1999 - Ponto de Encontro

Fazia agora quase três anos que Saturno havia iniciado Ângela na estrada vampírica.

A moça ligou pra o tio e disse que estava indo para Goiás morar com um cara. Ele deu parabéns e muitos conselhos.

Os dois vampiros dividiam as mesmas covas e não raro a mesma presa.

Saturno lhe explicou quais as leis que deveria seguir para sua autopreservação:

1) Nunca matar ninguém poderoso, pois isso levantaria suspeita e investigações. Matar sempre Zés-ninguém;

2) Não beber sangue morto, pois age como veneno para os vampiros;

3) Não tentar ler a mente de outro vampiro (eles detestam);

4) Nunca atacar pessoas com uma estranha aura azulada;

5) E nunca matar outro vampiro, pois é um crime punido com a morte.

Outubro de 1999, naquele entardecer frio o rapaz de longos cabelos negros acordou antes de sua amada.

A escuridão dentro do túmulo era absoluta.

Forçando a vista, seus olhos começam a emitir um brilho avermelhado e pôde então enxergar os contornos do belo rosto feminino.

Ângela estava mais pálida agora, lembrava à bela Angellina* (1) por quem o imortal se enamorara um século atrás.

O vampiro lambeu os lábios frios da garota e ela acordou.

- Ei! Seus olhos estão brilhando! Como você faz isso? – quis saber a jovem.

- Sei lá... Mas você já ficou assim...

Ela ficou pensativa por alguns instantes.

- Quando? – perguntou finalmente.

- Logo que pegamos aquele estuprador em Cotia.

O rosto de Ângela ficou crispado por um segundo.

- Ah.

Ela se lembrava. Pegaram o desgraçado no pulo, quando ia violentar uma menina de treze anos.

O Índio havia feito a menina esquecer e a levou embora, enquanto a vampira se divertia quebrando ossos e dentes.

Horas depois quando Saturno retornou os dois se banquetearam do sangue do estuprador moribundo.

- Vamos ficar no túmulo hoje? – ela bocejou.

- Não. Vamos para Osasco. Quero que você conheça Caronte. E eu preciso encontrar o “Grego”.

Ela sorriu de um modo divertido.

- Caronte não é um cara da mitologia?

- “Caronte” é o barqueiro que transporta os mortos pelo rio Aqueronte rumo ao reino dos mortos...

- Que nome estranho!

O índio ficou de cara amarrada.

- Não tire sarro dele. É um dos poucos amigos que tenho...

Ela tratou de retificar o erro acariciando-o longamente.

Finalmente a garota perguntou:

- O que você tem “Sá”? Parece aborrecido...

- Sei lá, estou meio apreensivo; maus presságios. Acho. Bem, marquei de encontrar o Grego perto da casa de Caronte.

O anoitecer desabou sobre a cidade e eles finalmente saíram do túmulo onde estavam no cemitério da Penha.

Desceram até o muro da estação de Metrô. O jovem de cabelos negros ia lhe contando histórias de como havia se formado aquele lugar desde que era apenas um primitivo arraial em meados de 1560 quando Saturno ainda era humano.

Sendo um Guaianase ajudou a guardar esses e outros fortins como o de Tatuapé sob o comando do cacique Pequirobi.

Chegaram a uma casa abandonada onde guardavam roupas e objetos roubados de suas presas.

Apesar de não sentirem o frio intenso da noite, vestiram-se para o inverno.

O vampiro colocou uma jaqueta de couro e Ângela uma jaqueta jeans com um “Pet” do Iron Maiden e diversos bottons.

Era uma tática de mimetismo, assim ficavam parecidos com as outras pessoas que andavam pelas ruas.

Estavam ao lado da linha quando ouviram o barulho do trem da CPTM.

Sacolejando rumo ao centro da cidade.

- Vamos nesse. – avisou Saturno.

