A FACADA

Seu nome era Elisabete, tinha 37 anos, era casada, não tinha filhos e trabalhava como caixa em um supermercado.

Levava uma vidinha medíocre. Morava com o marido desempregado em uma casinha simples, no subúrbio. Seu dia começava às seis da manhã, tomava banho, um café simples com pão e manteiga e pegava o ônibus lotado para ir trabalhar. Trabalhava das oito da manhã às oito da noite. Tinha um intervalo de duas horas para o almoço, no qual comia um prato feito em um restaurantezinho de quinta categoria, na esquina do supermercado. Chegava em casa às nove e como sempre encontrava o marido de pijama, sentado em uma poltrona velha, assistindo televisão. Quando chegava do trabalho, ela ainda tinha que fazer todo o serviço doméstico, pois seu marido, que se chamava Osvaldo, além de não trabalhar, também não contribuía em nada na limpeza da casa, não lavava um copo que fosse.

Bete vivia estressada. Nos finais de semana, seu único lazer era conversar com a vizinha do lado. Não tinha dinheiro para ir a festas, nem a restaurantes, nem a barzinhos e também não podia comprar roupas bonitas, pois tinha que sustentar a casa sozinha com um salário mínimo. Não era bonita, ninguém olhava para ela e nem mesmo um amante conseguia arrumar. Enfim, a vida de Bete era um verdadeiro inferno.

Um dia, o ônibus que pegava para ir trabalhar foi assaltado. Levaram todo o dinheiro que ela tinha na carteira, os míseros cento e cinqüenta reais que tinha para passar o mês. No trabalho, teve uma discussão com o gerente, pois na hora de fechar o caixa faltaram oitenta reais. O gerente, além de humilhar Bete na frente dos colegas, disse que iria descontar o dinheiro do seu salário. Daquele mísero salário.

Nesse dia, Bete chegou ao seu limite. Quando saiu do supermercado teve um verdadeiro ataque de nervos: gritou, chutou coisas que encontrou pelo caminho, sentou na calçada e começou a chorar compulsivamente.

Quando chegou em casa, encontrou, mais uma vez, o marido de pijama, sentado naquela maldita poltrona velha, assistindo TV. Que ódio ela tinha do marido. Aquele homenzinho franzino, seboso, preguiçoso, ruim de cama, que ainda por cima vivia às suas custas. Aquele gigolô dos infernos. Nunca tinha um gesto de delicadeza com ela, não era nem um pouco romântico e como não trabalhava, nunca tinha dinheiro para levá-la a lugar nenhum. Era aquela massa inerte aplastada na poltrona.

Passou reto por ele, não deu nem “oi”, foi direto para cozinha lavar a louça suja que aquele porco deixava. Enquanto lavava a louça não parava de pensar:

- Maldita hora em que me casei com esse inútil. Que ódio eu tenho desse homem, mas que ódio. Como eu queria que ele desaparecesse. Como eu me sentiria feliz se ele sumisse da face da terra. Se ela levava aquela vida infernal era culpa dele, tudo culpa dele.

Foi nesse momento que olhou para o secador de pratos e viu a faca de cortar carne, com o cabo preto, a lâmina pontuda e bem afiada. Ficou um longo tempo olhando para a faca, namorando-a. Lentamente pegou-a e foi até o corredor. Caminhou sorrateiramente até a porta que dava para a sala. Através de uma cortina velha que separava os cômodos, ficou espiando o marido, que muito distraído, assistia a um jogo de futebol. Bete olhava para ele analisando cada feição, era feio, tinha o rosto fino, a pele morena e enrugada, cabelos muito escuros, crespos e sebosos. Suas sobrancelhas eram enormes, o nariz mais parecia uma batata, os lábios eram finos e os dentes amarelados.

Quanto mais olhava para ele, mais ódio sentia. O suor lhe escorria pelo rosto, seu coração batia cada vez mais rápido. As mãos suadas apertavam com força o cabo preto da faca.

De súbito, Bete atirou-se na direção do marido, deu uma facada, duas, três, quatro, cinco. Chorava e gritava como uma louca:

- Eu não te agüento mais, eu te odeio vagabundo! Vai trabalhar seu desgraçado, infeliz! De hoje em diante você nunca mais vai poder sentar na sua amada poltrona.

O marido, parado num canto da sala, apavorado, assistia a esposa histérica, esfaqueando sem parar a sua poltrona favorita.

Ao final de tudo, a poltrona ficou completamente destruída.

A Alquimista
Enviado por A Alquimista em 17/05/2008
Reeditado em 19/10/2011
Código do texto: T993993
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