O Mal na Escuridão
A primeira coisa que fizeram depois de se mudar foi retirar a enorme e pesada placa de venda do gramado alto da frente da nova casa. Era a casa dos sonhos, mas todos sabiam que lembranças terríveis guardavam aquela casa, mas isso era passado. O pai matara a todos os três filhos e a esposa, e depois se matara também. Todos de forma violenta, com armas brancas e inúmeros golpes. Sangue por toda casa e vidas inacabadas. Futuro a constituírem, felicidade a conquistar, e a loucura ceifou todos estes trajetos.
Mas esta família estava disposta a esquecer tudo isto, eram também, três filhos, pai, mãe e um lindo cachorrinho vira-lata que há bastante tempo já fazia parte da família.
Em menos de uma semana, limparam e organizaram a casa toda... Um grande casarão de alvenaria da década de 60, ainda em bom estado, bem conservado pela anterior família, assim como seria por aquela. Os quartos amplos, biblioteca, sala de descanso e banheiros no andar de cima. No piso inferior, cozinha, jardim de inverno, salas, lavanderia, e dispensa, e o mais fantástico era que as obras de arte pertencentes aos outros moradores tinham sido deixados ali pendurados com bom gosto nas paredes, e assim pretendiam deixar. Enfim, chegou a primeira noite, cada filho já com seu quarto arrumado e decorado a gosto. O caçula Pedro, de nove anos, quis o quarto todo azul. Débora, de dezoito, preferiu laranja, e Nicolas, de vinte, optou por creme mais escuro, lembrando marrom, sugestão da namorada Cíntia, ao qual já era da família depois de dois anos de relacionamento, enquanto que o quarto dos pais, Marina e Romeu, solidificava-se num clássico pérola.
Cíntia estava presente e dormiria no casarão Schinzzer, sobrenome da família, e agora o nome da nova residência. O jantar fora lasanha, duas travessas fartas para as criaturas fartas de fome. Depois da louça um cafezinho, e um pouco de TV nos confortáveis sofás, quase onze da noite, era hora de se deleitar nos edredons suavemente perfumados, e no colchão macio dos seus aposentos. O clima estava demasiado agradável, e era estranho passar a noite numa casa nova, embora na mesma cama, os mesmos móveis, o mesmo lar, era uma nova cidade, uma nova paisagem, novas pessoas e histórias. Romeu trabalhava em uma grande multinacional, e com o falecimento do gerente da filial que operava naquela cidade, o transferiram-no para lá, sendo obrigado a levar toda família, sua grande paixão.
Pedro acordou de repente sentindo a presença de algum estranho no quarto, sabia que não estava sozinho, alguém o observava. Ele olhou para os pés da cama, e ao final de suas cobertas um par de olhos muito azuis brilhava em meio a escuridão, o menino não conteve-se de medo, agarrou as cobertas o mais forte que pode, e os olhos aproximaram-se, Pedro entrou em estado de choque, e viu os olhos frente aos seus, admirando-o, sorrindo. Sentiu dedos gelados tocarem seu braço, o calor de uma respiração no seu rosto, somente então encontrou forças para gritar.
Cíntia dormiu com Débora, como já era costume, descansavam num sono profundo quando a calmaria da noite foi interrompida por um grito ali perto. Marina acordou assustada, pulando do leito, e ouviram mais um grito. Ela percebeu que vinha do quarto ao lado, onde dormia o filho menor, e antes que mais uma exclamação testasse sua paciência abria a porta do quarto de Pedro gritando com o menino envolvido num pesadelo. Aquilo nunca havia acontecido antes, e em poucos segundos toda a população da residência estava na porta do quarto do garoto. Era a primeira vez que tivera um pesadelo daquela gravidade, ele dizia ser tão real e descreveu suado e ofegante: - Tinha uma pessoa, eu não consegui ver se era homem, mulher, quem era, e estava com uma foice nas mãos, e estava atrás de várias pessoas, queria matar todas elas, e era aqui em casa! Explicado e resolvido o caso, todos voltaram a dormir e Marina ficou ao seu lado na cama, até pouco depois de ele adormecer e respirar tranqüilo no travesseiro, e enquanto o observava dormir, pensou no pesadelo do filho, que em pontos batia com a história contada pela corretora de imóveis que lhe vendera o domicílio.
