Caçada
Quando o primeiro disparo ecoou pelo bosque próximo a velha passagem, o pensamento maior de Fernando foi um só, fugir.
Nem mesmo o detalhe de ele não saber por que começara a correr o fez parar, o rifle de caça, praticamente soldado a seus dedos nervosos, ainda ouviu alguns disparos ao longe de onde correra, “estão lutando?” ele se perguntou.
Alguma coisa em seu subconsciente martelava de forma insistente para que ele retorna-se e os ajuda-se, mas tão subitamente quanto começaram, os disparos de seus companheiros cessaram.
Fernando apertou o passo e se escondeu atrás de uma arvore, somente quando parou para respirar melhor, foi que notou que estava ensopado de um suor frio, suor de medo, mas um medo que ele não sabia nem mesmo explicar o por que. Alguns minutos se passaram, o homem só escutava sua respiração levemente descompassada e alguns barulhos pequenos entre as arvores.
Se sentou no capim, secou o rosto com a manga da camisa, assim que fez esse gesto, começou a pensar no por que daquilo estar havendo, como ele e mais 4 companheiros haviam ido parar no meio do mato numa noite de quarta feira, armados.
A resposta para aquela pergunta era simples, haviam ido caçar, simplesmente matar alguns bichos para passar o tempo, deixar as esposas em casa cuidando das crianças enquanto eles, 3 caixas de bala por cabeça e algumas caixas de cerveja iam passar a madrugada atirando e rindo.
Mas agora as coisas saíram do controle, haviam topado com só deus sabe o que, e isso havia posto todos para correr, ele não podia deixar de pensar que estava logo ali ao lado, esperando-o, pronto para estraçalha-lo lentamente.
Seus sentidos estavam apurados a qualquer barulho ou brusco ou anormal, ele iria fugir caso algo se aproxima-se demais, chegaria ate as duas caminhonetes paradas a beira da estrada e iria pra cidade pedir ajudar, gritaria para todos que seus amigos foram devorados por alguma coisa e que ele quase perdera o traseiro enquanto corria.
Subitamente ele ouviu sons de matos se remexendo, apertou novamente o rifle entre os dedos, o coração acelerou quase a ponto de varar-lhe o peito de tanto pavor, Fernando sentiu que os dentes queriam bater, mas trincou o melhor que pode e simplesmente aguardou.
Para seu alivio, junto com os sons, ele começou a ouvir também bufadas cansadas, mas bufadas que somente um ser humano poderia produzir, juntou suas forças e pos a cabeça para fora para observar e quase riu de alegria ao ver que era Ezequiel que vinha pelo mesmo caminho que ele, os passos tão sem coordenação que ele praticamente chutava as plantas para longe de si.
Estava desarmado e parecia ter perdido o chapéu, “menos mal” pensou Fernando se revelando “não vai atirar em mim por acidente”, saiu de seu esconderijo e disse.
- Aqui, Ezequiel!
O homem estacou no mesmo segundo como se tive-se batido de frente com um muro de tijolos, pos a mão no peito e Fernando achou que ele ia ter um infarto pela expressão que fez, mas logo se controlou, começou a balbuciar enquanto bufava exausto.
- Nunca mais, - ele silencio – nunca mais me de um susto desses, eu podia ter atirado em você se estive-se armado sabia?
- Eu sei! – Fernando respondeu enquanto ia na direção, olhava para onde o homem havia vindo como se espera-se ver algo saltando das arvores logo atrás dele – onde estão os outros? Você se feriu?
- Eu não sei dos outros! – ele disse já mais calmo e respirando quase normal – perdi eles de vista quando me virei para correr do que quer que fosse aquilo, 10 minutos depois disso, eu tropecei e derrubei meu rifle e meu chapéu, mas nem parei para pega-los.
Fernando se limitou a concordar com a cabeça, se manteve olhando para os lados atentamente, a tensão de forma alguma se dissipava, ele não conseguia parar de pensar que seus outros companheiros estavam mortos e que eles seriam os próximos, devorados pela besta da floresta, seus pensamentos foram cortados por Ezequiel.
