Agradando

33, 34, 35, ela contava rapidamente sobre a pro pia respiração entre cortada, a noite estava de uma temperatura morna e agradável, uma brisa batia entre as arvores que havia na beira da estrada velha passagem, Julia adorava o som que ela faziam ao balançar as folhas, era como um leve assobio.

Deveriam ser exatamente 08h30min da noite, a jovem havia saído de seu emprego em uma pequena loja de conveniências, (Tudo a disposição abertos 24 horas), seu turno de emprego era do meio dia as 06h30min, depois desse horário ela tinha que andar ate sua casa na cidade vizinha, Catedral dos bons ventos, não era muito longe, mas andando levava cerca de 25, no Maximo 30 minutos.

Julia sempre fora uma apreciadora de esportes de resistência, então aproveitava o percurso entre seu trabalho e sua casa, para praticar um pouco de exercício físico, Cooper, ela adorava correr, e sempre fazia isso após sair do trabalho.

Durante o percurso que ela conseguia fazer sem parar, nada costumava acontecer, a velha passagem sempre fora um caminho tranqüilo em qualquer horário, raramente passavam carros em massa, então se ela quisesse, poderia se dar ao luxo de correr no meio da estrada, com certeza não seria atropelada por um motorista maluco, pelo menos seria muito difícil.

E lá estava ela, naquela noite como qualquer outra, medindo seus batimentos cardíacos com contagens rápidas enquanto corria, o cabelo preso num rabo de cavalo gracioso, o braço descrevendo um ritmo de frente e trás e as pernas movendo-se velozmente no shorts de corrida, ela sempre se trocava no trabalho mesmo, comia algo e depois saia para a corrida, aquela noite tinha tudo para ser como qualquer outra que ela pude-se ter tido e qualquer uma que viria a ter, ate que ela avistou.

No momento ela não pode deixar de pensar, como não havia reparado antes, uma pequena nuvem de fumaça negra subia para o céu logo mais a frente, a garota forçou a visão, mas a escuridão não lhe permitiu ver muita coisa além da mancha negra que subia numa coluna e algo grande e disforme logo abaixo, algo que ela no exato segundo pensou ser um carro.

Assim que alcançou o local, ela viu com mais clareza, havia um automóvel capotado a beira da estrada, não entrara em chamas com o choque, mas saia fumaça debaixo do capo, o que indicaria algo serio com o motor, ela parou de correr curiosa e um pouco assustada, seu primeiro impulso foi se abaixar e olhar para ver se não haveria alguém preso às ferragens, assim que fez constatou que não, mas então ouviu uma voz chama-la mais ao lado.

- Você ai moça! – parecia de alguém com falta de ar – por favor, aqui!

Julia foi ate o local de onde vinha a voz e notou uma mulher caída mais adiante, tinha um corte profundo próximo ao peito de onde vertia sangue, havia outra ao lado desta, estava de joelhos e abraçada à ferida como um afogado agarra a uma bóia.

- Por favor, nos ajude! – ela disse com lagrimas nos olhos.

- Calma amiga! – disse Julia se aproximando e parando ao lado da mulher ferida – o que exatamente ouve aqui?

A mulher ferida deu uma arfada e a outra que a amparava começou a falar.

- Nós estávamos dirigindo para casa, quando o pneu estourou e eu perdi o controle, o carro capotou e Maria ficou muito mal, eu tentei pedir socorro, mas ninguém passou ate agora, pode nos ajudar?

Julia passou a mão no rabo de cavalo, não tinha celular para pedir ajudar, mas sabia que havia um jeito de fazer algo, “sempre a um jeito” ela pensou, olhou para as duas e então disse.

- Vou correr o mais rápido que posso ate a cidade mais próxima, Catedral dos bons ventos, eu sempre faço Cooper a noite pra mim isso é coisa de minuto!

- Ou muito obrigado! – a mulher disse vertendo lagrimas de gratidão, misturadas com as de desespero – por favor, não demore!

- Deixa comigo! – Julia deu um sorriso para tentar encorajar a moça nervosa e então retomou o passo, agora já não era mais esporte, agora tinha uma vida em suas mãos, e ela não podia fracassar.

