[Conto] - FÚRIA SELVAGEM - capítulo 5 - UMA ESTRANHA ALIANÇA

CAPÍTULO 5 – UMA ESTRANHA ALIANÇA

- Ivan quer o fim de tudo! E pretende reinar sobre o que sobrar depois!

Jürgen mira o vampiro na cabeça.

- Isso é idiotice! O conselho dos anciões iria punir o Prússio por uma ousadia como essa!

Em um milésimo de segundo, Saturno está ao lado do caçador. Evita demonstrar, mas está impressionado com o nível de conhecimento do mundo vampírico por este homem.

- O humano tem razão! – rosna Lucas.

Jürgen se espanta com a força e velocidade do índio. Pelas informações da Organização, ele tem menos de quinhentos anos, mas se comporta como um filho da noite de no mínimo um milênio.

- Tentem pôr em sua cabeça: se o Lobo Supremo entrar em “Fúria Negra”, destrói a cidade; as autoridades não poderão mais fazer vista grossa para nossas atividades e os humanos vão entrar na guerra!

Os dois se encaram e o humano procura o olhar do empresário. Lucas não parece totalmente convencido, e Ângela completa o raciocínio de seu companheiro.

- Os únicos noturnos capazes de deter esse “Superlobisomem”, são os anciões, mas no momento em que um deles mover um dedo, cada chefe de Tribo Loba, vai atacar uma colônia vampira! O conflito vai ser mundial!

- O fim da civilização... – murmura Jürgen.

- Vamos nos unir para deter o “Natural”, mas preparem-se, pois seremos vistos como traidores. E tratados como tal!

O grupo sela uma estranha aliança. Saltam do prédio do Banespa na confluência da Libero Badaró com o Viaduto do Chá.

O caçador, armado até os dentes, os outros armados apenas com sua força sobrenatural.

Eles encontram na Praça da Sé um cenário de guerra: corpos de noturnos e feras espalhados por todo lado.

Diferente do que imaginaram anteriormente, os seres amaldiçoados já haviam se unido por um acordo tácito.

Tanto os imortais como os lupinos combatem um Gregório tomado pela Fúria Negra.

O imenso lobisomem ataca tudo o que se move em seu raio de visão. Amigos ou inimigos.

Não faz mais diferença para a criatura descontrolada, Jürgen se sente tão ou mais impotente que os lutadores. Sabe que sua força não se iguala ao da fera descomunal.

Tenta um contato com seus agentes. Espera que algum tenha sobrevivido.

Minutos antes, do alto dos prédios, no entorno da Catedral da Sé, duzentos agentes da Organização no Brasil, receberam ordem de fogo aberto. Homens duros, sem emoção acionaram os gatilhos de rifles com mira telescópica.

Atiram indiscriminadamente na multidão de criaturas que se digladiam de maneira terrível, quase épica.

Garras esquartejam vampiros que por sua vez – armados de espadas de prata – decepam membros de lobisomens.

Cobertos por tecidos refletores, os soldados são praticamente invisíveis tanto para as feras, quanto para os noturnos.

Seus rifles atiram balas de parta explosiva de maneira aleatória, dizimando indivíduos das duas fileiras.

Talvez chegassem ao fim da batalha ilesos, não fosse à atuação desastrosa dos “Monges Negros”. Este braço armado da direita mais extrema da Igreja Católica cedeu cinqüenta de seus melhores soldados de Fé para a Organização.

Treinados com uma técnica misteriosa, que lhes confere poderes sobre-humanos, são experts em combate corporal e tiro a longa distância.

Infelizmente, retrógrados e seguindo seus preceitos arcaicos, recusam-se a vestir o tecido reflexivo. Apenas pelo fato de não ser negro.

Após terem abatido mais de uma centena de criaturas, são notados pelo olhar agudo dos imortais.

Os vampiros trepam nos prédios atacando cada monge e o membro da Organização que está junto.