No dia seguinte, era hora de encarar a nova escola, na nova cidade, tudo novo. Romeu o levou até o portão, e esperou a aula começar, os outros alunos o olhavam curiosos, era uma cara diferente no meio dos que já conviviam há bom tempo. Pedro não estava nervoso, também não sentia-se em casa em volta de conhecidos, todo o ritual de apresentação e colocar o nome na lista, ganhou uma agenda de capa azul da professora, onde seriam anotados todos os compromissos e recados, na hora do recreio sentou-se no banquinho em frente a sala, e passados cinco minutos apenas observando e sem saber o que fazer, dois meninos da sua classe chegaram a sua frente, e puxaram conversa, sentaram-se e em quinze minutos estavam amigos, foram então passear pelo colégio e Pedro respondeu-lhes inocentemente onde morava. Os meninos pararam em frente ao teatro da escola, olhos por demais abertos, a informação era chocante. Pedro não entendeu, lhes questionou sem resposta, até que um deles tomou fôlego (coragem), e explicou baixinho: - É porque naquela casa, um homem matou toda sua família e depois se matou, e a casa ficou muitos anos sem morador, e dizem que ela tem barulhos estranhos, e as luzes acendem e apagam, e as pessoas gritam. E dizem que uma vez um grupo de senhoras entrou lá porque queria fazer uma associação rotariana, e olharam a casa toda, depois saíram para os fundos, e quando a casa estava com os móveis em lugares diferentes, depois saíram e voltaram de novo, e a casa estava toda desarrumada, com os móveis quebrados e jogados em toda parte. – Os olhinhos de Pedro saltaram das órbitas, estava enlouquecido e com medo da história, o coleguinha não parou de falar. – E outras pessoas também viram isso, por isso que a casa foi colocada a venda bem barata, e demorou um tempão pra ser comprada, e só foi comprada por pessoas como vocês que não sabiam da história.
Vendo o enorme choque do recém-chegado o outro amigo aliviou: - Mas isso são boatos né, ninguém sabe ao certo se é verdade. – E seguiram de volta a sala para a aula de matemática, as informações aturdindo um pouco a cabeça de Pedro.
Era meio-dia e 17 minutos, Débora chegava do trabalho, de bicicleta, e quando parou em frente a casa não pode conter o pavor: dali onde estava era audível a briga dos outros moradores. Gritavam, xingavam-se, via os objetos voando pela janela. “O que estava acontecendo?” esta era a pergunta explicita em suas sobrancelhas expressivas. Apertou o passo, largou a bicicleta na varanda, ouvia agora claramente, medo e intriga no trêmulo corpo, o cachorro latia desvairado tentando entrar, ela escancarou a porta e... Tudo estava na mais perfeita ordem. A casa arrumada, e na sala de jantar, o almoço era degustado em família numa conversa amena em espera do outro membro feminino. Todos bem, nenhuma briga, e Débora pôs-se a chorar pela possível loucura, e o cachorro dormia tranquilamente na varanda . Na cama, sem almoço, o pai acalentou o desespero da filha.
Pedro ainda não contara a historinha que ouvira no colégio, porém foi na hora do jantar que teve seu grande estrelato, dono de todas as atenções. Ninguém gostou muito de ouvi-la, apesar de ser interessante, principalmente os pais que sabiam da outra história, e defenderam ser tudo besteira, coisa de crianças para assustar outras. Pedro insistiu, e discutiram, a mãe levantou-se alterada foi para a sala de TV, e calou-se, Romeu a seguiu e também calou-se ao chegar no cômodo. Os filhos foram logo atrás, quando chegaram encontraram os país lado a lado olhando o cômodo, e a reação dos demais foi exatamente igual, o pavor explicito no silêncio, nenhuma locomoção, apenas pavor, pois observavam em conjunto os móveis fora do lugar, numa nova decoração, que nenhum deles fizera. O sofá, a estante, os quadros, o tapete, os lustres, todos os objetos e móveis em desordem completa.
