[CONTO] - FÚRIA SELVAGEM -Capítulo 6 - FÚRIA NEGRA - Final da Saga

CAPÍTULO 6 - FÚRIA NEGRA

Todos recuam.

Apenas o imenso lobo e o poderoso vampiro russo estão no centro da Praça João Mendes.

Nenhum dos seres presentes ali acredita poder derrotá-lo após verem-no derrubar o helicóptero, os tanques de guerra e centenas de Noturnos e Feras.

Apenas o Russo.

Ele ri com empáfia.

- Essas humanas! Acrreditam rrealmente que suas brrinquedas poderriam destruirr a ferra? Apenas EU tenho a arrma parra isso!

Jürgen próximo a Ângela na retaguarda está perplexo, assim como Lucas e toda a multidão de criaturas amaldiçoadas.

No alto dos prédios, os atiradores cessam fogo por conta própria. Não vêem como derrotar o ser monstruoso.

Desistem.

Saturno apenas observa. Se as informações que obteve no submundo das trevas forem verdadeiras, sabe a que “Arma ”Yuri se refere. Na falta do “Elmo da Realidade” que está em posse de Picho-Aka, esta é a única opção de derrotá-lo.

O russo move-se tão rápido que mesmo o índio, acostumado com vampiros milenares, mal vê seu rastro no ar.

No peito do lobo, na altura do coração todos podem ver a marca da carne gretada, onde os mísseis de prata o atingiram.

Um movimento, um soco poderoso e o Natural cambaleia. Mais um deslocamento de ar e o imenso licantropo cai.

Com dois golpes, Yuri faz o que centenas de sua raça, os próprios lupinos e as armas de guerra dos humanos não conseguiram.

O russo levanta os braços triunfalmente para seus perplexos irmãos. Quer que vejam seu poder e o escolham para líder dos imortais.

Não deveria, porém, tirar os olhos do lobo nem por um momento.

Com garras do tamanho de alfanjes, seu contra ataque é brutal. Agarra o vampiro antigo, cravando os dentes em suas costas.

O chacoalha uma, duas vezes, atirando-o contra o chão.

Com a barba negra suja e a roupa rasgada, o noturno se levanta humilhado. Não fora muito ferido e agora está furioso.

Seus olhos despendem chispas vermelhas.

Yuri, com o manto em frangalhos move a mão concentrando a energia maléfica. Cada golpe seco abre um talho no couro espesso do Natural.

Gregório se enfurece mais ainda, avançando para o poderoso imortal.

Rindo com sua voz grave, o russo se movimenta rapidamente. Começa a girar em torno do lobisomem dilacerando seu corpo animal com suas chicotadas místicas.

- As escrravas servirrão! – clama para os céus.

O vampiro de barbas negras está muito confiante em seu poder superior.

Em um movimento repentino, quase por instinto, o Natural abocanha a mão direita do Russo, arrancando-a.

-AAAHHH! Cão maldito!

Ele se afasta ligeiramente, apertando o toco ressecado. Com os olhos brilhando vermelhos, o salta sobre ele.

Tendo sido um poderoso necromante em sua vida humana Yuri declama palavras negras, conhecidas por poucos bruxos do planeta e entendida por metade deles.

Uma muralha de escuridão forma-se ao redor do filho da noite.

- Nunca ultrapassarrá minha escuda sombrria!

Quanto mais furioso Gregório fica, maior e mais poderoso ele se torna. Chegou a um ponto em que não distingue mais seus irmãos Lupinos dos Noturnos.

Percebendo a inutilidade de seus ataques contra o russo, começa a atacar tudo a sua volta.

Vampiros são estraçalhados e esmagados por suas patas, mesmo os Lupinos que a princípio urraram de satisfação agora se tornam vítimas da Fúria Negra de seu rei.

Em pouco tempo, todas as criaturas na Praça João Mendes lutam por suas vidas. Gritando palavras incompreensíveis, Yuri conjura uma lança de trevas.

- Sua Luta serr comigo Cão Sarrnenta!

A lança atravessa o ar, atingindo Gregório entre as omoplatas hisurtas e saindo pelo tórax.

O gigantesco lobo uiva de dor.

Algo dentro de sua mente perece se romper, seus olhos tornam-se negros e malignos. Em um momento dobra de tamanho chegando a dezoito metros de puro terror!

Seus antagonistas acreditavam que ele estava possuído pela Fúria Negra. Como estavam errados...

Com um golpe da cauda colossal varre amigos e inimigos para a morte. Seus pelos arrepiados, duros como espadas negras, e tão mortais quanto.

