudeiro do Rei, por serviços prestados à coroa.

Reino do império do Brasil, Ano do Senhor de 3250.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 10/09/2008
Código do texto: T1171456
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