1996 - Noites Violentas na Cidade

Junho de 1996.

02h46min AM

Um rapaz de aparência criminosa arrasta uma garota desesperada pelos cabelos. São namorados.

As ruas da Penha estão desertas.

A garota não parece ter mais do que quatorze anos. O marginal está visivelmente drogado e dá fortes chutes nela.

Seus socos machucavam o rosto ensangüentado da moça em pânico.

Ele para em frente a uma vitrine de uma loja.

Apenas os manequins mudos testemunham tudo.

- Calaboca! – berra o rapaz.

A menina chora ruidosamente.

Ele tira um estilete do bolso. Os olhos dela se arregalam.

- Na-não! Que cê vai fazê?

Ela sabe a resposta. Já viu o namorado mutilar algumas pessoas com o mesmo apetrecho.

- Na hora di você mi chifrá foi bom, né?

Do alto de um prédio comercial um vulto observa os dois, que ignoram completamente sua presença.

A lâmina afiada do estilete se aproxima cada vez mais da garota aterrorizada.

Súbito, o drogado sente seu golpe ser contido por uma mão férrea.

Espantado olha para trás.

Um roqueiro, todo de preto com cara de índio, está parado em um lugar da calçada, onde até um segundo atrás não havia nada.

- Desculpe incomodar... Mas eu acho que você deveria resolver o problema sem tanta violência... – pediu educadamente.

O rapaz drogado tentou soltar o pulso, porém parecia preso por um torniquete.

Com a mão livre o roqueiro de longos cabelos negros partiu a lâmina com um simples toque.

- Ah filadaputa!

O índio sorriu e seus caninos cresceram em instantes, brilhando sob a luz da lua fria.

Se o rapaz estivesse com a cabeça desanuviada perceberia que estava frente a frente com um vampiro.

Ignorando o perigo que corre o marginal solta a garota machucada, que cai no chão.

Ela não viu a mudança no rosto do rapaz de negro.

- Tu é forgado! Vô te passá bala!

O filho da noite sorriu e seus olhos ficam vermelhos, como sangue.

Avisa suavemente:

- Se quer sobreviver... Esqueça dela.

O marginal saca uma arma, um calibre 32. Quem visse o movimento, pensaria que o drogado levou um poderoso empurrão.

O calibre 32 cai no chão e dispara contra uma parede.

O jovem bandido voa, atravessando a curta distância entre a calçada e a vitrine, espatifando-a.

O alarme dispara.

Mas o marginal não pára na vitrine. Derruba os manequins, quebra a fina parede de gesso e cai cortado inconsciente dentro da loja.

Com o rosto em seu estado humano o rapaz de cabelos negros oferece a mão para a menina chorosa.

Assustada ela se encolheu como se estivesse sendo ameaçada.

- Calma garota! Não vou te fazer mal... – ele a avisou.

A jovem estendeu a mão trêmula, o índio a levantou com cuidado.

- Vai pra casa menina, e trata de arrumar sua vida. – ele recomenda.

No instante em que ela levou entre um piscar e abrir de olhos, o vampiro some.

A garota olha em volta, espantada. Sirenes de polícia estão cada vez mais próximas.

Feliz pela primeira vez em meses, ela resolve fugir.

Do alto de um prédio, olhos negros a observam.

O filho da noite, que se chama Saturno sorri também.

Minutos depois ele caminha pela Avenida Celso Garcia, onde pretende curtir um pouco de Heavy Metal na Fofinho Rock Club.

Espera encontrar conhecidos mortais, e alguns imortais talvez.

Logo após passar pelo terminal Aricanduva um grupo de seis rapazes começa a segui-lo.

O imortal percebe, mas não se incomoda.

Com seus longos cabelos negros esvoaçando acende um cigarro.

Um dos rapazes se adianta em passos rápidos.

- Aí meu! Descola um cigarro?

O índio para e saca seu maço de Marlboro. Os seis o cercam imediatamente.

Avaliam o que pode valer a pena roubar e chegam à conclusão de que ele é só um metaleiro sujo.

Saturno acende um cigarro no seu e entrega para o cara.

- Sabe de uma coisa mano? – perguntou ele tragando profundamente – Eu não gosto de metaleiros!

O índio dá de ombros.

Quando o jovem de cabelos negros vira de costas para continuar seu caminho, um deles o acerta na cabeça com uma barra de ferro usando toda a força possível.

