O teatro da morte (minimalista)
Soprou o brinquedo, como se dispersasse a pólvora imaginária enquanto fitava a matéria jogada no chão. Quisera tantas vezes fazer isso de verdade, matar alguém... Ensaiou muito, diante do espelho, esperando ver ensangüentada a própria imagem, os miolos escorrendo pela face, em borbotões jorrados do crânio esfacelado.
Quando o menino passou correndo com a pistóla de plástico, brincando de seguir um homem, sentiu um calafrio bom. Enfiou-se diante da figura, dura demais para um garoto, que trombou contra seu corpo, surpreso com a manobra inesperada do desconhecido. A arma caiu em seus pés, enquanto o guri se esparramou mais adiante.
Baixou-se e segurou a pistola, deliciado. Apontou-a para o menino, estranhamente desconcertado na posição de vítima, ele que há pouco representara o bandido. Mirou e puxou o gatilho. Havia espoleta no brinquedo, que pipocou maravilhosamente real.
Em transe, não ouviu os gritos. Não ouviu as sirenes. Não sentiu o próprio corpo ser cravado pelas dezenas de projéteis disparados pelos outros participantes daquele teatro, homens trajando preto, boinas e coturnos. Caiu sobre o corpo do menino e lá ficou até a chegada do rabecão.