- Eu espero que seja uma brincadeira de mau gosto de alguém. – Marina tentou.
- Nós estávamos jantando, todos na sala de jantar. – defendeu Débora não querendo acreditar em suas palavras.
- Pedro. – O pai abaixou-se a altura do filho. – Você estava contando esta história para nós, não foi você quem fez isso não é? – O menino negou sincero num gesto de cabeça.
Marina tentou tomar uma decisão sensata: - Ninguém arruma nada, devemos estar um pouco impressionados com a história e podemos estar tendo uma ilusão conjunta. Vamos voltar a sala de jantar, e continuar a refeição. – Mais uns segundos de silêncio, e voltaram devagar a sala de jantar. Mais uma parada brusca, e uma visão inacreditável, contemplavam agora as cadeiras jogadas na sala de jantar, deitadas ao chão, a mesa torta, com os pratos empilhados e a toalha jogada, e antes que pudessem falar alguma coisa ouviram barulho no andar de cima, os móveis se mexendo nos quartos, sozinhos. Correram juntos, mas não chegaram a tempo de ver toda a coisa se formar, apenas o conteúdo de cada cômodo tumultuado, atípico as suas maneiras.
Na hipótese, queriam firmemente acreditar nesta hipótese, contrataram de emergência seguranças particulares e foram dormir em um hotel, dormiram a base de leves tranqüilizantes, divididos em dois quartos simples, só por aquela noite.
Pela manhã, conversaram tomando o café da manhã no restaurante do hotel, antes de ir para casa.
- Não quero nenhum comentário sobre isso com ninguém. Quem ficar sabendo, tudo bem, mas não precisam contar. E temos que colocar nas nossas cabeças que foi uma coisa passageira, não vai mais acontecer, e somos mais fortes do que essas lembranças e pensamentos ruins. – bebeu um gole de café com leite, frio, tirou um pedaço de casca de pão do colo. – não há nada de errado com aquela casa, simplesmente ainda não nos acostumamos com ela, e estamos imaginando coisas a seu respeito. É só isso, e o assunto fica encerrado por aqui.
Voltaram aos seus cotidianos afazeres. Pela manhã Cíntia não trabalhava, apenas a tarde e a noite cursava o segundo período da faculdade de Engenharia Ambiental, foi então até a casa do namorado para ver a sogra, saber como estavam, pois Nicolas lhe contara o que havia acontecido da cama do hotel antes de dormir.
Cíntia chamou, mas ninguém atendeu, a porta estava aberta e ela resolveu entrar crendo que Dna Marina estava em alguma tarefa, bem distraída e não a ouvira.
A casa silenciosa, um vento soprava sem sentido na janela da sala, chamou a mulher em todos os cantos e timbres, a porta do banheiro bateu com força, a maçaneta virou rápido, desconfiada chamou a sogra mais uma vez, e dirigiu-se a porta, estava destrancada... Ela apertou devagar, girou e empurrou, havia alguém do outro lado, pode escutar a respiração, hesitou ainda mais “quem seria, o que está acontecendo?” via agora um pedaço do box do chuveiro, e abriu mais um pouco, devagar, tensa, exitante, havia alguém atrás da porta, e abriu mais, com medo... Nada havia naquele lugar. Cíntia ficou com mais medo e resolveu ir embora, sem pensar em mais nada foi direto a porta de entrada: estava trancada, sem chave. Correu para a porta dos fundos, e a centímetros dela chegar no destino, ouviu um ruído da fechadura sem chave, também estava trancada. Aturdida voltou a sala de estar, e viu com seus próprios olhos os móveis mudarem de lugar sem qualquer toque humano, fixou os olhos no horizonte do aposento mal conseguindo respirar, não olhou para mais nada, e viu de canto a janela aberta... E antes que fosse atingida por um passo da perfeita coreografia mobiliar pulou a janela e correu o mais rápido que conseguira. Olhou para trás antes de se afastar totalmente da casa, e a janela a qual pulara fechou, e nada mais tinha movimento naquele lar.