Avança sobre o russo, que está confiante em sua muralha de trevas.

O escudo negro, porém, é rompido como papel de embrulho. Uma garra do lobo Supremo rasga o peito de um Yuri surpreso.

Ele dá dois passos atrás, recuando ante um inimigo desde a sua imortalidade.

- Akk! Maldito! – grita na áspera língua de seu povo.

Desembainha a lâmina abençoada e perfura a patorra de Gregório. Mesmo assim, a força do golpe o afunda quase maio metro no asfalto.

O ferimento ferve e o lobisomem para um momento observando-o.

Um vulto aproxima-se em alta velocidade, atravessa a praça tomada por corpos destroçados e salta sobre Greg.

O Natural sente uma pontada e sua orelha decepada cai do alto de sua cabeça. O Lupino urra, estremecendo os fundamentos dos edifícios e procura em volta quem ousou lhe ferir.

À sua frente poucos metros adiante, um rapaz magro, porém atlético de cabelos negros escorridos.

Em sua mão direita um punhal alemão do século XVI lavado com o sangue do lobisomem.

A pata do lobo monstruoso de doze metros de altura atravessa o ar e o índio estreita mais ainda seus olhos vermelhos. Um segundo antes de ser atingido, ele salta, desaparecendo no ar.

Reaparece em frente ao focinho da fera.

Abre-lhe um talho de um palmo de profundidade. Um arranhão apenas.

Outra patada e ele decepa uma garra, afiada como um alfanje. Dando um salto mortal para trás, Saturno alcança o alto de um poste.

Espera que a criatura em sua estupidez atinja o transformador.

Se a descarga elétrica não o matar, talvez o deixe muito enfraquecido. A patona começa a ser baixada sobre o índio.

Na praça apinhada de corpos, lupinos e imortais que começam pouco a pouco a reorganizar suas forças, observam o estratagema com ansiedade.

Gregório tem um brilho de maléfica inteligência no olhar.

- CUIDADO!

Ouvindo a voz familiar de Ângela, o indígena olha para trás. Esperava apenas um ataque frontal e paga caro por isso.

A cauda do licantropo lhe atinge as costas em uma velocidade impressionante.

CRACK!

Saturno cai do alto do poste, seu corpo dobrado ao meio. Os calcanhares encostados no rosto.

Não consegue se mover.

O índio é uma lenda mesmo entre os vampiros e seus irmãos sombrios gritam em uníssono na escuridão, avançando sobre o Natural.

Gregório, alheio aos pequenos imortais que lhe espetam as patas e as pernas, abaixa-se, suspendendo o corpo quebrado do vampiro.

Levanta-o acima de sua cabeça e para seu horror de todos, escancara a bocarra.

Vai comer Saturno como aperitivo!

- DEUSES DOS TRREVAS! É impossível derrotarr este criaturra!

O corpo de Yuri já está quase completamente curado, mas o russo apavorado aciona uma equipe para resgatá-lo.

As garras da enorme Fera se abrem a o corpo do índio fica solto no espaço, caindo em direção ao buraco negro que é a goela do lobisomem.

Uma figura prateada salta no ar, retirando o vampiro intacto quase de entre os dentes do monstro. Lucas deposita Saturno no chão e os Noturnos abrem espaço para o imponente lobo branco confrontar seu líder máximo.

Apenas quatrocentos Lupinos estão em condições de confrontar Gregório.

O empresário escala a torre peluda e agarrado firmemente à pelagem densa, tenta dialogar na linguagem grunhida de sua raça.

- [Gregório! Escute-me! Acalme-se para encontrarmos uma solução!]

Um helicóptero negro sobrevoa a praça. Joga uma escada de cordas onde Yuri se dependura pela axila do braço amputado.

O lobisomem supremo tenta atacar o veículo, mas se surpreende com a ferocidade dos lupinos, seus irmãos.

Leva uma mordida no peito, dada por Lucas, que lhe arranca um pedaço doloroso do couro. A fera insana não hesita nem por um momento.

Quatro vezes maior que o maior dos lupinos, agarra o empresário pelos braços, rasgando-o ao meio.

Uma chuva de sangue e entranhas lava seus irmãos de Tribo.

O helicóptero alça vôo e Yuri grita para os vampiros, indignados com sua fuga:

- Salvem seus peles!Minha plano de afugentarr os ferras não darr cerrta!

Desvencilhando-se dos pequenos lobisomens que o agarram, o Natural tenta alcançar o helicóptero.