Como lutaram!

Os monges venderam caro sua vida. Cada um levou consigo bem uns duzentos filhos da noite em uma grande explosão com suas granadas de luz

Os outros cento e cinqüenta agentes que sobrevivem ao massacre recebem uma ordem inusitada de seu Comandante-em-chefe:

- Cessem o ataque aos sugadores e aos bichos! Mirem no grandalhão ao centro!

Eles não discutem a ordem de seu superior e logo a artilharia volta seu poder de fogo contra Gregório.

O Natural sente as pontadas e balança os braços enxotando as balas de prata. As balas de metal argênteo não penetram seu couro espesso.

O humano faz contato com o exército brasileiro e ante a situação gravíssima, liberam um helicóptero carregado com armamento especial.

Mísseis com ponta de prata.

Batizados as pressas pelo Arcebispo dom Paulo Cunha, o helicóptero camuflado alça vôo do aeroporto de Cumbica às 24h 48min.

Em um quarto de hora alcança a capital de São Paulo.

Poucos notam, mas Gregório está maior, mais selvagem e poderoso.

Quanto mais furioso, maior sua força.

Com sua cauda, esmaga os vampiros e massacra seus irmãos com as garras.

Saturno dá um passo em direção ao gigante negro e Ângela o acompanha. Ele a detém.

- O que você pensa que está fazendo?

Ela fica vermelha, envergonhada.

- eu vou com você, oras!

A vampira empina o nariz, quase fazendo o índio sorrir.

Ele segura os dois ombros da amada, não aperta, apenas segura.

- Angel... Isso é maior do que qualquer coisa que você já enfrentou... Não venha atrás de mim. Não sei se vou sobreviver, mas se tiver que protegê-la, com certeza morreremos os dois!

A imortal fica parada vendo seu amante corre para a batalha.

Ela enxuga uma lágrima solitária.

- “Esta meia vida, sem você, se tornará um nada... Não morra!”

Logo Ângela volta para junto do caçador, pois em sua curta ausência alguns vampiros sem-noção tentaram lhe sugar.

É dispensável dizer que seus corpos, cravados de balas de prata, jazem no asfalto.

Saturno, junto com centenas de outros imortais algumas dezenas de Lupinos escala a fera enorme.

Com alguns safanões, Gregório se livra dos pequenos incômodos. O índio é atingido, caindo sobre uma banca de jornal, quebra algumas costelas. Nada muito grave.

Lucas intercepta Estela, transmutada em uma bela fera ruiva.

- Me deixa! Eu vou lá!

Com seus braços poderosos o lobisomem branco a envolve.

- NÃO! Ele foi tomado pela Fúria Negra! Não te escutará!

A licantropa gane de frustração e o lobo branco pergunta-se se Felipo conseguira escapar com a humana.

Longe dali, quase em congonhas, o servo lupino, tendo despistado seus perseguidores, reverte à forma humana.

Sua em bicas. O cabelo seboso até pinga.

Fabiana ao seu lado está em choque. Os olhos vidrados.

Inerte.

Um fio de saliva escorre do canto de sua boca entre aberta.

- “Preciso de dinheiro!”

Esconde a bela negra em um matagal e penetra na favela de Águas Espraiadas.

Encontra um bando de traficantes e usuários e sem cerimônia transforma-se. Mata todos sem a mínima piedade e consegue seis mil reais em dinheiro vivo.

Pula dentro de um sobrado onde rouba umas roupas de Rapper para ele a Fabiana.

Veste a garota e meia hora depois de fugir da sé, chega ao aeroporto. Segue a fila até um guichê.

- Qual o destino senhor?

Felipo olha sonhador para o painel, nunca em sua vida sentira o gosto da liberdade.

- A imensidão esmeralda!

A atendente levanta a sobrancelha retocada a lápis.

- como senhor?

Ele repete o destino, desta vez chamando-o pelo nome correto.