Marina saiu da cozinha, o almoço pronto, ouviu uma janela da sala de estar fechar e foi abrir, minutos antes poderia jurar que havia mais alguém ali, pois ouvira passos e a porta do banheiro fechara e abrira sozinha, depois a tal janela, preferiu fazer de conta que não foi nada e subiu até o quarto para falar com o marido pelo messenger na internet e tentar desviar os maus pensamentos. Ligou o computador e lá estava ele, on-line, recém saído de uma reunião com os chefes. Conversaram coisas banais do tipo “como vai?”, “o que estava fazendo?”, ela ligou a webcam e o microfone para conversarem normalmente e se verem, brincando elogiaram-se pelas aparências, ela estava sozinha em casa, porém não era o que parecia: de súbito ele perguntou-lhe: - Quem é essa mulher aí com você?
- Está vendo coisas meu amor? Estou sozinha, você sabe.
- Não meu bem, tem uma mulher sentada na nossa cama olhando para a câmera.
A respiração dela forçou a acelerar em curtas doses, virou devagar com os dentes cerrados, desconfortável, mas não viu ninguém sentada na sua cama.
- O que está acontecendo querido, eu acabei de olhar, não tem ninguém!
- Por Deus, você olhou para ela e ela sorriu pra você! Eu que pergunto o que está acontecendo.
- Mas não tem ninguém aqui...
- Olhe agora, tem duas crianças e um homem entrando no nosso quarto! Quem são marina, o que está acontecendo?!
Mais uma vez ela olhou rápido, receosa, e nada havia, o quarto vazio, apenas ela ocupando o vago espaço.
- Não vejo nada, pare com isso!
- Mas é verdade, estão todos atrás de você, olhando pra mim através da câmera! – Tentou falar com eles. – Quem são vocês, deixem minha esposa agora.
- Eu vou sair daqui!
- Tudo bem querida, eu vou esperar você bater a porta, depois saio correndo pra aí, me espere do lado de fora!
Ela foi rápido, ele viu as pessoas se afastarem, mas antes que ela abrisse a porta, ela bateu e trancou, ficaram os cinco ali, Marina desesperada e embora não vendo, sentia a presença de outros naquele ambiente. Romeu gritava seu nome até que seu computador ficou sem imagens e som. Levantou da cadeira num salto e sem explicações aos colegas seguiu o mapa da sua mente, formado pela frustração de sua esposa sozinha em casa, na companhia de pessoas que ela não via. O respeitado executivo transformou-se numa criança que perde seu brinquedo favorito. Mau conseguia ver as coisas, não falou com ninguém embora tenha esbarrado em muitos. Não saia de seus olhos a imagem daquelas pessoas estranhas cercando sua mulher. Ligou o carro e saiu do estacionamento, uma imensa fila no trânsito infernal o esperava. Mais desespero, e em meio a tanta agonia lembrou-se de ligar para casa: ela atenderia e tudo estaria bem... Chamou várias vezes até cai na caixa postal, e ao se ver obrigado a apertar a tecla vermelha do aparelho celular, lágrimas nublaram seus olhos. O trânsito abriu, e várias vezes quase causando acidentes (longe dos olhos de qualquer policial), conseguiu chegar no seu amargo lar
Nada!... Isso era tudo que Marina lembrava, absolutamente nada. Romeu a encontrou deitada no gramado da casa, desacordada, como quem tivera sido jogada da janela de seu quarto. Não havia quebrado nenhum osso, nem se machucado seriamente, apenas alguns arranhões na parte e um no rosto, um pouco dolorida e cansada.
Romeu não saiu do lado da esposa no leito do hospital, na ala de observação. Ela acordou e conversaram, não lembrava nem do que acontecera antes no computador enquanto teclava com o marido, mas o médico disse que aos poucos sua memória voltaria, e ele preferiu não contar nada para o bem da sua amada. Decidiram que precisavam descontrair um pouco, ainda não haviam saído para se divertirem sozinhos, como um casal, depois que haviam se mudado para aquele novo lar. E esta noite , após os problemas pelos quais tinham passado, era a noite perfeita!