Apavorado, Yuri remexe as vestes em frangalhos até encontrar sua arma.

Saca a espada com sua mão esquerda.

Com o cotovelo, se segura o melhor possível na escada de cordas do helicóptero. Sem nem um fiapo de mente humana, Gregório não o reconhece, só sabe que tem de destruí-lo.

Salta dezoito metros no ar atingindo a hélice traseira da aeronave.

O russo grita e se solta afundando a espada santa no peito peludo do lobo até o cabo.

Greg gane de dor.

Os dois caem do alto dos céus e em dado momento Yuri solta a espada santa e grita:

- ASKRON!

Seu corpo se desfaz em uma fumaça espessa.

No solo, os vampiros e lobisomens olham perplexos para o lugar onde o Russo desapareceu.

Logo o corpo gigante cai na Praça João Mendes, estremecendo o solo já despedaçado.

Em uma tentativa desesperada de retirar a lâmina, mortal para criaturas amaldiçoadas, o Lobo Supremo rola, esmagando amigos e inimigos.

Logo consegue arrancar a espada antiga e a atira quilômetros ao longe.

A peça santificada cai nas águas negras do rio Tietê, afundando entre o lodo apodrecido. Incrivelmente, no raio de um metro do local onde ela some, a água se torna límpida.

Pouco a pouco, Gregório começa a reverter para sua forma humana.

O silêncio toma o centro da cidade de maneira inabitual. Vampiros e feras se entreolham.

Não vêem mais motivos para lutar. Sabem que nenhum dos dois lados venceu a batalha.

Pelo contrário, ambos perderam.

Sobraram algumas dezenas de lobisomens e quatro centenas de imortais.

Um a um, os filhos da noite desaparecem na escuridão. Em suas almas enegrecidas pela eternidade, brilha agora uma fornalha de ódio contra Yuri, o russo.

Sabem que foram enganados e nunca descansarão até destruí-lo. Procuram o russo em cada canto da cidade.

Ângela se afasta, carregando Saturno.

Os lupinos se juntam em volta daquele que deveria ser o futuro de sua raça. Poucos escondem seu pranto.

Estela se ajoelha ao lado do moreno nu.

A lua fica vermelha no céu, refletindo o sangue que escorre do peito de Gregório.

Segurando as mãos do rapaz agonizante a ruiva chora.

- Fa-Fabiana... – ele chama inutilmente com um fio de voz.

Seus olhos negros ficam vidrados.

Os uivos cobrem o centro da cidade. A lamentação transpõe a madrugada.

A manhã virá e o Poder Público, orientado pelos verdadeiros donos da cidade, culpará os traficantes de drogas pelo estrago.

Minutos antes, Jürgen, ao ver o necromante se transformar em fumaça, veste um estranho capacete.

Ajusta as freqüências até encontrar um rastro residual de Yuri. Mancando, arromba um Citröen e engata a primeira após fazer uma ligação direta.

Dirige o mais rápido possível, olha pela janela, enquanto se afasta do centro velho de São Paulo.

- Não vai escapar de mim! Seu Scheiße!

Após encontrar a casa abandonada, Jürgen desarma o alarme sofisticado, calça um par de grossas pantufas de tigre para não fazer ruído. Usando uma técnica tibetana que aprendera em 1965, reduz seus batimentos cardíacos à quase zero.

Em quinze minutos vasculha o térreo da casa.

Sobe ao segundo pavimento, onde encontra sua presa.

Em seu covil mais secreto na Penha, o Russo se concentra ao máximo para contatar mentalmente Ivan.

O Prússio o ignora.

Abandonado por todos, Yuri se desespera.

Não nota o humano que avança sorrateiramente por trás dele. Empunha uma estaca benzida pelo próprio Papa Bento XVI.

Levanta a arma letal contra mortos-vivos. Uma gota de suor escorre de sua têmpora, pingando no uniforme de Kevlar.

Como um raio, Yuri se vira, enfiando suas unhas afiadas no peito do caçador.

A estaca de carvalho antigo aponta para o coração do Russo.

Com suas garras fortíssimas ele perfura o uniforme, agarrando o coração do mortal. Ferindo Jürgen profundamente.

Os dois arfam.

Nunca em toda a sua existência, o vampiro esteve tão perto da morte.

- Se me matarr, o garrota também morre! – alerta o russo.

- garota? Isso é mais um truque seu! Maldito sugador!

A ponta da madeira perfura a carne vampírica.

