Fome de você
Você não foi o primeiro, nem o último. Mas foi o melhor. Nenhum antes me satisfez como você, e nenhum outro o fará.
As noites frias sempre acentuaram minha solidão e aquela não foi diferente. Eu saí para caminhar pela avenida no afã de estar entre as pessoas, respirar a sua diversidade e cerrar, de vez em quando, os olhos, concentrando-me nos sons das vozes mais distantes.
Sempre passei despercebida à multidão. Só não consigo entender como é possível que ninguém tenha reparado em você como eu reparei. Ali estava, na esquina, imóvel, como se à espera do destino. Uma capa negra e lustrosa cobria mal-e-mal a absoluta brancura de sua fronte, na qual eu podia ler seus desejos. Venha, você dizia, experimente-me. Obedeci.
Não quis barganhar seu preço. Desconhecia-o e, ainda assim, sabia que valia muito mais do que eu poderia pagar. Eu o envolvi em meus braços, firme como uma amante costumeira, e partimos, velozes, para minha casa.
Acendi a lareira. O fogo crepitou. As chamas lançaram nuanças douradas sobre você, meu mudo convidado. Eu o deixei na sala aquecida enquanto tomava um banho longo e politicamente incorreto. Vesti meu roupão de lã e trouxe vinho seco num cálice de cristal, que você, é claro, não bebeu. Continuou na poltrona, quieto e submisso, como eu o deixara.
Removi a capa preta e encarei-o, cheia de expectativa. Tinha fome de você. Mas, paciência, devia prolongar meu prazer. Eu me servi de um gole do Bordeaux e, então, comecei.
Queria conhecê-lo, explorar os detalhes da sua intimidade com meus olhos, com meus dedos. Sem pressa. Era mais macio do que eu pensava. Eu trabalhava com as mãos. Por uma única vez, toquei-o com minha língua. Sabor de nada. Cheiro de novo.
Você não era como os outros, de cujos nomes já nem me recordava. Tinha muito mais a me oferecer. Deslizei para o tapete felpudo no chão, levando-o comigo. Eu não podia me conter. Estava um tanto cansada, mas não conseguia deixá-lo; você era quase demais para mim. Eu, porém, estava disposta a devorá-lo por completo.
E eu o fiz. Suguei tudo o que você possuía – sua beleza, seu conhecimento, seu drama único. Profundamente. Repetidamente. A noite toda. Você me saciou. Eu o esgotei.
Abandonei-o no chão, sem um segundo olhar. Sentei-me na poltrona e contemplei o bailado do fogo. Eu estava cheia. Mas me sentia vazia. Você era notícia velha. Contentara-me como nenhum outro poderia; eu sabia que nada mais iria me preencher tão totalmente.
Deixo-o, agora, num banco de praça para que seja encontrado por estranhos, na esperança de que estes, passado o espanto e a hesitação, possam absorver de você o que eu absorvi.
Obrigada por tudo o que me proporcionou. Você foi, verdadeiramente, o melhor livro que eu já li.