Antes de saírem Marina ainda não lembrava de nada, tampouco Romeu contara aos filhos, e exitou um instante antes de deixa-los sozinhos . Marina lembrava de quando viram, há noites atrás, todos juntos, os móveis mexerem-se sozinhos, mas como os filhos eram jovens, não iriam preocupar-se com isso, mesmo porque o fato não fez mal a ninguém, era apenas curioso e normal, além do fato de que os únicos que permaneceriam na casa estariam se divertindo a beça.
Escolheram o melhor restaurante e saíram as oito em ponto, assim que o entregador de pizzas foi embora. O céu estava recheado de nuvens cinzentas, pedindo uma garoa gelada, e gelada já bastava a temperatura que os obrigou a usar peles e ternos caros.
Ficaram todos em casa, inclusive Cíntia, e animados como estavam, a noite prometia muita diversão e risadas.
Não tardou muito e a chuva passou a brindar a terra, as gotas brincavam de desenhar as vidraças. Uma forte tempestade os fazia companhia, caía densa, uniforme sobre a pequena cidade, assustadora e bem iluminada por raios em todas as direções. Nem bem o céu foi iluminado por um dos primeiros trovões e o telefone tocou... Era a mamãe perguntando se estava tudo bem. Responderam que sim,de fato estava tudo bem, tirando o medo da forte tempestade. O telefonema os confortou, porém não durou mais que dois minutos, tudo também estava com o apaixonado casal, que jantava lagosta com molho agridoce e brindava o mais fino champanhe da casa. Enquanto isso as crianças comiam a gordurosa pizza com pipoca e refrigerante.
A tormenta era cada mais forte, alguns pontos da rua já estavam sem luz, e as lâmpadas do casarão Schinzzer ameaçavam falhar, assim como a TV. Perante o fato, Pedro começou a chorar e os demais o tentaram acalmar na sala de TV, quando juntos ouviram uma briga que vinha de não muito longe. As vozes eram desconhecidas, altas e raivosas, uma briga de casal, mas de quem? Se seus pais não mais estavam ali, e quem estava em casa encontrava-se naquele tapete da sala. Os corações apertados, ouviram coisas quebrando, o filho mais velho, mesmo ofegante tomou a frente foi ver o que acontecia: a cena era fantástica, sentiu o ar faltar em suas narinas, as pernas tremerem: um casal, que ele não tinha a mínima noção de quem se tratava, xingavam-se e jogavam os móveis da sala de estar um no outro. Era este então o motivo, pelo qual as vezes viam os móveis mexerem-se sozinhos, quando não mexiam-se sozinhos, o casal brigando eternamente, amaldiçoando o lar, era quem mexia os móveis. Antes que pudessem dizer qualquer coisa, voltar a realidade de que aquilo era realmente real, a luz falhou mais uma vez e a penumbra abraçou por completo a casa e seus arredores. Gritos e mais tensão pelo inesperado, a discussão e o os móveis pararam. Os relâmpagos iluminavam a casa por menos que um segundo, em cada flash de luz natural, Nicolas conferia dentro de seus passos ofegantes se a família continuava junta. A casa estava completamente silenciosa, a trilha sonora era composta somente pela tormenta e seus efeitos lá fora. Chegaram na cozinha e conseguiram localizar a lanterna, tudo então ficou mais fácil iluminado pelo foco. – Vamos ligar para a mãe. – Orientou Débora. E ao discar o número e colocar o telefone aos ouvidos, um ensurdecedor grito ecoou pelo fone, e rapidamente ela o retornou ao gancho. – Vamos subir, pegar nossas capas de chuva, sair daqui, e esperar lá fora. A respiração inacreditável formava um ritmo bem compassado em todos os corpos, e bem antes de qualquer passo em direção ao plano perfeito, ouviram as portas baterem se aproximando, do andar de cima até o mais perto possível. Pedro pôs-se a chorar, e seus gemidos em meio a tantos outros externos, era quase inaudível. Todos