O HORROR DO ALÉM
É das maiores graças dadas ao homem o excesso de debilidades quanto ao processamento da realidade sensível. Nossos sentidos são pífios perante ao todo das facetas da realidade, a toda a sua abrangência. Somente a tecnologia pode determinar o quanto nós podemos nos expandir rumo às capacidades totais dos sentidos; e também até que ponto deveremos chegar. Deve haver um limite pois o que estará além do que vemos, ouvimos, cheiramos e degustamos é imponderável para a ciência. Pelo menos para a ciência eticamente correta.
É necessário o impedimento, a censura daquilo que o homem pode ver além da realidade física, da realidade, melhor dizendo, empírica– ou seja, daquilo que nós homens podemos apalpar e que nossos sentidos normais podem hoje sentir dentro dos conceitos a priori de espaço e tempo. Eu digo, não com conhecimento direto de causa, a razão disso: nós homens não alcançamos este estado evolutivo pela via biológica pois não nos é esperado que ocorra tal. Alcançando estas percepções maiores dos sentidos, o cérebro humano desvelaria uma verdade tão opressiva e suprema que nós seres humanos, eternamente incapazes de abstrair a origem e a infinitude das coisas, lançaríamos toda a racionalidade que nos foi imperativo desenvolver- desde os tempo do primeiro do gênero homo- para chegarmos até o momento atual da civilização nos abismos de uma era de trevas de loucura, uma era quando os desesperos da humanidade serão um único ululo de pavor doentio. Aquilo que ele vira– ou achara ter visto, que eu pondero se não me deparei com um mísero fragmento de sua horrível verdade– é a prova daquilo que eu pressinto ser verdade com calafrios percorrendo toda a minha espinha.
Eu quero mostrar os fatos que serão expostos aqui por motivos pessoais. Eu sinceramente tenho dúvidas daquilo que ocorreu. Se houvesse uma outra testemunha daquele evento, é certo que eu jamais escreveria estas páginas caso houvesse uma terceira pessoa naquele momento e naquele lugar– pois esta pessoa poderia, dependendo de seu estado, me confirmar naquele instante– que me vêm à memória depois de mais de trinta anos com a perfeita impressão das sensações, pelo menos é minha estimativa. Duvido que eu esteja errado; na verdade, tendo a acreditar que estou suavizando os fatos concretos, porque a memória nesses casos tende a suavizar os fatos, é isso que penso.
Tudo ocorreu há mais de trinta e cinco anos, naquele tempo eu era outra pessoa. Eu deixei de ser por um certo tempo, Danilo sclioni, e passei a me chamar Dayadhvam. Naquele tempo fazia parte de uma sociedade alternativa no interior da serra gaúcha, a grande ordem da revelação cósmica, que naquele tempo, cinco anos depois de ter sido fundada por alguns conhecidos de um amigo meu, já estava decadente. Dois anos antes ela tinha mais de cem pessoas que pregavam o amor livre, o uso das drogas para abrir a percepção (alguns, filhos de papai, traziam consigo vários livros de poetas quase místicos, como por exemplo William Blake, que por sinal fora inspiração até certo ponto para o nome da comunidade), pregávamos o desapego às coisas materiais, Ah! Pregávamos tanto a doce utopia da liberdade. Éramos jovens, e não sabíamos que quanto mais o homem pensa em liberdade mais está preso pois está tomando a liberdade com base na amarra que é uma pré-concepção sobre a mesma, éramos tolos e não sabíamos da mentira que é a liberdade.