- O que vamos fazer agora?
Ele olhou para o companheiro, não sabia exatamente interpretar a pergunta na hora, então se limitou a dizer.
- Como assim?
- Hora! – ele disse parecendo nervoso – vamos para os carros e voltamos para a cidade, ou voltamos para procurar os outros?
Ele não queria deixar os companheiros para trás, definitivamente não queria, mais do que tudo desejava voltar e pega-los, talvez com um pouco de sorte consegui-se enfiar uma ou duas balas no que quer que estive-se ali, mas alguma coisa em sua cabeça também lhe dizia que a coisa, não morreria com balas, talvez ate morre-se, mas ele já vira filmes de monstro o bastante para imaginar que deveriam ser balas de prata ou coisas do tipo, e ele não tinha isso disponível naquele segundo.
Sua resposta foi a mais racional possível, pelo menos para ele.
- Vamos a cidade buscar ajuda, voltaremos com mais pessoas, mais armas e quem sabe ate mesmo um padre, diabos vai saber que negocio era aquele não é?
- Eu achei que você tive-se visto no que a gente atirou Fernando! – Ezequiel disse curioso, não encarava Fernando, também olhava para os lados procurando algo, ou se certificando de não encontrar alguma coisa.
- Eu nem mesmo cheguei a atirar! – ele respondeu com um misto de vergonha e sinceridade – eu somente fugi, alguma coisa me disse que era demais para a gente na hora!
Ezequiel o encarou, Fernando pode sentir o olhar reprovador do companheiro, pode perceber que ele o achava um covarde, um fraco, se detestou por isso, naquele segundo, mais do que nunca ele desejou ter ficado para enfrentar o que quer que fosse.
- Eu só agi por instinto e... – mas Fernando não terminou de falar, subitamente o companheiro ergueu o dedo para ele num gesto de silencio, ambos ficaram mudos, a tensão pairando, quase uma presença maligna e real, tão real quanto a arvores e bichos noturnos, no inicio não se ouviu nada, mas segundos depois vieram os barulhos de mato se quebrando.
Um arrepio espectral e gelado subiu pela espinha dos dois homens, ambos sentiam como se uma mão invisível os tive-se pegado pelos ossos da coluna, Ezequiel abriu a boca para balbuciar alguma coisa, mas Fernando mandou que se cala-se.
Os sons foram se tornando mais próximos, e mais fortes também, tinha algo se aproximando, e não estava preocupado em não denunciar a presença, Ezequiel ia falar novamente, mas o outro disse.
- Corre!
Ambos então saíram correndo floresta adentro, Fernando ia logo a frente, o companheiro o seguia a alguns centímetros de distancia, exaustos e suados pelo corpo todo, eles simplesmente pisoteavam e chutavam para todos os lados, suas pernas pareciam borracha ao passo que se moviam e seus olhos ardiam muito pelo suor das gotas pesadas, ambos sentiam como se a qualquer segundo o coração fosse explodir em seu peito, mas por nada no mundo eles iriam parar.
Foi apenas alguns minutos depois que eles conseguiram parar, ambos tombaram no chão acabados, respiravam alto com dificuldade, o oxigênio lhes arranhava a garganta quando entrava em longas golfadas, estavam de joelhos, o rifle de Fernando lhe escapou da mão e estava caído ao lado.
- Acho que... – Ezequiel tentou dizer, mas as palavras lhe faltaram, o cansaço era imenso.
- Acho que dessa vez nós despistamos o que quer que fosse! – Fernando completou pegando a arma ao lado, se sentou com as pernas abertas ainda bufando, lamentou profundamente não terem trazido os cantis ou a menos uma garrafa de cerveja, tudo ficara no carro.
Ezequiel já se levantara, ele se secava como podia na camisa, mas não havia nenhum ponto de seu corpo que não estive-se suado, se ele tive-se mergulhado em uma piscina talvez fica-se menos molhado, Fernando se levantou, ambos olharam em volta em silencio, o mato estava calmo e silencioso agora, apenas uma leve brisa balançava as folhas.