tentaram acalma-lo, mas o que era a calma? O que era medo e a realidade? As pernas vacilavam e não havia nada mais no mundo que depois de saírem daquele local, o fizessem voltar. Abriram a porta da cozinha e foram para a escada, mas na sala de TV Cíntia sentiu no escuro algo a puxar seu ombro, tentou desgrudar-se e sentiu os dedos alheios com seus próprios dedos. No desespero, tentando salva-la Nicolas escorregou e deixou a lanterna cair, os relâmpagos já haviam dado trégua e estavam num total crepúsculo. Cíntia tentava resistir a força que a mantinha prisioneira, mas não teve coragem de colocar suas mãos sobre aquela, apenas puxava o corpo, não mais desacreditando no inferno e seus demônios, e não mais que de repente a mão a apertou mais forte e a largou, a luz da lanterna iluminou um par de pés banhado em sangue afastando-se. - Vamos subir as escadas, rápido. – Gritou Nicolas já novamente com a lanterna em mãos dirigindo-se aos degraus. Os demais o acompanharam sem pensar. Abriram a porta do que pela noção lhes parecia ser o quarto de Débora, a garota ouviu junto dos companheiros um sussurro vindo do guarda roupa que dizia: “Ajude-me”, Débora olhou para eles, e sua resposta ocular foi que deveria abrir, seria menos pior assim. De mãos trêmulas e pulso incessante girou a chave da porta do móvel e abriu devagar ouvindo um gemido vindo dali, afastou-se e abriu mais, devagar no limite do medo, não sentindo mais o coração, a porta escancarada e Nicolas numa vibração de coragem iluminou o interior do guarda-roupa e um menino repleto de feridas no corpo estava sentado pedindo ajuda, ele esticou seus braços com desespero, Débora involuntariamente fez a intenção com seu corpo de ajuda-lo, mas Cíntia a conteve, puxando as capas do cabide e fechando a porta ao mesmo que a empurrava para longe daquele ser, e já com a porta fechada foram vários, um coro de gritos de ajuda vinda do guarda roupa tão inocente. Havia várias crianças ali. Conseguiram suas capas de chuva, vestiram-nas no escuro, e ao descer, a lanterna retratou uma mulher ao pé da escada os esperando, de aspecto horrível, pálida e sangrenta, no rosto algo que parecia um sorriso. Notando o recuo, ela foi à direção aos novos habitantes daquele lar, devagar e de passo pesados na madeira nobre... Puseram-se a correr para o quarto, o quarto de Marina e Romeu, esconderam-se rápido sob a cama. Ouviram os passos aproximando-se no corredor, em frente a entrada do quarto o silêncio voltou a reinar, mas nem cinco segundos e o ringir da porta acelerou ainda mais suas respirações... Ela estava ali! Sabia que eles estavam ali!
Continuaram mais quietos que nunca em seus apertados lugares, os passos dela invadiram o ambiente, ela foi até a janela e voltou devagar, era possível ver tudo de onde estavam, as unhas grandes e sujas de sangue, o pé cortado e pálido. Após a janela voltou em mesma velocidade e parou em frente a cama, ao lado deles. Débora ameaçou gritar e Nicolas a calou com sua mão. Mas nada evitou de que a mulher pegasse Pedro e o puxasse para si, num único o movimento, o pequeno garoto foi raptado pelo fantasma e a força foi levado para fora, os irmãos e a cunhada sobre gritos de protesto e medo seguiram ambos, não tendo mínima noção do que viria a acontecer, a única coisa que tinham em mente era tirar a criança das mãos daquela morta. Com o auxilio da lanterna a viram ganhar a sala com o menino nos braços, quase tropeçando as escadas os outros fizeram o mesmo caminho, Nicolas chegou o bastante para se atirar encima dela e salvar Pedro, mas então um homem gritou da sala de estar e adentrou á sala de TV onde estavam, tinha uma arma em mãos, Nicolas afastou-se, e a mulher parou receosa a fitar o recém chegado.