Yuri tira a mão do peito do caçador e com um gesto abre a porta de correr do aposento contíguo.

Uma linda moça está acorrentada ao chão e a sua frente um tablete de explosivo C-4 ligado a um contador.

- Schwach! – Jürgen enterra a estaca até sentir o chão duro através do imortal.

Em sua pressa, não nota o jogo de corpo de Yuri.

O russo se inclinou ligeiramente, evitando que a estaca lhe perfure o coração.

Acreditando que o vampiro está morto, larga o filho da noite e corre para o outro cômodo e com um grampo tira as algemas das mãos da moça.

Ela começa a soluçar histericamente agarrando-o com força.

- Me larga mulher! Mas que merda! Assim nós dois vamos morrer!

Inacreditavelmente, o contador que marca quinze segundos cai para três.

Outra armadilha do russo.

E nesse mesmo momento, o imortal retira a estaca.

Yuri ri.

Jürgen atira o explosivo no quarto onde está o vampiro e vira a mesa de jacarandá em uma fraca tentativa de proteção.

O vampiro arregala os olhos ao ver o C-4 cair aos seus pés.

- CAÇADOR MALDITO! – proclama em sua língua natal.

A explosão é violenta, devastadora.

A mesa voa, arrastando os dois humanos atrás dela. O pé da moça é amputado pela corrente e a perna da mesa perfura seu peito jovem.

O casarão desaba e Jürgen perde a consciência.

Acorda dois dias depois ao ser resgatado. Chora quando vê o cadáver da moça coberto com um plástico.

Sabe que foi sua culpa não tê-la salvo.

Sua única satisfação é saber que o culpado por toda essa guerra está morto.

Prólogo 1. DEZEMBRO 2008 – SUBTERRÂNEOS DE SÃO PAULO.

Um caro sapato italiano pisa com cuidado no esgoto fétido. O loiro empertigado anda abaixo da cidade de São Paulo.

Encontra quem procura sob uma cachoeira fétida.

Abre o guarda-chuva Track&Field e caminha com cuidado até a criatura descarnada.

- Veio escarnecerr de mim? – pergunta a coisa levemente humana com um forte sotaque do leste europeu.

- Não. Você tentou e falhou. Acontece. Apenas vim buscar o que é meu.

A mão macilenta procura algo no lago fétido e logo pesca uma espada.

Linda.

Cravejada de jóias e com um pedaço de osso engastado na empunhadura.

A mão ferve ao segurá-la. Ele não parece se importar.

Ivan calça uma luva de couro fino e apega.

O loiro se aproxima do ouvido que derrama vermes.

- Vingue-se do humano. Vingue-se de todos! – aconselha o Prússio.

O ser que já foi um dos mais poderosos vampiros do mundo estremece.

- Ele está morrta! Non está? NON ESTÁÁÁÁÁ? NÃÃÃÃOOOO!

Ivan se afasta. Um sorriso pérfido se desenha no rosto angelical. A criatura se levanta sob a enxurrada de esgoto.

Seu primeiro movimento em meses.

Prólogo 2. DEZEMBRO 2008 – VILA ÍNDIGENA MAIORUNA, AMAZONAS.

A umidade torna o calor opressivo. A lua está cheia no céu estrelado.

Mesmo em trabalho de parto a mulher não solta um único gemido. Está catatônica desde o começo de sua gravidez.

Logo o bebê nasce e as índias saem em pânico da oca.

Chamam pelo pajé.

Este vem bem devagar. Manca da perna esquerda.

O rosto sulcado e as orelhas cobertas de pêlos.

Seu sorriso banguela se ilumina.

- [Este futuro do planeta! Dele descenderá feras!] – diz em um dialeto tupi de quinhentos anos antes.

Toca seu cajado de leve na testa de Fabiana e a linda negra desperta de seu torpor causado pelo vampiro russo meses antes. Ela continua humana.

Emocionada, pega o seu filho recém nascido. O pequeno bebê de olhos vermelhos.

Ela não parece notar este detalhe.

Leva-o ao peito onde ele suga o sangue da mãe. Seus pequeninos dentes caninos apontando nas gengivas rosadas.

A maldição das duas raças passou para o pequeno rebento que ela segura no colo.

O pajé sai da oca transmutando-se em um pequeno lobisomem.

Uiva de alegria para a lua e respondendo a seu chamado, vários outros uivos ecoam na Floresta Esmeralda.

Inclusive um lobo esquálido e cinzento.

Felipo.

Fim.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 04/06/2008
Código do texto: T1020017
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