De qualquer modo, pensávamos no início em alcançar todas estas metas– foi isso que atraiu tantos hippies gaúchos para aquela comunidade de início. Porém quanto maior o número de pessoas, maior a necessidade de organização e portanto maior é a chance de existir a hierarquia entre os homens. Além disso, ocorriam as naturais disputas por mulheres ou homens, em meio as orgias e trocas de casais. Alguns começaram a discordar disso por conta da existência de hierarquia, outros por conta da promiscuidade, outros somente por gostarem sempre de discordar. De qualquer forma, a situação era de uma constante e crescente frustração quando aquela sociedade chegava ao seu quinto ano de existência. As casas que havíamos construído, ao modo das ocas indígenas, haviam sido cinco delas cheias de gente e de redes e crianças, agora eram duas e não totalmente preenchidas. Havia sempre no ar uma certa tensão, não uma tensão psicológica, mas um tensão moral; estávamos sempre pensando agora quem seria o próximo a sair dali, a intriga começava a se destilar, uns perguntavam a outros: “será que fulano vai estar aqui amanhã?”; “Cicrano me disse que não aguenta mais, era meio previsível né?; e outras perguntas do gênero. Não era somente desaparecendo no meio da noite que muitos de nós saíam da comunidade, não foi só uma ou duas vezes com que nós nos deparamos com a garganta cortada de um companheiro ou o corpo de um outro se afogando, ou outras mil maneiras que sempre conseguiam para se matarem na falta do que fazer.
Para falar a verdade, por aquele tempo eu também estava de saco cheio de toda aquela vida. Era horrível para mim estar a mais de três anos sem por a boca em uma merda de um pedaço de carne, pois eu poderia estar matando um antepassado e além de tudo, e antes de tudo eu estava matando um ser-vivo ( nunca pensaram que as plantas que nós comíamos todos os dias não era um mineral). Também estava irritado com esse negócio de sexo livre, porra nenhum homem consegue deixar de se sentir corno em uma sociedade alternativa, com a busca do nirvana e da overdose maiores. Tudo aquilo dali depois de tantos anos já me enjoava de uma sobre maneira. Eu queria era ver de novo Porto Alegre, queria ver São Paulo, queria viver em São Paulo!. Eu só ficava me dizendo “meus irmãos lá recebendo já uma grana alta, comendo filet mignon e salmão e eu aqui nessa palhaçada, sendo corneado e comendo essa coisa horrível que diziam ser arroz, não aguento mais comer maça e ouvir ‘aqui se plantando tudo dá’”. Mas ela me impedia.
Não, não era a droga livre que me impedia de ir. Era ela, Shantih, minha namorada– que vou chamá-la assim pois para mim ela não tinha nome nenhum, era apenas Shantih. Se ali existia gente que já mostrava a intriga, o Iago que todo homem tem; havia na mesma proporção gente que não observava o fim iminente da comunidade que dizia que só era um momento ruim, que pelo menos os que estavam ali não eram tão caretas, que estavam liderando “a marcha dourada rumo ao reino dos sândalos da liberdade”– Bah! Que coisa ridícula!! Voltando, minha namorada era uma dessas pessoas, uma dentre tantos desse tipo de idealista irracional que somente estraga as lutas da juventude, mas era minha namorada e eu a ajudaria com aquilo que pudesse em suas idéias– que na verdade devo admitir que fora receptivo durante muito tempo. Ela acreditava nisso tudo, e eu até certo ponto consentia.
Sinceramente, não foram seus argumentos que me convenceram por muito tempo a concordar com tudo aquilo. No fundo, eu era um como tantos que só buscavam ter uma ideologia para contradizer de uma maneira ridícula. Na verdade, eu me mantinha naquela grande palhaçada esquecida pelo mundo normal somente por conta dela, ou melhor por conta da sua beleza. Eu a achava linda, tinha algo do sangue guarani talvez nas suas veias, mas seus cabelos negros, lisos e compridos até a altura das costas; seus quadris finos acompanhados de coxas e nádegas carnudas e firmes me deixavam bastante excitado. Além disso, ela era uma coisa na hora H. Era uma questão de princípios: ficar longe de uma mulher assim ou ficar lá me detestando por estar ali. Adotei a primeira opção pelo máximo de tempo que minha paciência me permitiu.
Eu estava saturado daquele ambiente, eu não aguentava mais nada daquilo, não havia como as pernas de Shantih me prenderem mais naquela aldeia de patetas. Eu tinha de lhe comunicar que iria embora, tentaria convencê-la que era melhor que ela fosse comigo, etc. Por muito tempo, tentei rondar o assunto, abordar finalmente o que eu queria que ela soubesse– que eu não aguentava mais aquela palhaçada falida.