Conforme foi deixando o local do acidente para trás, Julia começou a reparar em algo, a estrada velha passagem nunca lhe parecera tão larga de um acostamento para o outro, as arvores pareciam estar a quilômetros e não a metros de distancia, isso há assustou um pouco, Julia passou a mão na testa para secar um pouco o suor e acelerou.

O morno da noite ainda era agradável, mas ela notou algo diferente, o ar parecia ter se tornado mais intenso, como se a brisa de minutos atrás tive-se se condensado, ela que antes podia escutar as folhas balançando levemente agora podia ouvir apenas seu pro pio fôlego, como se o mundo tive-se silenciado totalmente a volta para simplesmente vê-la correr.

A garota engoliu em seco, estava começando a se assustar e nem mesmo sabia por que, de súbito um pensamento maníaco começou a lhe passar pela cabeça.

A estada era como um ser vivo, sim era isso que aquele pedaço comprido e reto de asfalto era, um criatura velha e viva que apenas observava as pessoas passando de um lado para o outro, as analisava, às vezes podia manifestar alguma coisa, para assusta-las, faze-las ver que quem manda por ali era ela, então subitamente a estrada vê todo o dia, uma jovem correndo a noite por sua extensão, seus pés leves nem devem incomodar a velha criatura, mas ela se sente curiosa e apenas observa enquanto ela faz sua marcha diária, então a estrada torna o passeio agradável, abre suas passagens para a jovem e ela pode correr com brisa e sobre um clima bom, a corrida a torna feliz por que a estrada quer assim, por que a estrada acha que deve ser assim, não a nada de mal nisso, apenas viva e deixe viver.

Mas algum dia por algum motivo qualquer, a jovem desagrada sua bem feitora de piche, e ela então resolve “fechar” suas portas para a jovem, chega de corridas agradáveis, você irritou a velha passagem e agora vai ter que correr sobre a fúria dela.

Julia balançou a cabeça negando veemente, aquilo que ela pensara agora era ridículo, estradas do interior não eram seres vivos e onipresentes que cuidavam da vida de todos que passavam por sobre sua extensão, eram feitas apenas para serem transitadas de um lado ao outro, pensar que eram seres vivos era ate mesmo insano.

A noite já não era mais algo bonito, agora era negro e assustador, o ar estava parado e as arvores pareciam observá-la, seus galhos como garras, simplesmente esperando para agarrá-la e faze-la em pedaços sem dó algum, a idéia de que a estrada estava brava com ela retornou com força total, sim realmente havia algo estranho ali, algo assustador.

O pensamento então irrompeu em sua mente, “mas por que ela esta fazendo isso?” não queria considerar, mas pensar que estava sendo punida por alguns quilômetros de chão, era a única idéia viável naquele segundo, o que fizera de diferente? No fundo ela parecia não saber, mas sabia exatamente o que poderia ser.

Em nenhuma de suas corridas tivera que socorrer alguém.

E agora tinha, mas por que socorre-las irritaria a velha passagem? Isso só provaria que a estrada era algo perverso, algo que provocava tragédias e depois impedia que fossem concertadas, sim, afinal algo que mata duas jovens a beira da estrada só pode ser cruel, a entidade, ou demônio ou o diabo que o seja que agia sobre aquele lugar decidira com sua sabedoria que as jovens deveriam morrer, e a intervenção de Julia para ajudá-las estragaria seus planos, e a estrada não queria machucar ela, mas resolvera que malignamente e como punição fecharia seus caminhos e a faria correr no lugar mais sombrio e cruel que pude-se imaginar.

O clima a fazia querer parar, a solidão e a tristeza a contaminavam aos poucos, Catedral dos bons ventos parecia estar a quilômetros de distancia, parecia nunca se aproximar, somente se afastar, por que a velha passagem queria assim, as arvores imóveis, com seus galhos torcidos e que agora devido à escuridão aparentavam não possuir folha alguma, realmente agora eram garras, ameaçadoras e afiadas, não havia som algum, somente sua respiração arfada, o chão parecia ter se tornado borracha e suas pernas queriam parar.

- Pare! – ela disse em meio aos arquejos – o que eu fiz?