No campo de batalha, Saturno estala o pescoço e empunha sua lâmina, pronto para o ataque.

Todos, até Yuri, silenciam ao ouvir as hélices cada vez mais próximas. O imenso helicóptero do exército chega, camuflado e imponente.

No chão Jürgen sorri.

- Agora a festa vai começar!

Ordena pelo comunicador que o veículo aéreo de guerra ataque o imenso lobo negro no meio da praça.

Dois mísseis Hellfinger ar-terra são disparados contra Gregório. Pressentindo o perigo, a fera salta no ar.

Guiados por calor, os artefatos explosivos executam uma meia lua no céu, atingindo o alvo no peito.

A explosão é acompanhada por uma luz intensa e o grito do licantropo. Poucos conseguem se manter de pé,após serem varridos pela onda de choque.

Entre eles o vampiro índio e o russo.

Os dois se encaram com ódio extremo, mas antes que possam se atracar, o corpo imenso cai do alto.

Uma coluna de pó se levanta, baixando pouco a pouco sobre a fera inerte.

O silêncio é sepulcral.

Lupinos e noturnos retêm o fôlego.

A fumaça emana do peito dilacerado pelas explosões. Logo os combatentes voltam-se uns para os outros, prontos para continuar a batalha.

Saturno, separado de Yuri pelo corpo monstruoso, aponta seu punhal para o russo.

A Figura maligna sorri. Sempre quis medir forças com a criação de Euronnimous.

Esta é sua chance.

Tem a arma perfeita para exterminá-lo, mas antes que o conflito recomece, Gregório se levanta de um salto.

Parece meio aturdido.

O horroroso ferimento no peito, fechado em um círculo onde o pêlo não voltou a nascer.

Seu urro é ensurdecedor.

As janelas dos edifícios em um raio de duzentos metros explodem, e todos os seres em volta se ajoelham, perante o terror que a criatura representa.

Ainda um pouco abalado pelo som, o velho caçador ordena um novo ataque.

- E dessa vez, continuem atacando até não sobrar nada!

Os dois agentes no helicóptero voltam a mirar o peito do Natural. Atiram.

Novamente o lobisomem salta executando um mortal de costas, e o par de mísseis passa por baixo dele.

Só que desta vez, prevenido, Gregório muda seu comportamento.

Antes de completar o giro no ar, agarra os dois tubos flamejantes com as poderosas garras.

Logo que toca o solo com as patorras, o Lupino mira os mísseis contra os surpresos ocupantes do helicóptero.

Ele abre as mãos peludas, queimadas pelo combustível dos projéteis Sem tempo de efetuar uma manobra de evasão, o veículo aéreo é abatido.

Explode com estrondo lançando destroços flamejantes em todas as direções.

Ângela agarra o humano pela gola do Kevlar, saltando vários metros ao longe.

Dois imortais e um lobo, menos atentos, são atingidos pela hélice em chamas que despenca sobre eles.

Se Gregório fosse um humano, o ruído que parte de sua garganta poderia ser interpretado como uma risada.

O lobo supremo avança um passo em direção a Yuri. Indiferente, o russo apenas espera.

Tem a certeza maníaca de que pode vencer o natural.

Uma explosão ecoa próxima e todos se voltam.

É um tanque de guerra M60

A organização manda os escrúpulos às favas e ordena um ataque pesado. Gregório cai de joelhos com o tiro de canhão de 105 mm que leva nas costas.

A lua fica vermelha nos céus, refletindo a Fúria Negra que ele carrega na alma.

O lobisomem se vira agilmente, saltando sobre o tanque de guerra, agarrando e entortando o tubo do canhão que transporta o projétil de 105 mm.

Ele se põe em seguida a arrancar lascas da blindagem. Quer arrancar os ocupantes aterrorizados de dentro.

Outro tanque, desta vez um LEOPARD 1 A1, se aproxima pelo sentido contrário, na Avenida da Liberdade e atira contra sua nuca com seu canhão modificado para receber bombas de prata.