Pularam com facilidade o muro da estação deserta e pegaram o trem no último vagão.

Aquele era o lugar onde os marginais se encontravam para fumar, cheirar e fazer os acertos dos roubos.

Não demorou a serem incomodados.

Três homens os cercaram.

- Aí maluco! Catou o vagão errado!

- É. Agora cê vai tê que pagá!

- E emprestá tua namoradinha!

Os três começaram a soltar risadinhas de satisfação antecipando o que fariam com Ângela.

Aquela noite o vampiro estava meio aborrecido.

Normalmente jogá-los-ia trem afora ou os sacrificaria caso estivesse faminto.

Resolveu entreter-se com eles para ver se melhorava seu astral.

- Seguinte. Vou dar só uma chance. Saiam do vagão agora ou detono com os três.

Ele já sabia a resposta.

Os marginais se entreolharam e logo caíram na risada.

“Enquanto os dois bandidos menores zombavam fazendo “Ohhhh” e” Que medo!”“, o maior sacou um trinta e oito.

Apontou para Saturno e Ângela.

- Aí franguinho, saca só o que o papai vai te dar de presente!

Atirou duas vezes no peito do imortal.

Este gritou e tentou levantar, caindo de lado sobre o banco.

A vampira começou a berrar fingindo-se desesperada, mas os dois estavam quase ao ponto de cair na risada.

Aquilo era realmente muito divertido.

- Aí. A bota do cara é minha. O resto é de vocês! – Avisou o líder dos bandidos.

Ele pôs o trinta e oito na cintura e avançou para cima de Ângela.

Ela não fez muita força para impedi-lo, pois poderia quebrar seu pulso com uma das mãos.

O desgraçado bateu com força no rosto dela, atirando-a no chão, e abrindo o zíper da calça.

Uma coisa que deixava a imortal muito puta era estupradores.

- Marcão... Ô Marcão...!? - chamou um dos bandidos menores.

O marginal continuava sobre Ângela, agora tentando levantar sua blusa enquanto ela se contorcia.

- AimeuDeus! MARCÃO! – berrou o ladrãozinho cutucando-o com força.

- Quié porra! Depois cês come ela!!

Quando Marcão se virou ficou branco de medo.

Saturno estava de pé, sorridente. Os caninos completamente expostos e os olhos brilhando avermelhados.

O bandido estava perplexo e olhou para onde o vampiro apontou.

O banco onde estivera deitado.

No banco, estavam sentados comportadamente seus dois comparsas, cada um segurando a cabeça do outro.

Marcão virou-se para Ângela que não havia mudado de posição, apenas sorria.

Os grandes dentes destacavam-se entre os outros assim como seus olhos igualmente vermelhos.

Ela olhou para Saturno.

- Que tal usar seu presente?

Havia dado para a garota algumas noites antes, uma bela machadinha que comprara em uma loja gótica na Galeria do Rock.

Deitaram o bandido no chão sujo, a imortal tirou da cintura a bela machadinha.

O jovem de cabelos negros segurou as mãos do estuprador.

Marcão distribuía pontapés a torto e direito, mas os dois pareciam feitos de pedra.

Ângela levantou a machadinha.

- AIMEUDEUSNOSSOSENHOR!

A arma desceu sobre o braço direito.

- Não! – gritou o vampiro aparando o golpe.

Ela ficou escandalizada.

- Por que não? Não vê que é um traste?

Ela estava enraivecida.

- Ele é apenas um homem que sofreu muito na vida e foi corrompido por um mundo cruel... – filosofou o filho-da-noite.

- Quê?

Gentilmente tomou a machadinha da mão de sua amada.

O bandido suspirou aliviado, um suor frio brotava em sua testa.

- Obrigado. Obrigado meu Deus... – agradeceu ele.

No instante seguinte deu um grito agudo, seu antebraço saltou cortado pela arma.

- Primeiro de abril atrasado! – Saturno gargalhou.

