Placa escrito fome

1° parte.

I

Eles queriam salvar aquele noivado sim. Era impossível se imaginar sem o outro para conversar, para sorrir, chorar... Era definitivamente impossível. Mas (sempre tem um mas), de algum tempo para cá, tudo parecia tentar distanciá-los. Os passeios já não eram tão divertidos, as brigas não eram tão estimulantes e as reconciliações muito menos. Era tudo frio, indiferente, apático... Eles precisavam urgentemente de uma solução.

Ficavam dias e noites planejando atos desesperados para tentar continuar juntos, mas nenhuma idéia que fosse seguramente eficaz ocorria a nenhum dos dois. Ele pensou em terapia, mas ela era psicóloga. Ela pensou em uma declaração pública de amor, mas ele era cego... - “Mas que diabos, não consigo pensar em nada!” - repetiam mentalmente.

Eis que de repente, quando encontravam-se totalmente sem assunto na mesa de um botequim, a mesma idéia surgiu ao mesmo tempo na cabeça dos dois:

- Uma viagem!

- Uma viagem!

Uma viagem! Oras, essa seria a solução perfeita para reaproximá-los. Como não pensaram nisso antes? Agora certamente teriam novamente a chance de reascender nos seus corações a chama da paixão de outrora. Decidiram então partir no primeiro feriado que aparecesse. E seria no sete de setembro.

Desse dia em diante as semanas duraram meses. O tempo passava devagar, como se estivesse provocando o casal.

Isso deveria ter sido ruim, angustiante, no entanto acabou sendo bom, porque eles esperaram todos os dias juntos. Enquanto o feriado não chegava, aproveitaram para reviver os primeiros dias de seu amor adolescente. Foram ao parque, comeram algodão doce, andaram na roda gigante... Às vezes até parecia que haviam esquecido da planejada viajem.

Mas não, não havia esquecido. A verdade é que estavam cada dia mais ansiosos. Eles não tinham tirado completamente da cabeça que era preciso uma reconciliação. Talvez por isso, esse tenha sido o setembro mais almejado de suas vidas. Questionavam-se interiormente se aquele momento de felicidade era real mesmo e se iria durar. Afinal, como todo adulto rabugento que se preze, achavam que necessitavam de uma prova mais concreta. Mas como não dava para apressar o tempo, eles gastavam suas horas fazendo preparativos.

Ele comprou perfumes novos e aprendeu a tocar Legião Urbana; Ela encheu o carrinho do supermercado de chocolates, cd’s e preservativos e aprendeu a cantar Marisa Monte. Estavam o tempo inteiro loucos para surpreender um ao outro.

***

O dia enfim chegou. Quando ela passou na casa dele, às 5:00 da manhã, ele já estava pronto a duas horas, mas disse que tinha acabado de acordar. E assim eles partiram, de supetão, sem avisar a ninguém, em direção a algum lugar, que até eles esqueceram de combinar qual seria.

Ela dirigia de óculos cor-de-rosa, porque dizia que o mundo ficava mais engraçado. Ele lia um livro de piadas em braile, morria de rir, e logo depois as traduzia verbalmente sem a menor graça. O tanque cheio, o porta-malas lotado de bugigangas inúteis e os corações leves como uma pluma era tudo o que eles carregavam.

II

Os quilômetros passavam depressa e às centenas sob as rodas desgastadas do Mustang 69. De cada lugar que partiam, deixavam um pouco de si e levavam muitas lembranças dos povos pacatos e sorridentes que encontravam pelo caminho. Estavam felizes. Todo o plano parecia ter surtido efeito, pois quando se viam juntos dentro de uma barraca mal armada, com apenas o céu por testemunha, coisas mágicas aconteciam.

A liberdade, o ar puro nos pulmões, aquilo era revigorante para o corpo e para a alma de qualquer um e eles não sentiam a mínima falta do barulho descompassado da cidade. A agenda, o celular, os alarmes, todos estavam tão distantes... o mundo poderia estar acabando naquele momento que eles nem saberiam. Terroristas, extraterrestres, tsunamis, sejam quais fossem a bola da vez, naquele instante não importava. Só eles dois existiam. Só eles dois.

Continua...

Daniel Magalhães
Enviado por Daniel Magalhães em 16/05/2008
Reeditado em 16/05/2008
Código do texto: T992388
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