SOLIDÃO - microconto

O homem está sentado em uma rua de pedra na cidade de Olinda.

Seu semblante é triste, marcado pelas agruras da vida.

As pessoas vêm e vão.

Turistas com seus jeans e camisetas coloridas, mulheres com seus tabuleiros de doce e crianças comendo coquinho e fazendo uma enorme algazarra.

O homem se chama Nabuco. Ignorado por todos. É como se não o vissem.

Sua frustração não pára de crescer.

Ignorado por horas, dias, meses, anos...

Tenta se lembrar quando foi à última vez que alguém olhou para ele.

Foi há muitos anos.

E Nabuco já era um beberrão.

Lembra-se de uma briga, uma pedrada na cabeça. Dor.

A vida é um inferno, sempre foi...

As horas passam e a escuridão se aproxima.

Lâmpadas tentam iluminar o centro histórico de Olinda.

As ruas pouco a pouco se esvaziam.

Nabuco continua sentado no chão frio.

Um casal se aproxima, rindo baixinho. Ele, estrangeiro, ela, nativa; menina ainda, no máximo quinze anos.

Escondidos nas sombras ao lado do homem começam a se agarrar. Ela abre o cinto do estrangeiro enquanto este se delicia com o jovem corpo moreno jambo.

Escandalizado, Nabuco se levanta.

- Ó Pá! V´cêis naum teim v´rgonha naum?

Ouvindo a voz do português os dois se voltam assustados.

Vestido de casacão e colete do século XVII, a cabeça esmagada do lado direito com o sangue empapando o bigode e os babados da camisa, o fantasma de Nabuco é uma visão medonha.

Põe a mão na têmpora. Sangra ainda.

Os dois empalidecem terrivelmente e fogem ladeira a baixo; o americano cai duas vezes com a calça arriada.

Satisfeito por ter sido notado mais uma vez nos últimos três séculos, o português volta se sentar sobre a cova que esconde seus ossos, desde seu assassinato em 1654.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 24/06/2008
Código do texto: T1049863
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