Ângela ficou espantada e caiu na risada.

- Socorro! Eu tô sangrando! Soco...

Logo foi interrompido pela vampira que atacou seu pescoço, acompanhada pelo imortal que chupava o sangue direto do toco decepado de Marcão.

O bandido agonizou por alguns minutos e morreu.

- Cuidado Angel, não se suje muito!

- Olha quem fala! Você tá todo babado!

Jogaram os cadáveres para fora do trem após desmembrá-los.

O dia seguinte ia se tornar um prato farto para os jornais sensacionalistas.

Os dois seguiram sua viagem de trem sem mais incidentes.

Saturno acariciou levemente o rosto de Ângela. Os olhos da garota estavam semicerrados.

- Acho que te amo... – sussurrou o imortal.

- Hum?

- Eu disse que te amo. – repetiu.

Ela se sentou olhando-o nos olhos.

- Não. Você disse “acho”, que me ama?

Saturno engoliu em seco.

- Ué? E qual a diferença? – quis saber ele.

- Achar não é ter certeza. Você me ama?

Ele tentou sustentar o olhar, mas não conseguiu virando o rosto.

- Vamos parar de falar besteira e baldear para outro trem – desconversou.

Ângela ia insistir no assunto, mas o vampiro já havia saído pela janela do vagão.

Logo os dois estavam de pé sobre o trem, o vento zunia agradavelmente através de seus cabelos.

Seria a primeira vez que a imortal saltaria de trem para trem vindo em sentidos opostos.

- Muito cuidado com os fios de alta tensão e com as aranhas do trem. Se tocar nelas você vira torradinha. - avisou o índio.

A garota riu.

O filho-da-noite olhou-a nos olhos e disse:

- Estou falando sério.

Ele flexionou as pernas e no instante seguinte estava sobre o outro trem, fazendo sinal para que ela pulasse também.

Ângela sentiu uma ponta de medo.

E se tocasse nos fios? E se esbarrasse nos geradores (ou aranhas como dizia seu amado)?

O vampiro se afastava velozmente, e então se pôs a correr, saltando as aranhas em direção à garota.

Ela tomou fôlego e saltou caindo precisamente sobre o outro trem, porém perdeu o equilíbrio e começou a cair em direção à “aranha”.

Sua mão já começava a sentir as emissões elétricas quando um forte puxão endireitou seu corpo.

Saturno a olhava com uma expressão raivosa.

- Porra! Você está querendo morrer?

Ângela ficou muito assustada, pois não o via tão nervoso desde a noite em que quase fora assassinado sobre um prédio* (2).

- Eu... Desculpe-me eu... – ela estava quase sem voz.

De seus olhos começaram a escorrer lágrimas.

O rosto do índio pouco a pouco se desfez da raiva, assumindo uma feição triste.

- Desculpe. Não queria gritar com você. É que fiquei assustado e... Achei que você ia cair na Aranha e... – o jovem de cabelos negros abaixou a cabeça.

Os dois entraram pela janela do trem e deram de cara com um policial.

- Que bonito hein? Os dois vêm comigo!

O imortal estava com a cabeça baixa e a garota fazia cara feia para o policial.

Pareciam dois jovens normais.

O guarda puxou o cassetete e cutucou o ombro do vampiro.

- Escutou rapazinho? Andando!

O guarda estava ficando nervoso.

O filho da noite levantou a cabeça e antes que o guarda pudesse se defender já estava com as mãos em seu pescoço.

- Não! – pediu Ângela.

Saturno olhou para ela com o canto do olho e com um simples golpe desacordou o policial.

- Eu não ia matá-lo. Acho.

Quase uma hora depois o trem chegou a Osasco e eles subiram andando até o bairro “Cidade de Deus”.

Chegando ao beco onde mora Caronte, eles bateram palmas e mais palmas.

Ninguém respondeu.