Uma cascata de sangue desce pelas suas costas e antes que outro tiro seja disparado, o monstro já está sobre o tanque LEOPARD 1.

Levantando-o pelo tubo por onde sai o projétil, a fera bate suas quarenta toneladas de aço de um lado a outro.

Jürgen imagina seus subordinados ricocheteando dentro do veículo. As lagartas do tanque de guerra se soltam em grandes placas.

O Lupino gira o tanque com uma velocidade incrível e o solta no ar. A Catedral da Sé, que até o presente momento tivera apenas os delicados vitrais do século XVII danificados, é atingida duramente.

O tanque de guerra, parcialmente destruído demole os fundos do edifício santificado.

Gregório urra novamente, estourando centenas de tímpanos despreparados.

Vários imortais e alguns lupinos batem em retirada.

- Ataquem! Ataquem! Voltem à carga! Vamos morrer corajosamente! – grita Jürgen no comunicador.

Os agentes da Organização recomeçam os disparos com tiros de prata, visando o peito e a cabeça.

Munido de dois lança-foguetes, o caçador corre em direção a enorme fera.

Aciona as armas ao mesmo tempo, sendo atirado quase três metros atrás. O coice dos explosivos faz o Natural cambalear alguns passos.

Furioso, olha para o chão e vê o caçador grisalho recarregando os lançadores.

Jürgen para sua ação e aponta o dedo indicador para Gregório, logo em seguida passa pelo pescoço suado em um gesto de decepar.

A Fera arregala os olhos, surpresa.

Cada agente que vê seu comandante sozinho em frente à morte sente orgulho no peito. Da mesma maneira que cada lobisomem e vampiro sentem vergonha de não ter a coragem daquele humano.

O monstro levanta a patorra no ar e abaixa velozmente. Jürgen atira para o alto.

A pata esmaga o chão e os foguetes explodem ao acertar Gregório na garganta, jogando-o de costas no chão.

O coração do caçador bate descompassadamente.

Não entende como foi parar tão longe até ver Saturno.

Ângela o interpela:

- Seu velho doido! Tá querendo morrer é? – ela olha para o centro da praça João Mendes um momento antes de continuar - ... Mas deu certo! Acendeu uma chama em nossos corações!

Ele olha ofegante, uma onda negra de vampiros e lobisomens, avançarem sobre o corpo inerte do lobo supremo.

Espadas de prata e garras poderosas penetram o couro espesso da imensa criatura.

Subitamente Gregório desperta e num movimento brusco atira longe os seres que o ferem.

Uma segunda onda o subjuga. Lâminas, garras e dentes.

Muito sangue jorra dos dois lados e com o chacoalhão, o Lupino expulsa seus atacantes.

Ângela, afastada por Saturno, torce as mãos apreensiva.

Yuri boceja alto.

Uma terceira onda, mais feroz que as outras duas, avança sobre Gregório.

O Lobo supremo, farto de ser sangrado, giro sobre si próprio, usando as garras como a lâmina de um liquidificador e todos que se aproximam demais voltam como uma enxurrada de sangue e carne picados.

Logo, nenhum ser, amaldiçoado ou não, ousa se aproximar do Natural.

A fera olha em volta, esperando o próximo ataque, que não vem de canto algum.

Um silêncio tenso toma conta da praça; a sensação de inevitabilidade, apenas quebrada por um gemido ou grito de um moribundo.

Também pudera!

O chão está recoberto de destroços e fragmentos de feras e vampiros. Rostos de imortais e lobisomens em seus últimos estertores.

Rompendo o manto do silêncio, uma gargalhada ecoa.

É Yuri.

Ele bate palmas chamando para si a atenção da enorme criatura e de todos os outros envolvidos.

continua...

FIM DO CAPÍTULO 5

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 26/05/2008
Código do texto: T1006588
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