Sede de Cura

O sangue dela esvaiu-se em questão de minutos, e meus lábios saborearam aquela doçura. Uma menina que cheirava à virgindade, com não mais de quinze anos; alta e magra, branca como as da minha própria raça, e agora estava morta. Morta por uma criatura demoníaca, um ser sem alma ou piedade. É assim que eles nos vêem. Assim que parecemos aos humanos. Criaturas amigas do demônio, sugadoras de sangue, assassinos frios e sanguinários, que não têm compaixão ou mesmo sentimentos.

Deixo o corpo dela em um canto escuro, escondido das vistas dos transeuntes. E eu choro, ajoelhado em frente àquele belo corpo. Choro por aquela menina que podia ser uma futura médica, ou quem sabe até mesmo uma atriz famosa. Morta sem a chance de se defender, pega de surpresa. Ela nunca mais verá a mãe; nunca mais terá um namorado, nem saberá o que é ser amada. Nunca terá preocupações se seu filho se contagiar com alguma doença, e nem terá uma velhice confortável. E é tudo culpa minha. Culpa. Maldita culpa que me destrói por dentro, que me cobra o que não posso evitar, que me lembra cada rosto que tornei pálido, cada pescoço que furei com meus caninos, cada gota de sangue que degustei, por um misto de prazer e necessidade.

Sou como um drogado, viciado em sangue. E meu vício é caro. Custa muito mais do que alguns trocados. Custa vidas. Cada vez que mato, sinto um vazio que parece se expandir dentro de mim e que pergunta “por que está fazendo isso?”. A verdade é que nem eu mesmo sei responder. É uma necessidade, assim como os humanos necessitam de comida e água. Já tentei me livrar de todas as formas desse maldito vício, mas fui frustrado em todas as minhas tentativas. Tentei me alimentar de sangue de animais, mas nunca senti algo tão ordinário e ruim em toda a minha vida. Tentei me abster de sangue humano, mas a loucura parecia me consumir a cada segundo que passava sem aquele liquido rubro entre meus lábios. É inevitável.

As criaturas da noite parecem me olhar com um quê de desconfiança, como se lessem meus pensamentos. Arrumo o capuz em minha cabeça, seco o sangue que escorre pelos meus lábios e as lágrimas que escorrem pelos meus olhos. Levanto-me, saboreando a sensação daquele sangue em meu próprio organismo. Aquilo me dá vitalidade. Vejo as cores com mais nitidez, ouço os sons com mais aprumo, vejo toda a beleza da lua no céu, das luzes acesas da cidade, e lembro de como costumava ser quando era humano.

Um viciado sempre diz que é o último cigarro, o último gole de álcool, a última transa com uma desconhecida. Eu, diferente deles, tenho consciência de que não é tão fácil quanto parece. Minha condição é patológica, e eu nunca conseguirei me livrar desse vazio. Os humanos, ao menos, têm a oportunidade de morrer. Quem me dera tivesse tanta sorte.