Os dois saíram do beco estando o vampiro muito puto por não encontrá-lo.

- Puta que pariu! Esse filha duma égua!!

Afinal haviam combinado aquele encontro há dias e ele sumira.

Avistou um rapaz sentado no meio fio. Era um roqueiro com uma camiseta velha do Metallica.

- Aí meu! Cê tá procurando alguém?

Saturno o encarou por um instante e respondeu:

- O Caronte. Você sabe onde ele está?

O roqueiro pensou um pouco e deu uma risadinha.

- Vai no salão da Carlinha que ele tá fazendo o pé!

Os dois vampiros riram e após atravessar algumas vielas chegaram ao tal salão.

Para Ângela parecia que tinha uma mina gorda fazendo a unha.

Era Caronte.

Quando este olhou de relance para a porta, viu duas figuras paradas entre as sombras.

Olhou melhor e notou o semblante inconfundível de Saturno.

- AAAIIII Saturninho meu amor! – Gritou pondo a mão no peito gordo.

Era um italiano de bochechas rosadas e sobrancelhas espessas.

Os cabelos dele eram raspados e pintados de amarelo e tinha um rabinho de cavalo.

Usava uma camiseta baby look branca, calça preta de couro e botinhas brancas.

- Tudo bom Caronte? - Saturno deu um meio sorriso

- Ai menininho, deixe de ser sombrio, dá um abraço!

Caronte tirou 50$ do bolso e jogou pra manicure, aquilo era três vezes mais do que ela ganhava.

Ela guardou discretamente o dinheiro.

- Aí fofinha, outro dia volto pra fazer o cabelo.

Pegou o braço de saturno e mandou beijinhos para a cabeleireira.

Foi quando viu Ângela.

Percebeu que Ângela era vampira naquele exato instante.

- Quem é essa, fofinho? – quis saber o italiano com uma ponta de ciúme.

- Minha companheira, Ângela.

- Ai que meiga! Tão simplesinha! Me diz fofinha você é nova?

Pegou o braço dela também e os três saíram andando pelas ruas de Osasco.

- Eu não sou nova, eu já tenho uns...

- Ela é nova sim. - interrompeu o imortal.

Ângela olhou para Saturno, curiosa, mas ele não esclareceu nada.

Caronte não parava de matraquear, de repente ficou em silêncio.

Meditou por alguns segundos então disse:

- Vou levar vocês num lugar legal, mas antes temos que ir até minha casa.

Voltaram ao beco e entraram na casa.

Um pouco empoeirada porque Caronte usava só o porão.

O Vampiro gay ligou seu computador, leu e respondeu alguns e-mails para todas as partes do mundo.

Passou um batom roxo na cara e saíram os três.

- Vocês conhecem a “Morgue* (3)”? É um barzinho ma-ra-vi-lho-so! Para vampiros, claro! – disse o gordinho em seu jeito característico – Qualquer vivo lá dentro é logo confundido com aperitivo.

Ângela riu Saturno não e o italiano continuou falando sem parar.

- O que rola lá? – quis saber o índio.

- Ah! Rola de tudo meu bem! A vampirada em peso voa pra lá! – respondeu ele com um gritinho.

Saturno se calou e seguiu pensativo o resto do caminho.

Tinha combinado de encontrar o “Grego” lá. Ele iria lhe dizer o que descobrira sobre o estranho fluido encontrado no crânio dos aliens algumas décadas atrás* (4).

Chegaram à porta do barzinho onde rolava um pagodão mal tocado.

O imortal franziu a testa.

- Aqui!? Esse é o bar mais cultuado entre os vampiros?!! - Sou mais a minha tumba! – acrescentou a garota.

Caronte pôs as mãos na cintura em um gesto de reprovação.

- Ai como vocês são radicais!

Olhando em volta, não se via um único vampiro entre os humanos.

Atravessaram o salão, guiados pelo homossexual.