- Vamos – disse Fernando – nem mesmo sabemos para que direção devemos ir para chegar aos carros.
O companheiro ia falar, quando novamente o barulho de mato sendo pisado os cercou, eles se encararam, o medo voltando a espremer seus corações como uma laranja, Ezequiel caiu de joelhos num gesto claro de “é o fim, não podemos fugir”, mas Fernando não se rendeu, já fora um covarde tempo demais por uma noite.
- Dane-se se é a porra do chupa cabra!
Ficou em silencio alguns minutos com o rifle na mão, respirava devagar e de forma calma, embora no fundo estive-se quase que totalmente tomado pelo pavor intenso, o dedo no gatilho, quase implorando para puxa-lo, os sons não haviam silenciado, ambos podiam ouvi-los mais próximos, mais altos e mais assustadores.
O tempo se arrastou por uma eternidade talvez ate que o caçador ergueu sua arma, que na hora parecia pesar toneladas, seguiu levemente o barulho, no inicio achava que eles pareciam vir de toda a parte como se alguma coisa dança-se em volta deles, mas agora já os havia identificado, passou a mão na testa novamente e fez mira no local.
Reunindo sua coragem toda, Fernando puxou o gatilho, fez isso três vezes seguida, o som rompeu o ar e os barulhos pararam no mesmo instante.
- Acertei! – ele disse triunfante, em sua mente realmente alvejara algo, vira ate mesmo algumas moitas estancarem bruscamente em resposta aos tiros – acho que derrubei o que quer que seja!
Ezequiel se levantou surpreso, não acreditava que o amigo havia conseguido, ambos ficaram imóveis olhando para o local onde Fernando atirara, o cano do rifle fumegava, então eles deram um passo a frente, agora que haviam conseguido atingir, um impulso curioso os assaltava, queriam saber o que é que os havia feito correr como idiotas.
Com passos lentos e cuidadosos, eles entraram nas moitas, apesar da arma estar com Fernando, o mais curioso era Ezequiel, então ele ia na frente, após alguns passos, ele estacou, seus olhos se esbugalharam e ele deu um suspiro que poderia ter sido uma palavra se ele possui-se força para arquiteta-la, em seguida se virou de costas para o que quer que tive-se sido atingido e caiu de joelhos com a mão nos olhos, parecia soluçar.
- O que foi homem? – perguntou Fernando meio nervoso.
- Você..você, o meu deus! – ele se resumiu a dizer, sem tirar a mão dos olhos um segundo sequer, o outro se aproximou e então largou o rifle subitamente, sentiu que algo lhe subia pela garganta e antes que ele tive-se ao menos noção do que era, só teve tempo de virar a cabeça para o lado e vomitar intensamente, após fazer isso, uma tontura o atacou e ele teve que fazer força para não cair de cara no próprio vomito.
Estendido ali no meio do mato, estava Marcelo, um outro companheiro deles daquela noite assustadora, sua boca semi-aberta parecia querer mostrar que ele ia dizer algo, antes de ter a cabeça estraçalhada por uma bala.
Uma mistura de lagrimas e sangue lhe saia do olhos direto, o esquerdo e a parte ao lado do crânio sumira, só havia um buraco de tiro bem ali, grande e em forma de meia lua.
- Jesus! – balbuciou Ezequiel – você o matou!
- Foi um acidente como eu ia saber? – Fernando respondeu – por deus poderia ser, poderia ser a coisa!
O companheiro o encarou subitamente, o olhar de surpresa e horror pelo assa sinato sumira de sua face, havia agora só um olhar de raiva e vergonha, uma mistura que fez Fernando recuar um pouco.
- E do que nós estamos fugindo? – ele disse nervoso, sua raiva era tanta que ele parecia fazer força para cuspir as palavras – do que é que nós estamos fugindo? No que é que atiramos? Talvez você saiba por que eu juro por deus que só vi mato balançando e mais nada!