Não ouve resposta as suas palavras ditas para a nada, ela já não esperava realmente ouvir uma voz rouca do chão dizendo algo, mas pelo menos um sinal do por que aquilo seria bem vindo qualquer coisa serviria uma manifestação de poder a favor dela, já não agüentava ser oprimida daquela forma.

Foi então que sentiu algo sobre sua perna, algo viscoso e gelado se enrolando por sua panturrilha e subindo lentamente, um arrepio percorreu por sua espinha rapidamente, ela congelou na hora, não parou de correr, mas todos os pelos de seu corpo se eriçaram no mesmo segundo, havia algo nela, logo ela sentiu outra vez aquilo, dessa vez na outra perna, subindo lentamente, querendo agarrá-la, era algo assustador e ela teve que conter o grito.

Reunindo todas as forças que ainda lhe restavam, Julia olhou para baixo.

Cobras.

O chão da estrada velha passagem estava totalmente forrado de serpentes, elas rastejavam de um lado para o outro, se moviam desordenada e lentamente, algumas subiam por suas pernas de forma ousada e lerda e outras pareciam ignorá-la em sua marcha desesperada para chegar a lugar algum.

Ela gritou, juntou o seu fôlego e seu desespero em um único e estridente berro feminino que somente uma mulher sabe dar, saiu da linha reta e começou a correr em círculos no meio da estrada, corria e pulava tentando soltar as criaturas repulsivas de suas coxas foi quando algo ainda maior chamou sua atenção.

Julia se virou para o lado, por alguns minutos esquecera totalmente as criaturas em seu corpo, sentia um olhar sobre si mesma, algo a observava como um farol, ela se sentiu subitamente nua, invadida pela vigilância.

A moça percebeu em choque, que a parte da velha passagem que ela já havia corrido não estava mais presa ao chão, saira do solo, o asfalto se soltara de forma assustadora como um curativo de um ferimento, estava enrodilhado no ar, ela percebeu que não era mais uma estrada aquilo, ela estava sendo encarada por uma cobra gigante com dois olhos grandes e amarelos, dois penetrantes e assustadores olhos que carregavam não só o peso da vigilância extrema, mas também a capacidade de ver a alma e corromper a mente.

O monstro de quilômetros de extensão via dentro dela, então Julia caiu de joelhos, pos as mãos sobre o rosto e começou a gritar.

- Esta bem, eu não vou ajudá-las, não sei quais são seus objetivos para elas, por que quer que uma morra, eu não sei de nada, não te entendo, mas não vou correr para o hospital, não vou salva-la, mas, por favor, eu te suplico, me deixe ir, pare de me olhar eu só quero correr, não quero te irritar, por favor, abra meu caminho, por favor!

Ela não saberia dizer por quanto tempo ficou ali gritando sem parar, não saberia contar o quanto implorou para ir embora, mas quando percebeu, a noite voltara a ser agradável e limpa, a brisa batia em seu rosto de forma agradável, quase como um carinho de uma pessoa querida, Julia se levantou e olhou em volta em pânico, tudo estava bem, em paz, a velha passagem abrira suas portas para ela novamente, fora perdoada, por que admitira seu erro.

Então o mais rápido que pode, a jovem correu, chegou à pequena Catedral dos bons ventos em 5 minutos, a distancia infinita que ela havia visto antes, parecia ter sido encurtada completamente, como se alguém coloca-se 30 metros dentro de 30 centímetros, ela passou pela rua principal, pelo bar e pelo mercado que todos dali freqüentavam, viu o hospital onde poderia conseguir socorro, mas o ignorou totalmente.

Correu para seu prédio, entrou sem dar boa noite ao porteiro como costumava fazer e subiu correndo para seu apartamento, assim que entrou se jogou no seu pequeno sofá de dois lugares e finalmente pareceu sentir toda a fadiga da noite, tapou o rosto com as mãos, não tinha certeza se iria trabalhar amanha, estava se sentindo meio mal, também não tinha certeza se iria correr, mas de uma coisa Julia tinha absoluta certeza.

Nunca mais irritaria a velha passagem.

Nunca mais.

Lucas Oliveira
Enviado por Lucas Oliveira em 15/08/2008
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