Alguns rapazes riram à passagem deles, e Caronte rebolou mais um pouco para desgosto do filho da noite.

O Italiano olhou bem para um deles em especial, um mulato de belos cabelos trançados, e continuou andando.

Atravessaram um longo corredor onde havia uma porta de ferro no final.

Na porta estava afixada uma plaquinha com a típica frase “proibida a entrada” e quase no rodapé pichado em vermelho o verdadeiro nome da casa: a Morgue.

- Chegamos! Ai que emocionante! – gritou Caronte soltando palmas de alegria.

Bateu na porta delicadamente enquanto fazendo “toc, toc, toc” enquanto batia.

Houve um ruído e abriram uma portinhola de ferro.

Um olho azul raiado de sangue o observou por alguns momentos, ouviu-se o ruído de um barulho de walkie-talkie e a voz rouca trás da porta disse:

- Não, não é “ele”.

Desligou o comunicador e gritou:

- Caronte, bicha véia!

- Olha como fala! Senão sugo seu sangue! – disse o homossexual rindo.

Só então os olhos perceberam Saturno e Ângela atrás do italiano.

Sua voz voltou a ficar áspera.

- Quem está aí? Caronte “ele” veio com você? – perguntou o segurança trêmulo.

- BUUU! Ai que meda! Não, ele não veio comigo! São dois amigos. – caçoou o gay.

O vampiro abriu a porta com alguma hesitação.

Era extremamente corpulento e uma cicatriz atravessava seu rosto de lado a lado.

- Qual o nome de vocês?

- Ângela. – disse ela com voz suave.

- O meu é El lobo docinho! - sorriu o vampiro da porta.

- Eu sou Saturno. – disse o índio com uma voz de aço.

Mesmo sentindo uma ponta de ciúmes de sua amada o rapas de cabelos negros se segurou.

- Você é Saturno? É um prazer te conhecer, eu sou lobo... Eu..

- Eu sei seu nome. Vamos entrar? – perguntou ele friamente.

- Bem eu... Claro! Vamos entrem, não fiquem aí entrem.

O Argentino estava visivelmente constrangido.

Dentro do salão tudo estava meio obscurecido por pequenas lâmpadas vermelhas, que deixavam o ambiente desagradável.

Vampiros de todas as classes e ordens sociais, passando por mendigos, rocker´s, pagodeiros até executivos de camisa engomada.

Todos conversavam animadamente, assuntos interessantes à vida vampírica.

Quando o nome Saturno foi passando de boca em boca, as vozes foram calando-se dando lugar a espremidos cochichos de admiração e curiosidade.

O nome “Saturno” era uma lenda entre os vampiros.

Por ser extremamente reservado, pouquíssimos haviam visto seu rosto e sobrevivido a isso.

Caronte quase explodia de orgulho por estar acompanhado de alguém tão ilustre.

Continuaram caminhando até o centro do bar, onde Agamenon, o Grego, fazia uma pequena palestra para um grupo erudito de vampiros.

-... E eu estou a ponto de provar que, não é o sangue que nos alimenta, mas sim o medo! Este está diluído no sangue, e quando pudermos sintetizar este medo, não precisaremos mais caçar animais humanos, a não ser por diversão, claro!

Todos gargalharam ao final do discurso, menos o índio.

- Ei Grego! – chamou o jovem de cabelos negros.

Agamenon sorriu, soltando um tímido “olá” para seu amigo.

- “Precisamos conversar” – chamou Saturno mentalmente.

Agamenon ficou frustrado por não conseguir se expressar tão bem telepaticamente, mas como se tratava do jovem Saturno não ficou ofendido.

Os dois saíram de perto da multidão e o indígena pediu a Caronte para entreter Ângela.

Saturno e Agamenon começaram a conversar telepaticamente.

- “E aí? Consegui sintetizar?” – quis saber o jovem.

- “Aquilo é incrível! Gostaria de ter conseguido, mas isso leva tempo!”.

