Quimera
A rua estava praticamente deserta. No céu uma pálida lua minguante escondia-se atrás de espessas nuvens.
Sons ao longe sussurravam impregnadas dos mistérios que na noite habitam.
Ele caminha a passos ligeiros, os cabelos de sua nuca e pele se eriçavam à cada som que o vento fazia reverberar em algum saco ou noutro lixo qualquer que se encontrasse na imunda rua.
As luzes laranjas dos postes piscavam, como em luta árdua contra a escuridão. Ele mantinha os passos firmes e certos de seu destino. Uma sombra cruza seu caminho. Estaca. Pode ouvir a batida frenética do coração nos ouvidos. Olha fundo nos olhos da sombra. Séculos se passam enquanto perdesse naqueles olhos; olhos de gato. Olhos que brilham, embriagam. Olhos que ameaçam.
A mágica do encontro desvanece ante um abrir e fechar de olhos; seus olhos. Piscadela singela que encobre a fugaz fuga da criatura.
Ele olha para os lados aturdido. Apodera-o pensamento de que aquilo fora uma visagem. Retoma a marcha, agora, mais incisivo quanto ao fato de não creditar importância a estúpidos sentimentos como medo ou pavor.
Ele olha as horas, são meia-noite e vinte e um minutos. Constata que a essas horas seu sub-consciente está em maior domínio que o consciente.
Um carro passa ligeiro na esquina que acabara de cruzar. Dispensa um olhar distraído ao mesmo pensando o quão bom seria estar no aconchego de um carro agora...
– Não, não seria... – a voz chega aos ouvidos como um sussurro. Ele não pode simplesmente ignora-la...
A sua frente, uma mulher vestida com as cores da escuridão, o véu da lua e com os olhos... aqueles olhos!!!
Está úmido. O suor cobre todo o seu corpo.
Acorda.
Os olhos da mulher, criatura ou simples quimera da noite não pode suga-lo dessa vez. Mas ainda assim, sente-se fraco. Uma tontura acomete-o. Senta-se a beira da cama, a respiração é difícil. O suor corre como água. Mantém os olhos fechados.
Procurando acalmar-se passa a mão nos cabelos presos a nuca e a cabeça pela umidade. As mãos correm ao derredor do pescoço. É quando sente. O líquido viscoso e rubro ainda aglomera-se quente sobre dois pequenos orifícios.
Então, abre os olhos e tenciona esticar a mão para acender o abajur. Certificar-se de que o líquido entre seu indicador e polegar era sangue seria importante...
- Não, não seria... – a voz sussurrante pertence as mãos que o impedem de acender a luz... mas também aos olhos da sombra, olhos que brilham, embriagam. Olhos que ameaçam. Olhos de quimera...
(17.08.2007)