Lembro-me muito bem do dia que eu finalmente decide falar com ela sobre isso. Era um dia frio de julho, a geada se espalhava pela relva, pelas casuarinas, pelas árvores em geral. Tudo isso me causava um efeito de solenidade séria, um tom grave que contudo não me provocava nada de opressivo no espírito. O vento fio desfilava com vagarosidade por todos os espaços, as ocas rugiam com aquele barulho que as crianças dizem ser o som dos fantasmas gemendo na madrugada. A comunidade estava reunida e calada, os violões encostados num canto qualquer das habitações, todos conversando somente com aqueles que tinham afinidades, como namoradas ou namorados, amigos ou qualquer coisa assim– todos nós não aguentávamos mais que um grupo de cinco pessoas no máximo, o resto, vivíamos na maioria de falsidade, excetuando o caso de Shantih que era buscava se alienar dessa gritante ao olhos de todos os que estavam sóbrios, sãos ou tinham bom senso. Naquela época eu já não falava mais com ninguém exceto ela, pois todos os meus amigos que estiveram ali já haviam partido quando tiveram vontade; todo resto me era detestável em sua sujeira e idealismo imbecil.
Queria terminar isso de uma maneira que fosse discreta, de um modo que não a deixasse constrangida frente àquele bando de crápulas. Eu sabia de um lugar que ela gostava a alguns quilômetros de distância da vila. Era um lugar bonito, era um precipício de onde poderíamos ver todas as árvores que cresciam ao lado de um riozinho de água cristalina. O ambiente como estava, com as árvores todas sendo cobertas pela geada assim como toda a relva, o vento frio e vagaroso– tudo naquele ambiente era perfeito para suavizar toda a embaraçosa situação de terminar o namoro.
Decidi falar com ela depois do almoço. Queria esperar que a maioria fosse tirar uma sesta para chamar-lhe. Era nisso que eu estava pensando quando ela chegou perto de mim, sua mão morena me tocou sutilmente, como se fosse um fantasma.
– Quero falar com você– disse me sussurrando no ouvido as palavras como um jeito bastante lascivo, eu acho
– Que Susto, bah!– disse com sinceridade– Você parece que lê meus pensamentos, guria. Queria falar com você também.– os seus olhos pareciam aéreos, mas ainda, no interior daquele mel, eu sentia toda a atração erótica, e fiquei um pouco em dúvida.
– Sério? Então me siga– disse num tom cheio de alegria e recheado de risos. Eu reparei que na sua bolsa ela guardava alguma coisa, fato que dava ao seu riso a estranha sensualidade de quem prega uma peça ou faz algo que não deveria fazer
– O que tem nessa bolsa?
– Sh…– disse com cautela e a mão morena na minha boca– é segredo, não devemos falar disso aqui.
Nesse momento eu fiquei meio intrigado, a situação era estranha pois nunca havia visto minha namorada fazendo esse tipo de coisa, pelo menos na minha frente quando estava na comunidade. Ela estava roubando! Roubando a “grande ordem”! Mas eu ficava pensando, cheio de dúvidas, o que será que havia ali?
O caminho que seguimos passava diretamente por um bosque, na verdade um conjunto razoável de casuarinas e amendoeiras que devia ocupar uns quatro hectares ou mais, mas não era muita coisa. A mata era controlada pelo silêncio às vezes rompido pelo som de um pássaro no meio das árvores ou pelo som do esmagar de algum inseto por meus– claro que desprezando o som dos meus passos e do saltitar de Shantih, que parecia uma criança alegre, uma corça, um espírito lascivo da floresta. Seu poncho a acompanhava com perfeição e dava mais leveza aos seus movimentos, uma imagem que era esplêndida durante o dia e que daria uma profunda noção de medo durante a noite de lua minguante, pois ela além disso entoava com sua voz de soprano uma espécie de mantra budista– uma imagem que lembraria a dos fantasmas góticos que rondavam as florestas alemãs nas fantasmagorias, os espíritos das amadas mortas de Edgar Allan Poe. Não sabia o porque eu pensava nessas coisas horríveis enquanto via o seu jogo de quadris que me deixava tão excitado normalmente. Penso se o homem não é perverso, se o homem não gosta de torturar a própria alma.