- “Você tem a eternidade. Reproduza em laboratório”.

- “Pena que o alien* (4) de quem você roubou não tenha mais!” – lamentou-se o Grego.

- “É...”

Parecia idiota, mas em trinta anos não lhe passou pela cabeça voltar ao cemitério da Saudade e checar se não havia outros frascos da estranha substância que os Et´s drenavam dos humanos.

Faria uma visita em dentro em breve e racharia todos os crânios dos aliens para ver se não havia mais alguns daqueles estranhos frascos.

- “Para você ter uma idéia, uma gota diluída em sangue é suficiente para alimentar trinta vampiros!”.

- “Tá, tá. Deixa eu ver a Ângela agora.” – pensou Saturno preocupado.

Os dois pararam de conversar telepaticamente.

Agamenon voltou a sua palestra e o índio foi atrás de sua garota.

Realmente aquelas lampadinhas vermelhas o incomodavam.

Encontrou Ângela e Caronte conversando com dois vampiros, que obviamente babavam na garota.

Aquilo deixou o rapaz de longos cabelos negros, muito irritado.

Os vampiros normalmente eram invejosos e egoístas, fora algumas exceções, por isso Saturno evitava o convívio, preferindo o isolamento.

- Vamos embora Angel. – disse pegando a mão dela.

- Ah fofinho! Fica mais! Você já conhece os dois? – quis saber o italiano.

O índio virou-se encarando os dois.

Respondeu com sua voz de gelo:

François, Franco-normando de trezentos e cinqüenta anos e Fantoma, Equatoriano, cento e trinta anos, os dois são discípulos de Rodriguez.

Os dois vampiros ficaram espantados e deram um passo atrás, em sinal de respeito.

Ou medo.

Saturno puxou sua vampira novamente, quando ouviu um carregado sotaque espanhol.

- Mas aonde vai señor Saturno? La noite és una criança...

Rodriguez era um vampiro alto e imponente, vestia um terno Ermenegildo Zegna preto com um lenço Ralph Lauren vermelho no bolso.

Era o atual chefão das drogas em Osasco e líder por força e medo dos vampiros locais.

Fumava um longo cigarro de canela.

O índio ficou de frente para o espanhol.

- Já fiz o que tinha que fazer aqui. Agora vou embora.

Reinava um pesado silêncio no salão lotado.

- Rapazes – chamou Rodriguez – Não o deixem sair daqui. Vou ligar para Ivan.

- O que?!! – Saturno de um passo à frente.

O Argentino, mesmo com medo, tirou uma foice das costas e se plantou em frente ao jovem de cabelos negros.

Rodriguez apanhou seu pequeno celular motorola, discou e ficou esperando sentado em uma poltrona vermelha.

- Desligue essa merda! AGORA!!

O espanhol olhou para ele e deu de ombros.

Poucos vampiros no imenso salão lotado viram Saturno sacar seu punhal, passar por Lobo, dar a volta em Rodriguez e voltar para junto de Ângela.

Na verdade ele foi tão rápido que o grandalhão com a cicatriz nem percebeu que tinha sido atacado.

Logo em seguida sua foice partiu-se em duas, assim como o celular de Rodriguez.

- Hijo de la Puta! Lobo, Fantoma, François, Augusto e Cornélius! Tragam-me a cabeça desse infeliz! – Gritou o espanhol enraivecido.

A multidão de vampiros no salão não fez um só movimento para ajudar o índio.

Saturno empurrou Ângela para o lado.

- Saturnooooo! – gritou ela desesperada.

Tentou voltar ao lado do amado, mas foi agarrada com força por Caronte.

- Pára! Você só vai atrapalhar! – disse o gordinho muito sério.

O jovem indígena ficou no meio dos três outros imortais com a cabeça baixa e as mãos no bolso.

