Capítulo 2 - Ainda restam sobreviventes

Enquanto eu olho por todos os lados tentando encontrar uma maneira de chegar ao Ginásio de Esportes em segurança, os canibais parecem não se cansar de tentar me alcançar sob a árvore. Seus olhares são vazios, sem brilho. Os grunhidos que emitem me fazem ter pena, e no fundo, me dão certo medo, admito. Tento imaginar como seria ser devorado por essas coisas, com seus dentes podres mas poderosos, enquanto me dilaceram com suas mãos mortíferas, brigando pela minha carne. Como seria ser um deles? Vagar por aí com o único propósito de continuar vagando e matando. Será se eles pensam? Será se sentem dor? Se tem sentimentos? Tudo aconteceu tão rápido que ninguém teve tempo de estudar essa catástrofe mais afundo. Não deu tempo de planejar nada, de salvar ninguém. Era cada um por si. Foi duro aceitar isso quando vi meus entes queridos sendo mastigados, destroçados... E depois, se levantando. Aquela noite nunca mais sairá da minha cabeça.

Olho pra cima e vejo que os galhos são grossos e resistentes. A copa da árvore chega a uns bons metros de altura. Alto o suficiente pra machucar bonito alguém que eventualmente possa vir a cair. Espero que esse alguém não seja eu. Logo acima, os galhos da árvore que estou se encontram com os da árvore vizinha, e assim, sucessivamente. Há umas quatro árvores até a parede lateral do Ginásio. Guardo meu squeeze vazio na mochila e a fecho. Hora de concentração. Respiro fundo e começo a escalar a árvore. Com cuidado, devagar. Pelo menos, pressa é algo que não tenho em momentos como esse. Acho que é por isso que durei até agora. Meu coturno parece ter sido feito pra escalar essa árvore. As luvas de couro protegem minhas mãos enquanto vou subindo. Assim que chego no encontro dos galhos, analiso cada centímetro, pra evitar a queda pra morte. Seguro um galho mais fino acima e, num pulo, me jogo no tronco adiante. Não sei se foi umidade ou cocô de passarinho, mas o escorregão que levei quase me jogou pra cima dos malditos gemendo lá embaixo. Por sorte, consegui me segurar a tempo num galho próximo. Meu coração deve ter vindo até minha garganta e voltado pro peito. Tenho passado por várias situações de risco ultimamente, mas ainda assim prezo por minha vida, e qualquer sinal de ter chegado perto do fim me faz quase ter um ataque cardíaco. Até que morrer de ataque cardíaco nos dias de hoje seria bem interessante. Continuando minha caminhada sobre os troncos e galhos, vou me esgueirando pelas folhas que se prendem em meu cabelo e roupa. Já no meio da segunda árvore, escuto um som que há muito não ouvia. O ronco de um motor. Será verdade? Tiro uns arbustos da frente do meu rosto e olho na rua. Na quadra de baixo, vejo uma caminhonete surgir desenfreada na esquina, sendo seguida por um bando relativamente grande de zumbis. Zumbis... Até parece mentira. Não consigo ver quem guia o veículo, pois os vidros estão fechados. Ele parece bem sujo. Deve ter vindo da zona rural, pela rua que apareceu. Eu tinha tios e primos que moravam no sítio. O que será que aconteceu com eles? Como devem ter morrido? É, porque vivos é bem difícil de estarem. Num devaneio, vejo a caminhonete sumir na outra esquina. Volto a me concentrar na minha escalada, mas algo me chama atenção. Meus perseguidores foram atraídos pelo barulho da caminhonete e sumiram atrás dela. Olho por todos os lados buscando algum zumbi surdo que por acaso tenha ficado pra trás. Nada. É minha chance. Sento no tronco, e num impulso, me jogo sobre a grama, que amortece a queda. Sorrateiro, mas ligeiro, corro até a parede lateral, onde há alguns arbustos. Por precaução, vou me escondendo neles até a entrada. Em menos de trinta segundos, chego ao portão principal. Aberto. Sem fazer barulho, entro e o encosto. Assim que canto vitória, vejo que um deles estava na varanda de uma casa bem em frente ao portão, do outro lado da rua, e que, por acaso, me viu. Porra! Como corre o danado. Procuro uma corrente, algo que possa manter o portão fechado. Nem um mísero cadeado por perto. Bom, o negócio é correr agora. Assim que começo a subir as escadas logo adiante, ouço o portão bater violentamente, seguido dos sons dos passos e urros do monstro. Chego na parte superior da escada, que dá pra degraus mais amplos que se estendem por todo o Ginásio. Nem penso duas vezes antes de descer correndo e entrar pelo corredor escuro que leva aos banheiros. Bato a porta e vou direto a uma das cabines. Encosto a porta devagar e subo no vaso sanitário fazendo o mínimo de barulho, enquanto ouço os gritos ferozes se aproximando, e logo após, a porta se escancarar, batendo na parede azulejada. Silêncio. Suor começa a deslizar pelo meu rosto, enquanto me mantenho imóvel sobre o vaso, de cócoras. Sinto como se estivesse nessa posição há horas, quando a cãimbra ataca minha perna direita. Cerrando os dentes, com vontade de gritar, me mantenho firme, afim de permanecer vivo mais algum tempo. Começo a ouvir algo estranho, além dos grunhidos infames do zumbi. Parece que... Não. Não é possível! Ele abriu a porta de uma das cabines sanitárias. E logo após, outra. E outra. Esses malditos pensam? Se pensam, eu não sei, mas é bom eu pensar em algo pra me safar dessa.

Tiago Toy
Enviado por Tiago Toy em 29/08/2008
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