– Onde que você está nos levando?– disse sincera e, talvez, obscenamente
– Vou te levar ao céu, meu amor– nessas horas todos os homens pensam baixarias
E ela ficou andando assim álacre como uma corça, despida de maldade e despida de inocência. Como um anjo a ascender aos céus. E quando vi nós estávamos lá, no lugar onde eu imaginava avisar que iria embora– dizer que estaria tudo acabado por consequência senti uma espécie de remorso na coincidência, mas não fui romântico, quer dizer, imbecil de acreditar numa chance de mudar minha opinião sobre os meus atos futuros.
Enquanto já observava a paisagem que se desdobrava ali diante de mim, eu já pensava em como amaciar seu espírito. Óbvio que eu iria lhe deixar falar tudo que quisesse falar, fazer tudo que quisesse fazer. Não era pena, só queria que ela não fizesse escândalos
Ela se virou para mim, agora parada tirando o que havia escondido na bolsa. Era uma quantia graúda de LSD, uma coisa espantosa. Ela sorria enquanto tirava aquilo da bolsa. A pele viçosa e morena do rosto se esticava com um sorriso.
– O que é isso daí? Disse-lhe
– Ah, não vai dizer que você não sabe o que é né? Você já usou isso tantas vezes comigo!
– Claro que sei, sua boba! Disso daí eu conheço bem.
– Então qual que é a dúvida?
– Nenhuma, exceto que eu não entendo essa dose cavalar pra nós dois…. De onde que você tirou isso daí?
– Ora, roubei da comunidade bah! Vamos, toma comigo. Meio a meio
– Mas pra quê, guria?
– Ora, você já viu as portas da percepção com as doses que a gente toma normalmente? Já alcançou o nirvana alguma vez com o que les põem pra gente dividir?
– Não, claro que não. Acho que ninguém nunca lhe explicou que o nirvana só se alcança depois de morto, mas não alei nada, mulheres não gostam de serem corrigidas
– Pois é disso que eu falo! Eu também não! Estão nos enganado, nos dão pouca droga pra que nós alcancemos o que nós queremos- a revelação cósmica! Mas hoje, não! nós nos encontraremos com deus, veremos a verdade e receberemos a missão de espalhá-la pelo mundo. Suas mãos me ofereceram metade da droga a minha frente. Venha, vamos viajar pelo espaço…. Ver as grandes verdades….
– Minha guria, que tipo de namorado eu seria se lhe desse só metade do potencial que você poderia alcançar com essa aura de energia positiva que emana de você. Eu sempre soube enganar. Pode tomar tudo, você que deve ser a profetisa que revelará ao mundo o caminho de ouro.
Você tem certeza que não quer nada. É interessante o tempo que ela refutou a idéia. Você não quer nada mesmo?
– Nada. Disse sem qualquer tom de paixão
Ela ingeriu quase que tudo de uma vez. Era uma imagem quase repulsiva, principalmente para mim desde aquele tempo. No passado havia consumido quantias tão grandes de LSD que eu tinha alucinações por que nem mesmo um caleidoscópio poderia me prover, ficava horas e mais horas olhando um ponto no infinito com um sorriso no rosto e o corpo todo paralisado. Na verdade, eu também não aceitei aquilo pois eu tinha me enjoado daquilo, depois de tantas vezes que consumi, um dia me encontrei tendo delírios sem ter consumido uma grama sequer– na verdade, até hoje ajo com um alucinado em determinadas situações, conseqüência peculiar do meu abuso anterior quanto ao consumo dessa droga.