Fantoma puxou um fio metálico, o francês estava com uma bengala de marfim e dentro do cabo, uma lâmina afiada como uma navalha.

El Lobo já providenciara outra foice e seus amigos eslovenos Cornélius e Augusto tinham espadas.

O equatoriano circundou Saturno várias vezes com o afiado fio e foi apertando até cortar a jaqueta e a pele do indio.

Este não se mexeu, apenas sorriu.

O argentino e Cornélius se entreolharam.

- Vão seus idiotas! Matem-no! – ordenou Rodriguez.

Lobo e François começaram a andar em direção à Saturno que Fantoma mantinha preso.

- Façam suas orações... – disse o índio.

Após falar isto sumiu.

Os capangas estavam a um passo dele com as armas prontas, mas pararam assustados.

Todos se espantaram, menos os vampiros mais experientes que sorriram com condescendência. Para eles aquele truque era antigo.

O vampiro índio havia vibrado seu corpo tão rápido que este parecera sumir por alguns instantes.

- Seus idiotas! Ele está aí!

Rodrigues levantou-se da poltrona de um salto.

Os olhos de Saturno brilharam avermelhados, ele estourou o fio e segurou a foice de Lobo e a espada do português Augusto.

O jovem de cabelos negros reapareceu de repente.

Agamenon saiu discretamente do salão. O experimento era mais importante que uma batalha.

Ele não queria se ferir à toa.

O índio puxou Lobo contra François, a espada apontada para cima perfurou o grandalhão no pescoço e a foice cortou fora o topo da cabeça do Francês.

Fantoma gritou alto, pois o francês era seu amigo.

François caiu de joelhos. Seus miolos saindo para fora da cabeça ferida e ele tentava segurar o cérebro no lugar.

El Lobo grunhia, não conseguia falar com a espada atravessando o pescoço.

Saturno agarrou o fio metálico e deu um forte puxão.

Fantoma voou no ar, e quando se aproximou do índio foi acertado por um poderoso soco.

Augusto pensou em atacá-lo, mas não foi rápido o suficiente. Acabou sem a cabeça.

Rodriguez calmamente tirou o terno caro e afrouxou a gravata. Sacou uma belíssima espada espanhola, com o cabo decorado a ouro e a lâmina recoberta de prata.

A espada era mais antiga que Saturno.

- Hijo de la madre! Vai se ver comigo!

- A lei proíbe o assassinato. – avisou o índio.

- Você feriu meus amigos! – o espanhol começou a ficar nervoso.

- E você mandou que eles me atacassem espanhol de merda!

Rodriguez ficou furioso e avançou com a espada em punho, Saturno retirou seu punhal.

Uma fagulha de metal acompanhou o som do choque entre as duas armas.

Passaram para cantos opostos medindo-se mutuamente.

De onde estava o jovem de cabelos negros, viu Fantoma atacando Ângela. Caronte tentou protegê-la e ficou gravemente ferido, seu braço pendurado por um fio de carne.

O equatoriano avançou sobre sua amada com um facão. Não pretendia mata-la, apenas faze-la de refém.

- Ângelaaa!

Saturno atirou seu punhal que rodopiando foi se cravar nas costas de Fantoma.

- Caralho! – gritou o atingido.

Aproveitando a distração Rodriguez decepou o braço de Saturno na altura do ombro.

O indígena berrou de dor.

Um corte feito com espada de prata era cem vezes pior do que um ferimento com outro tipo de arma qualquer.

E demorava bem mais para sarar. Dependendo da idade do vampiro nunca sarava.

A multidão no salão não piscava o olho, hipnotizada pela macabra diversão.

O espanhol com a espada em punho atacou certo de que o mataria após decepar seu braço.

Saturno virou-se, seu rosto, uma máscara de ódio.

Ao mesmo tempo em que a espada atravessou o estômago do índio, a mão enrijecida como pedra deste penetrou o pescoço de Rodriguez.