Eles se espantam ao ver que o roqueiro parece não ter sentido nada.

O índio se vira lentamente, os olhos brilhando avermelhados.

- Sabe de uma coisa? – pergunta com voz gutural – Também não gostei de vocês...

Como um raio, salta entre a gangue espalhando o pânico.

Saca um punhal afiadíssimo e com um golpe abre um talho na garganta de dois deles, que caem no chão imediatamente.

O maior dos rapazes, mais inteligente, pôs-se a correr.

O que lhe atingiu com o cano, tentou atacar novamente.

O vampiro o agarra pela camisa e escancara a boca. Seus dentes caninos saltados.

Arranca um naco da garganta do rapaz.

O sangue esguicha em seu rosto.

Antes de se virar sentiu dois baques nas costas.

Acabara de levar dois tiros de um calibre trinta e oito.

Soltou sua última vítima no chão, grunhindo de raiva.

O rapaz que cai no chão tenta em vão estancar o sangue que vaza da veia rompida.

O índio vira-se e encara o homem que atirou contra ele. Um boliviano.

Levanta a camisa preta e mostra o estrago feito pelos tiros.

O homem se espanta, pois não há sangue.

Saturno ri.

A arma treme na mão do boliviano.

O imortal dá um passo à frente e foi a última coisa que seu inimigo viu, pois teve a cabeça arrancada e atirada longe.

Minutos depois, o rapaz que correu pula para dentro de um terreno baldio, suando muito.

Ofegante, acredita estar seguro.

Mija nas calças quando ouviu a voz gutural ao seu lado.

- Poderia matar você agora...

Quando vê o par de olhos vermelhos brilhando no mato, percebe que não tem mais salvação.

Junta as mãos em uma oração muda.

-... Mas não vou matá-lo hoje. Quero que você conte para todos o que viu e largue esta vida criminosa. – avisou.

O rapaz treme dos pés a cabeça.

- Você matou meus amigos. Você é um demônio? – quis saber o rapaz.

-... Eu sou... Saturno.

O rapaz ia perguntar mais alguma coisa quando o vampiro irritou-se com ele.

- Dá o fora antes que eu me arrependa!

O rapaz não pensa duas vezes, pula o muro do terreno e corre com o fôlego redobrado. Dando graças aos céus.

O índio volta ao seu caminho habitual.

Ao passar em frente ao hospital Leonor Mendes de Barros, um Scort para e dele saem uma bela moça negra, grávida e um jovem de olhos verdes.

Talvez por tê-lo reconhecido Saturno aproxima-se.

- Oi. Tudo bem?

O jovem parece meio desconfiado, mas o cumprimenta também, pois o reconhece de algum salão de rock.

- Tudo. Minha mulher vai ter meu filho...

- Cuide bem do Bruno. – Pede o vampiro que leu a mente dele.

- Tá. Falou.

O jovem de olhos verdes não sabe como o índio descobriu o nome de seu futuro filho, mas isso não importa e ele entra no hospital.

Saturno cruza os braços e volta a andar enfrentando o vento forte que bate contra ele.

Sobe uma comprida escadinha que sai na entrada de um cortiço.

Não se importa com a falta de iluminação, seres como ele, enxergam perfeitamente na escuridão.

Chegando ao segundo andar, dá uma leve batida em uma porta apodrecida pelo tempo.

- Glauco? – sussurra o índio.

Nada.

Já devia ter ido para o salão.

Glauco é um mortal muito louco. Ótimo para agitar as noites de tédio, pois sempre tem idéias novas e delirantes.

Saturno ia atrás, pois se divertia muito com ele.

Continua andando pela avenida escura.

Ouve um grito assustado.

Está atrasado para o especial de rock´n´roll, porém a curiosidade o atraiu.

Passando de sombra em sombra, aproxima-se velozmente do local do grito.

Dois boys espancam um velho manguaceiro.

Pelo forte fedor, saturno percebe que é um morador de rua.

Fica momentaneamente na duvida entre ir para o salão e ajudar o mendigo.

- “Que merda!” – pensa o vampiro.

Sabe que não tem escolha, derrepente eles matam o bebum e ele ia ficar com sentimento de culpa.

- Arranca o dinhero dele! – grita um dos boys.

- Deve tá na cueca! – grita um moreno musculoso.

O outro soca o bêbado até tirar dele uma bolsinha de pano com o equivalente a quinze reais em trocados.

