Sombra da Lua
Tiago estava zonzo. Saiu do carro cambaleante sem saber o que acontecera. A árvore quebrada ao caule, o carro amassado com o motor no chão, os vidros estraçalhados e todo aquele sangue nele lhe deu alguma idéia. Ele não se recordava muito bem, mas se lembrou que havia alguém na pista. Sim, alguém estava no meio do caminho, uma mulher. Ele desviou, perdeu o controle e não se lembra de mais nada. Sua cabeça latejava, estava tonto e desorientado. Cambaleante seguiu as marcas dos pneus na grama que a lua cheia iluminava até a estrada.
De costas uma mulher de cabelos alvos que pareciam brilhar e um vestido longo e preto rendado com círculos roxos. Estava descalça e com as mãos juntas em oração fitava a lua. Ainda tonto Tiago se aproximou limpando o sangue que caíra em seus olhos e disse: “Tudo bem com você? Eu quase não te vi ai, que você ta fazendo no meio da rua assim?” e esticou a mão para tocá-la no ombro. O simples toque pareceu atraí-lo para uma imensidão de sombras como fitar o oceano escuro em noite de lua nova. Ao susto ele se afasta jogando a mão para trás ofegante de medo. Seus olhos já arregalados não conseguiam arregalar-se tanto quanto o terror que sentira. Sentado no chão aterrorizado, ele examinava a própria mão como se procurasse uma ferida.
A dama, primeiramente, arruma o cabelo e o joga de lado. Depois, como se flutuasse, gira em seus calcanhares para fita Tiago. Sua pele era azul. Era sobrenatural, como se a luz ao redor dela fosse atraída a escurecê-la e não iluminá-la. Seu cabelo branco realmente brilhava. Era como a lua cheia no céu em seu brilho mais pálido. Seus olhos de órbitas negras e íris qual o cabelo fechavam em um olhar indiferente e triste. Como uma princesa a ver um plebeu em cima de seu cavalo. Uma mistura de dó e aversão. Lentamente se aproxima, seus passos não parecem tocar o chão e a luz da lua não lhe fazia sombra.
Tiago respira fundo como quem vai gritar, mas um dedo o tapa os lábios. Com uma serenidade incrível sussurra no ouvido de Tiago um sibilar de silêncio e o segura pelos ombros. E como uma mãe abençoando o filho, beija-lhe a testa. Tiago sente um êxtase de bebê no colo da mãe, uma tranqüilidade inexplicável, se deitando lentamente como ao ser posto no berço. E lentamente vai afundando como em um colchão macio de puro veludo negro. Antes de perceber, já está envolto em sombras e não consegue distinguir se está com os olhos abertos ou fechados. Ele se desespera e tenta correr, mas sente como se dezenas de mãos e braços o abraçassem e agarrassem. Ele luta em vão. Não conseguia se mexer nem um centímetro. Nem mesmo teve o direito de sentir suas lágrimas correndo em seu rosto. Ele foi ficando cansado, cansado e mais cansado. Sentiu todos seus ossos doerem, a respiração ficar mais difícil até dormir para nunca mais acordar.