O outro recuou assustado, a arma bamba em sua mão, não sabia o que dizer para o amigo, por que no fundo não havia visto nada, se limitara a sair correndo apenas, naquele ponto ele chegava a duvidar que seus amigos também tivessem visto algo, somente atiraram como loucos e correram, a única coisa que podiam acertar aquela noite, era eles mesmos por acidente como acabara de acontecer.
- Esta querendo dizer que nós não fugimos de nada a noite toda?
- È o que eu acho! – Ezequiel respondeu, dera alguns passos em direção a Fernando que recuou nunca em sua vida se sentira tão seguro com uma arma na mão, tinha quase certeza que o amigo tentaria estrangula-lo ou golpeá-lo ate a morte se não fosse por esse detalhe.
Ambos estavam sozinhos na floresta ao lado da velha passagem, deveriam ser quase meia noite e tanto, estavam apavorados, sujos e tinham um cadáver nas mãos.
- Ótimo, se não tinha nada atrás de nós o que faremos agora? Já que nos livrarmos do monstro se é que algum dia ele já existiu, agora temos que carregar Marcelo ate a cidade e explicar o que ouve, basta dizer que foi um simples acidente, não vamos citar monstro algum.
Subitamente algo pareceu acontecer com Ezequiel aos olhos de Fernando, foi como se o amigo tive-se se tornado uma criatura pequena e mesquinha, seus olhos se estreitaram quase como duas pequenas fendas e uma careta crispada surgiu em seus lábios, à escuridão lhe deu um ar lúgubre e soturno e quando ele falou, sua voz saiu como uma coisa rouca.
- Cuide você disso, e tudo culpa sua, você matou ele, eu vou embora, já perdi tempo demais aqui como um idiota, esse fardo é seu!
Então deus as costas para Fernando que ficou olhando abismado para as costas do ex-companheiro, Ezequiel começou a caminhar se afastando sem olhar para trás em nenhum momento, os passos frios e calculados.
- Não me deixe aqui sozinho! – gritou Fernando assustado – me ajude, por favor, ele era nosso amigo, eu sou seu amigo, não!
- Ele era ate você mata-lo – o outro disse sem se virar.
- Não seu maldito! – Fernando berrou erguendo a arma – foi um acidente!
Sem tem noção do que fazia, ele puxou o gatilho, o disparo ecoou na floresta escura, um som isolado que silenciou tudo e todos, o que restou depois foi só a escuridão e o silencio que pareciam durar para sempre na mente de Fernando ao ver o corpo do amigo tombar para frente baleado pelas costas, caiu imóvel, de cara no chão com uma poça de sangue embaixo, um imenso buraco no meio dos ombros.
- O que foi que eu fiz? – ele se perguntou deixando a arma tombar de suas mãos impotentes, as lagrimas vieram depois em uma cascata intensa e ele tombou de joelhos.
Em uma só noite, matara dois amigos dele, agora estava acuado e morto, Marcelo fora um acidente, mas Ezequiel fora assa sinato a sangue frio, estava praticamente escrito condenado por homicídio em sua testa.
O pavor de seus atos o paralisou e então subitamente ele começou a rir, as lagrimas não pararam de cair, mas ele ria de forma demente e frenética, se levantou olhando para cima e começou a gritar.
- Sim, já sei o que fazer, eu os matei, matei os dois e vou carregar essa culpa comigo, sim vou, vou carrega-los para sempre!
Arrancou as mangas da camisa que usava, eram mangas compridas e o tecido era bem resistente, após fazer isso, Fernando foi ate o corpo dos amigos, arrastou eles para perto de si e então amarrou uma manga em cada um, a outra ponta ele amarrou em seus pro prios pulsos, quando terminou estava preso a cada um dos corpos.
- Agora vou pagar pelos meus crimes! – ele disse ainda rindo e chorando – vou arrastá-los comigo para sempre.
Então preso aos dois corpos mortos, ele começou a caminhar pela floresta arrastando-os consigo, o tempo que ele iria fazer isso, não fazia idéia, mas em nenhum momento enquanto fez, deixou de sentir os olhos o observando.