Quando eles resolvem dar mais uns tabefes pelo mendigo não ter entregado o dinheiro logo de cara, Saturno aparece.

- Porque vocês não devolvem o dinheiro dele? Aí eu deixo os dois irem embora numa boa...

Os dois se assustam, mas vendo que o índio está sozinho e não parece muito forte, resolvem encará-lo.

- Porque você não chupa meus bagos?

- É! Seu roquero viado! – grita um deles, de cabelos loiros.

Saturno sorri. Nada era muito fácil na sua vida.

Tira um cigarro do bolso e caminha calmamente na direção dos dois.

Acende e traga.

- Vocês deviam entrar no seu carrinho de boy e cair fora. – avisou o índio.

Os rapazes empurraram o mendigo no chão e ele afastou-se medrosamente do local.

- Zé! Pega o “tchaco”.

O loiro corre até o carro e lá pegou dois nunchacos.

Esta arma de artes marciais é feita de dois tubos de madeira ligados entre si por uma corrente e serve para ataque e defesa.

A deles era um pouco diferente.

Feitas de tubos de ferro e cheios de cimento eram uma arma mortal.

Saturno esperou que os dois estivessem juntos.

Não que achasse injusto usar sua enorme força contra um só, afinal seria injusto mesmo se houvesse “vinte” deles!

É que o vampiro nunca havia batido em ninguém que lutasse artes marciais antes e queria se divertir.

Um dos rapazes, o moreno grande e musculoso avança dando um forte murro em Saturno.

Este finge que cai, pois sua vontade mesmo é cair na gargalhada.

Levanta em seguida e se deixa atingir mais algumas vezes.

Cai novamente.

Fica ajoelhado no chão e quando o boy vem chutar sua cabeça, o imortal o suspende no ar.

O amigo dele, que até aquele momento ri com gosto corre em seu auxílio.

O filho da noite mal sente quando leva um forte golpe na cabeça.

Agarra o braço de seu atacante loiro e enfia suas garras profundamente.

A artéria é rasgada, jorrando sangue quente.

Largando o loiro, concentra-se no musculoso que segura.

Deu-lhe um murro no estômago com tamanha força, que os pés do rapaz musculoso saem do chão.

O índio solta o moreno, que cai molemente no solo, começando a vomitar.

O loiro pega o nunchaco e mesmo com o braço sangrando muito dá uma forte cacetada no distraído vampiro.

- Dexa meu camarada! – berra o rapaz.

Com certeza se ele fosse humano teria caído.

O índio virou-se, olhando-o com os olhos terrivelmente vermelhos de ira.

Aparou outro golpe do nunchaco.

Com as duas mãos quebra o cano chumbado.

O boy loiro se assustou, sabia a força necessária para dobrar um cano de ferro. Quanto mais para quebrar.

Largou o nunchaco na mão de Saturno.

- AimeuDeus! Você não é humano! – choramingou.

Com um brilho perverso nos olhos, o imortal avançou sobre o carro deles.

Um Pálio último tipo.

Com o lado inteiro do nunchaco, golpeou o carro inteiro, quebrando em segundos todos os vidros e amassando a lataria.

Joga a arma longe e apontando o rapaz caído avisa:

- Se você tem um pingo de inteligência, pega teu amigo e dá o fora daqui. AGORA!

O musculoso levanta com dificuldade e os dois entram no carro saindo em disparada.

- Esses playbas...

As carteiras dos dois estavam na sua mão.

O mendigo encostado em uma parede choraminga.

Quando sente a mão em seu ombro entra em pânico.

- Não, não! Por favor! – grita encolhendo-se.

Saturno enfia cento e quinze reais na mão do mendigo. Todo o dinheiro que achou nas carteiras, mais o que era dele.

Agora o salão está próximo.

Felizmente para ele nada mais aconteceu no caminho.

Chegou a Fofinha e paga a entrada, cumprimentando alguns conhecidos.

Encontra o Glauco e os começam a conversar.

- Eaê Saturno! Que que cê tem feito?

- Nada cara... Minha vida é um tédio. – respondeu o vampiro.

- Cê precisa arrumar uma mina!

O imortal sorri.

- É verdade. Você tem toda razão, só falta aparecer a garota certa...

Os dois foram agitar um pouco de UFO.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 25/06/2008
Código do texto: T1051491
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