Empate!

Qualquer movimento resultaria na morte dos dois.

Ângela pisava a cabeça de Fantoma, que gritava sem parar.

Uma voz penetrou a mente de todos. Era um dos Anciões.

Imortais antiqüíssimos que ditavam a norma de conduta de todos os vampiros.

Dizia-se que alguns deles estavam entre os primeiros a caminhar no mundo.

A voz advertiu Saturno:

- “Espere. A lei proíbe o assassinato entre vampiros sem nossa autorização”.

- O CARALHO! – gritou o índio – Esse cuzão merece morrer!

- “Criança você não entendeu...”.

Rodriguez abriu um belo sorriso ao perceber que Saturno hesitava.

-... “Nós o estamos autorizando a matar toda esta corja.” - completou o ancião.

- Obrigado senhores anciões!

Foi a vez do rapaz de longos cabelos negros sorrir.

Arrancou a cabeça do espanhol atônito com um puxão trazendo junto parte de sua coluna vertebral.

- Por favor, anciões, não me deixem morrer! – suplicou a cabeça.

- “Você já está condenado”

Todos os vampiros cercaram a cabeça de Rodriguez, alguns cuspiram com desprezo.

Ângela abraçou seu amor com força e lágrimas nos olhos.

- Fiquei com tanto medo!

- Agora está tudo bem...

Saturno conseguiu um grampeador industrial e colocou seu braço inerte no lugar. Fez o mesmo com Caronte que choramingava.

- O que foi? Está doendo?

- Não! Esse puto rasgou minha baby look da Khelf! Era coisa fina!

Estava com lágrimas nos olhos.

O vampiro índio empalou as cabeças de Fantoma e Rodriguez na espada do espanhol.

François, El lobo e Augusto tinham fugido.

Teve que amordaça-los, pois não paravam de gritar.

Jogou os crânios em um terreno baldio onde o sol matutino daria cabo deles.

Antes de saírem ele resolveu falar com o dono do bar.

- Escuta aqui amigo, faz um favor! Troca essas lampadinhas – pediu – elas incomodam e deixam esse muquifo parecendo o inferno!

- Falô. Pode dexar... – respondeu o velho vampiro inquieto.

Quatro horas da madrugada saíram do bar.

- Cacete Caronte! Da próxima vez eu escolho o bar para ser o ponto de encontro!

O gordinho deu um meio sorriso. Não estava para brincadeiras, aquela noite fora de matar.

Saturno rasgou a outra manga da jaqueta para as duas partes ficarem iguais.

- Vou zarpar fora!

- Ai Saturninho, fica pro café da manhã pelo menos!

- Café? – Ângela estava faminta com toda aquela agitação.

Logo a frente estava o rapaz que Caronte encarara no bar.

Sabendo que Saturno evitava matar pessoas de bem avisou:

- Assassino, traficante e estuprador! Algum problema?

- Estou faminto! – disse o índio lambendo os lábios.

Seguiram-no até uma ruela deserta, onde com apenas um gesto o imortal de longos cabelos negros queimou duas lâmpadas.

- UUUU rapagão?

O cara deu um salto, e tirou a arma da cintura.

- Quem taí?

- Calma gatinho! Sou eu!

Vendo que era Caronte ele relaxou e resolveu tirar um sarro:

- Eaê viadinho! Chegamais que vou alegrar seu cuzinho!

Ele apertou as bolas provocando Caronte.

- Ai que cara másculo!

O vampiro homossexual começou a se aproximar.

Foi nesse momento que o traficante notou Saturno e Ângela, cada um, vindo de um lado diferente, cercando-o.

Ele ficou assustado e inquieto pegando o revólver de novo.

- Ei! Que é isso? Eu tô armado hein? Peraí... Como cês fazem isso com os olhos?

Um grito atravessou a noite fria, alimentando as três entidades.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 03/07/2008
Código do texto: T1063580
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