- Largue o menino! – ordenou ele, apontando-lhe a arma na cabeça. – devagar, ela cumpriu o mandato. – Eu já disse que não quero que você pegue mais crianças, porque você só as maltrata.
- Por favor, não brigue comigo. - defendeu-se melosa e fraca. – eu amo estas crianças.
- Se amasse não os machucaria, e nunca mais vai os machucar. E aquelas crianças graças a Deus e a mim não irão mais viver para ter de lembrar das coisas, venha! – e a agarrou pelo braço e arrastou até a sala de estar. – ela gritava freneticamente.
Os garotos foram curiosos até o portal ver o que aconteceria, e a porta escancarou-se revelando Marina e Romeu um tanto molhados, o ar de alegria no par de faces se desfez, foi ao limite do oposto ao presenciar tão inesperada cena, os corações gelaram, tinham a sensação de que todo o chão em que pisavam não existia mais. Marina fez menção de um grito de horror, mas viu os filhos e Cíntia em silêncio, olhos nos olhos com a mão do namorado sinalizou a calma e espera, de certa forma tudo estava bem e deveriam ficar onde estavam... A porta aberta e o ruído da chuva como se fosse no interior do casarão, a chuva em toneladas e o flashes dos raios ás suas costas.
O homem não interrompeu seu feito, e de trás do sofá tirou duas crianças que choravam sem qualquer barulho, era um casal de mais ou menos oito anos, na mesma aparência fúnebre e tristeza infernal.
- Ninguém vai mais sofrer por aqui! – urrou apontando a arma para a cabeça da mulher, engatilhou e atirou. Nenhuma gota de sangue, apenas seu corpo imóvel no tapete. Ele aproximou-se das crianças e antes de repetir o gesto lhes disse: - Vocês não podem viver depois de tudo que presenciaram e sofreram. E no seguinte segundo eram mais dois corpos no tapete. Inesperadamente se prostrou o quarto corpo quando ele atirou na própria cabeça. Estava findado aquele ciclo. Os mortos desapareceram antes que a família pudesse se mover, e ainda comovidos pelo inesperado, indescritível, sentaram no sofá da sala e os pais explicaram toda história: “Este casal não podia ter filhos, pois ela tinha problemas nervosos que afetavam seu organismo sexual e a deixava desequilibrada. Mas ele queria muito ter um filho, contra a vontade de seu marido, ela roubava crianças e escondia aqui na casa, mas ela, devido ao seu desequilíbrio, violentava as crianças, traumatizava-as longe das verdadeiras mães. Então eles brigavam, atiravam os móveis um no outro, e ele matava as crianças, até que paravam, e até que chegou o dia em que ela seqüestrou uma criança que era filha legítima de um outro casamento dele. Ele não pode suportar: matou outras duas crianças que aqui viviam, a matou e cometeu suicídio por fim, que deve ser esta cena que acabamos de reviver... Esta casa é amaldiçoada, por isso a compramos tão barato,mas é claro que nunca acreditamos nessa história de maldição, isso até agora. E o que temos a fazer é rezar por essas crianças para que suas almas fiquem em paz.”
Ao proferir estas últimas palavras, as paredes começaram, a cair em ruínas, e logo eles foram para a rua. A casa desmoronou em partes e almas, muitas almas puderam ser vistas apenas a luz do falso luar entre as nuvens, dirigindo-se ao céu, era finalmente a paz de todas as crianças que precisavam ser salvas. Entre os escombros, restos mortais humanos jaziam como parte da construção, eram os corpos escondidos por todo o lar. A chuva banhou o casal num todo, os outros estavam bem protegidos. Dormiram num hotel e acordaram cedo para viajarem para a casa da avó, e tirarem um merecido descanso. As imagens do terror acontecido não saiam da mente, mas tudo era questão de tempo de novos ares, até reinar mais uma vez a felicidade e acharem um novo lar, começarem uma nova vida.