Ela ficou por um tempo estática, os olhos adotaram um tom vítreo e também opaco– algo que me parece hoje uma mistura do olhar do louco com os olhos de um cadáver, algo que trazia um aspecto onírico ao seu semblante, mas que agora em conjunto com o todo do cenário, não sei o porquê, espalhava pela natureza ao redor, tomada pela geada, pelo frio, pelas árvores semimortas de inverno, toda uma sorte de decadência triste e melancólica. Havia naquilo tudo uma singela beleza dupla; tive a impressão de um curioso efeito japonês, por conta do silêncio imaculado que havia em tudo, devido a brancura do espaço hibernal e do movimento sutil e delicado que o bóreas dava às árvores; concomitantemente, havia todo um efeito de decadentista– os olhos drogados de Shantih, a atmosfera mórbida escondida no inverno, na geada, no bóreas gélido como a foice da morte. Era estranho, mas, a seu modo, perfeito!
Depois de um período de alguns minutos de uma letargia profunda de todos os músculos, passei a observar que seus olhos se mexiam com um certo vagar, mas contemplavam algo. Eram olhos sonhadores, como os olhos dos apaixonados admirando o ocaso do sol, ou os olhos de Rimbaud na foto tirada por Nadar. Depois começou a balbuciar algo incompreensível, que não uma língua, pois não havia palavras na sua fala. Só depois de um pouco de tempo surgiram palavras, e com certo sentido
– Olhe, Dayadhvam, é tudo tão lindo…– a frase era um tanto pausada– árvores dançando com cores de azul e prata; os rios são todos dourados e carmesins, o céu é um grande arco-íris com as nuvens– melhor que as tintas do pintores. Sua mão balançava, seu corpo ondulava, como se fossem uma representação daquilo que oniricamente ela me descrevia– os campos tomados pela geada são todos magenta e ciano. Meu deus, a natureza que os caretas vêem é tão sem imaginação…
Ela ficou olhando assim, extasiada com aquele mundo fantástico que estava ali diante dela e que se escondia por trás do nosso. Seu olhar era tão sonhador que me parecia que toda a poesia do mundo estava contida naqueles olhos.
Foi então que, numa mudança brusca, seus olhos mudaram totalmente de expressão. No lugar de todos os sonhos que ela descrevia com a sua voz suave e tentadora, estava ali um olhar de medo. Os olhos donde jorrava o sonho e a maravilha, pareciam agora estar concebendo todo um pesadelo grotesco– os olhos de mel se arregalaram ao máximo, como os olhos do que toma um susto ao ser apunhalado pelas costas. Ela se surpreendia com algo que transcendia a toda noção de beleza que ela havia descrito, e a cara que ela mostrava diante de mim era a de alguém que se confrontava com o horror do inferno.
– Me ajuda!– ela começou a gritar, ao mesmo tempo que começou a se levantar rapidamente– Me ajuda querido! Não deixa ele chegar perto de mim! Não deixa! Não! Não!– ela começou a andar para trás– é horrendo! Ele tem inúmeras bocas, cheias de fileiras e fileiras e mais fileiras de dentes afiados– devem ser mais de mil bocas, todas suspensas por tentáculos, é um nó horrendo de bocas e dentes– a pele é viscosa como aquela de um verme; são vários olhos espalhados pela cintura, todos amarelos como pústulas. Deus! são tantos tentáculos! – seus olhos estavam tão arregalados que achei que saltariam das órbitas de tanto medo, ela andou mais para trás– não deixe, por favor! Não, afaste-se, afaste-se, afaste-se! Ele me tocou, seus tentáculos estão me tocando.
Nesse momento, o pavor tomou seu corpo e ela correu na direção contrária. Infelizmente, ela correu na direção do abismo que a lançou ao solo no meio de um grito agoniado. Fiquei profundamente desconcertado com aquela cena– ela estava morta! Por um instinto de esperança– que em nós sempre advêm de um certo desejo masoquista– fui observar o que estava lá no solo, trezentos metros abaixo. Não havia nada mais que uma massa asquerosa de carne, sangue e ossos triturados. Enquanto isso, no meio do frio que sentia ao meu redor, percebi um detalhe que me estarreceu: sutil, muito sutil e frágil, eu pude perceber na minha nuca, uma ligeira baforada de ar quente…